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HQ / Matérias

Fabio Zimbres, Márcio Jr., Mechanics e o relançamento do clássico Música para Antropomorfos

Música para Antropomorfos é um dos grandes clássicos dos quadrinhos brasileiros, parte de um projeto singular que ainda resultou em um disco e uma animação. Parceria do quadrinista Fabio Zimbres com os músicos do grupo Mechanics, o quadrinho retornará às livrarias pela editora Zarabatana Books a partir do dia 10 de agosto, após mais de 10 anos esgotado e chegando a toda uma geração que jamais teve acesso a uma das obras mais singulares das HQs nacionais. Eu entrevistei duas das mentes por trás dessa empreitada, Zimbres e o vocalista do Mechanics, Márcio Jr., e esses papos viraram matéria na edição de hoje do jornal O Globo. Você lê o meu texto clicando aqui.

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Hostage: leia depoimentos de Guy Delisle sobre a HQ que será publicada no Brasil em 2018 pela Zarabatana Books

O ano de 2018 já tem confirmado um de seus lançamentos mais importantes em língua portuguesa: a Zarabatana Books confirmou para o primeiro semestre do próximo ano a edição em português de Hostage, álbum de 436 páginas do quadrinista canadense Guy Delisle que em português ganhou o título Fugir – O Relato de Um Refém. A publicação foi uma das minhas leituras preferidas de 2017 e cheguei a comentar sobre a obra na minha matéria pro UOL sobre o primeiro volume de O Guia do Pai Sem Noção, do mesmo autor. O livro é uma longa adaptação para o formato de HQ de um relato dado a Delisle por Christophe André, funcionário da Médicos Sem Fronteiras que passou 111 dias em cativeiro na Chechênia após ser sequestrado no último dia de sua missão na região do Cáucaso em 1997. Repito: é, desde já, um dos principais lançamentos de 2018 no Brasil. Reúno a seguir algumas aspas de Delisle sobre a obra coletadas da minha entrevista com ele no mês de junho:

Sobre escrever pela primeira vez uma história protagonizada por outra pessoa: “Foi a primeira vez que isso aconteceu e eu já queria contar essa história há um bom tempo. Eu apenas continuava adiando porque estava fazendo os livros de viagens. Em determinado momento nós paramos de viajar tanto e achei que era a hora de focar nesse trabalho que queria fazer há tanto tempo. Há dois anos resolvi que deveria fazer ao invés de ficar apenas pensando nisso. Então tirei dois anos para trabalhar nesse livro, porque sabia que seria algo muito longo”

Sobre se colocar no lugar de Christophe André: “Eu já tinha pensando nisso antes mesmo de começar a trabalhar no livro. Quando eu conversava informalmente com ele já ficava imaginando ‘Uau! O que eu faria na situação dele?’. Mesmo antes da ideia do livro existir eu já me relacionava com a história do Christophe. Todo mundo pode se relacionar com a ideia de ser sequestrado de alguma forma, você está no lugar errado e no momento errado e então vira um refém. Então é uma história muito envolvente e achei que seria interessante de contar em formato de história em quadrinhos. E sobre a forma como você reagiria em uma situação como aquela: na verdade é impossível saber. O Christophe me explicou que não era a mesma pessoa que passou aquele período sequestrado. No período em que passou sequestrado ele estava sob muito estress e apenas reagia diferente da forma como reagiria em uma situação cotidiana de sua vida normal. Por mais que você pense “eu faria isso ou aquilo”, você agiria de outra forma naquela situação, você também seria outra pessoa”

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Sobre a produção do quadrinho: “Eu sempre mantive contato com o Christophe e estamos lançando o livro juntos aqui na França. Enquanto fazia o livro eu mandava as páginas para ele e ele lia e me retornava com alguns comentários. Eu não queria que ele recebesse o livro pronto e dissesse que eu deveria ser mais preciso em relação a alguma coisa ou que isso e aquilo não havia acontecido. Pra evitar isso eu enviava as páginas enquanto produzia e fizemos algumas mudanças aqui e ali. Para mim era muito importante que fosse o mais fiel possível à realidade”

Sobre as cores da HQ: “No Crônicas de Jerusalém também tem algumas cores. Eu gosto de cores, mas a estética desse livro é de pouco texto e de desenhos muito simples. Queria que as cores também fossem simples. Eu queria que tudo fosse tão simples quanto o contexto no qual o personagem estava vivendo. A comida era simples, ele não tinha mais nada. Enfim, queria simplicidade e o traço e as cores precisavam seguir isso. Pensei em fazer em preto e branco, mas fiz a capa e gostei do azul e achei que aquela cor dialogava com a situação”

Entrevistas / HQ

Papo com Guy Delisle, o autor de O Guia do Pai Sem Noção e Hostage: “Todo mundo pode se relacionar com a ideia de ser sequestrado de alguma forma, você está no lugar errado e no momento errado e então vira um refém”

O quadrinista canadense Guy Delisle acabou de publicar na América do Norte e na França o aclamado Hostage, já apontado por muitos especialistas como um dos grandes quadrinhos de 2017. O título narra o período de 111 dias no qual o funcionário da Médicos Sem Fronteiras Christophe André passou como refém de uma milícia no Cáucaso em 1997. Enquanto isso, no Brasil, chegou às livrarias o primeiro volume de O Guia do Pai Sem Noção, série de três livros no qual ele narra histórias engraçadas vividas por ele e seus dois filhos.

Entrevistei o quadrinista por telefone e transformei a minha conversa em matéria publicado no UOL. No meu texto, falo sobre o conteúdo de Hostage e de O Guia do Pai Sem Noção, comento um pouco mais sobre a trajetória do autor e também de seus trabalhos prévios sobre suas viagens a Shenzhen, Jerusalém, Burma e Pyongyang. Recomendo um pulo no UOL pra leitura do meu texto. Depois volta pra cá e dá uma lida na íntegra da nossa conversa. Ó:

“Eu fiz vários livros sobre viagens e aí resolvi que queria fazer algo menor, com humor. Nada relacionado a política ou geografia, apenas eu e as crianças”

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Você lembra do momento em que teve a ideia de criar a série do Guia do Pai Sem Noção?

Há um bom tempo eu tentei uma história, a primeira, e coloquei no meu blog. Depois eu recebi uma carta de um pai dizendo que ele e a esposa haviam esquecido a mesma coisa que eu, de colocar a tal recompensa do Rato do Dente. Foi engraçado. Era a minha primeira vez publicando na internet, então fiz a segunda e depois de algumas histórias o meu editor me ligou e disse que deveríamos transformar aquilo em um livro, que seria divertido. ‘Sim, claro! Por que não?’, então continuei fazendo as histórias. No começo eu não tinha em mente publicar isso em um livro, mas acabou acontecendo.

Quando o primeiro livro do Guia foi publicado os seus trabalhos mais famosos eram as obras de viagens. O Guia também é em primeira pessoa, mas é um gênero completamente diferente. Foi difícil pra você mudar o tema e o tom pra esse trabalho?

Eu fiz vários livros sobre viagens, depois do livro sobre Jerusalém, uma obra bem grande, e aí resolvi que queria fazer algo menor, com humor. Nada relacionado a política ou geografia, apenas eu e as crianças. Como eu estava mais em casa, de vez em quando alguma coisa acontecia. ‘Bem, isso é engraçado, talvez eu devesse fazer alguma coisa com isso’. Então a primeira aconteceu, depois a segunda e tudo isso acabou virando o livro.

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Os seus filhos já leram os livros? Como eles reagiram de se verem retratados como personagens de quadrinhos?

Hoje eles leem os livros, mas quando eu publiquei o primeiro eu não queria que o meu filho mais velho lesse. Mas como muitas crianças na escola dele estavam lendo achei que poderia ser um pouco constrangedor para ele e aí lemos juntos. Expliquei pra ele o que eram aquelas histórias, que elas estavam ali por serem engraçadas, para fazer graça com a realidade. Hoje os dois gostam dos Guias e eu também continuo gostando, então está tudo bem. Não tem nenhum problema.

E como foi a recepção da crítica em relação a esse contraste entre o Guia e seus trabalhos prévios?

Não saíram muitas críticas. Quando é humor parece que as pessoas não escrevem resenhas, elas devem ficar guardadas para outros tipos de livros (risos) Fiz algumas participações em programas de TV e de rádio, mas não muita coisa. Na verdade não me importo muito com isso. O livro funcionou bem, nós vendemos 100 mil cópias do primeiro, o que é o suficiente para mim (risos)

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Tanto os livros de viagens quanto os Guias são com você como personagem e sempre mostrando o seu ponto de vista. Como foi criar a partir da história de alguém em Hostage?

Foi a primeira vez que isso aconteceu e eu já queria contar essa história há um bom tempo. Eu apenas continuava adiando porque estava fazendo os livros de viagens. Em determinado momento nós paramos de viajar tanto e achei que era a hora de focar nesse trabalho que queria fazer há tanto tempo. Há dois anos resolvi que deveria fazer ao invés de ficar apenas pensando nisso. Então tirei dois anos para trabalhar nesse livro, porque sabia que seria algo muito longo.

Li uma entrevista na qual você fala que não considera os seus livros de viagens jornalísticos. Em qual gênero você define Hostage? É trabalho documental e quase jornalístico, concorda?

Eu acredito que alguém possa vê-lo dessa forma, mas… Quando eu penso em jornalismo tenho em mente um repórter que vai em algum lugar para falar sobre alguma coisa. Nesse caso eu estava contando a história do Christophe André, que havia me impressionado e era uma ótima história a ser contada, por ele ter sobrevivido a muita coisa e ter conseguido escapar. Sempre foi um livro muito interessante de trabalhar e não penso se é jornalismo ou não. Também não sei se é uma novela, talvez esteja mais para uma memória ou algo do tipo.

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Enquanto eu lia Hostage me colocava no lugar do Christophe André o tempo todo, sempre pensando o que poderia fazer no lugar dele. Você também fez isso? Cogitou como responderia e reagiria estando no lugar dele?

Eu já tinha pensando nisso antes mesmo de começar a trabalhar no livro. Quando eu conversava informalmente com ele já ficava imaginando “Uau! O que eu faria na situação dele?”. Mesmo antes da ideia do livro existir eu já me relacionava com a história do Christophe. Todo mundo pode se relacionar com a ideia de ser sequestrado de alguma forma, você está no lugar errado e no momento errado e então vira um refém. Então é uma história muito envolvente e achei que seria interessante de contar em formato de história em quadrinhos.

E sobre a forma como você reagiria em uma situação como aquela: na verdade é impossível saber. O Christophe me explicou que não era a mesma pessoa que passou aquele período sequestrado. No período em que passou sequestrado ele estava sob muito estress e apenas reagia diferente da forma como reagiria em uma situação cotidiana de sua vida normal. Por mais que você pense “eu faria isso ou aquilo”, você agiria de outra forma naquela situação, você também seria outra pessoa.

Você criou o livro a partir de suas conversas com o Christophe André. Como foi a produção a partir do momento em que encerrou a coleta desses depoimentos?

Eu sempre mantive contato com o Christophe e estamos lançando o livro juntos aqui na França. Enquanto fazia o livro eu mandava as páginas para ele e ele lia e me retornava com alguns comentários. Eu não queria que ele recebesse o livro pronto e dissesse que eu deveria ser mais preciso em relação a alguma coisa ou que isso e aquilo não havia acontecido. Pra evitar isso eu enviava as páginas enquanto produzia e fizemos algumas mudanças aqui e ali. Para mim era muito importante que fosse o mais fiel possível à realidade.

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Você não costuma usar muitas cores nos seus trabalhos. Como você chegou nessa paleta de cores azulada de Hostage?

No Crônicas de Jerusalém também tem algumas cores. Eu gosto de cores, mas a estética desse livro é de pouco texto e de desenhos muito simples. Queria que as cores também fossem simples. Eu queria que tudo fosse tão simples quanto o contexto no qual o personagem estava vivendo. A comida era simples, ele não tinha mais nada. Enfim, queria simplicidade e o traço e as cores precisavam seguir isso. Pensei em fazer em preto e branco, mas fiz a capa e gostei do azul e achei que aquela cor dialogava com a situação.

A maior parte dos seus livros, incluindo Hostage, é ambientada em lugares nos quais liberdades individuais são muito limitadas. Pelas suas experiências nesses locais, você fica assustado quando vê o aumento da popularidade e a chegada ao poder de indivíduos como Trump e Le Pen? Você teme ver na França a perda de liberdades individuais como viu nos países em que visitou?

Pode acontecer e por isso os movimentos de esquerda precisam ser fortes. Os franceses estão bastante conscientes disso tudo. Há muito debate sobre esse cenário, não sabemos o que pode acontecer e a Le Pen pode retornar, então precisamos ficar atentos. A eleição foi importante por mostrar que podemos evitar isso.

O Trump também foi uma decepção muito grande, mas é um risco que corremos com uma eleição e com o sistema democrático. A mesma coisa aconteceu aqui na Europa com o Brexit. Os britânicos estão começando a negociação para sair. Felizmente isso não representará o colapso da União Européia, mas há muito que se fazer a partir de agora.

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HQ

Vitralizado Recomenda #0001: Erzsébet (Zarabatana), por Nunsky

O quadrinista português Nunsky conta a história da condessa húngara Erzsébet Báthory (1560-1614) nas 144 páginas em preto e branco de Erzsébet (Zarabatana, R$40). São atribuídas à protagonista da HQ centenas de assassinatos e relatos chocantes de tortura. Publicado em Portugal pela editora Chili Com Carne, o álbum ganhou o prêmio de Melhor Desenho no Festival de BD de Amadora em 2015. O diálogo mais imediato da arte de Nunsky é com o preto e branco de alto contraste dos trabalhos do norte-americano Charles Burns. A elegância das paginações convencionais do álbum tornam ainda mais impressionantes e macabros os crimes cometidos pela condessa.

OBS: a Vitralizado Recomenda é uma seção nova aqui do blog. A ideia é fazer críticas rápidas, registrando trabalhos recém-lançados no Brasil que chamem de alguma forma a minha atenção. Prefiro não definir uma periodicidade por enquanto, vamos ver até onde vai.

HQ

## Retrospectiva Vitralizado 2016 ## Rasga-Mortalhas (Zarabatana), por Diogo Bercito e Pedro Vergani

Rasga-Mortalhas foi provavelmente o último grande quadrinho publicado no Brasil em 2016. Com texto de Diogo Bercito e ilustrações de Pedro Vergani, o álbum impressiona de cara por seu acabamento e por sua arte. Inteiramente em preto, vermelho e branco, conta a história da visita inesperada de um babuíno a um rei que pode resultar no fim do mundo. Repleta de referências à cultura árabe e inspirado em conceitos do misticismo judaico, é uma HQ imperdível.

Entrevistas / HQ

Papo com Marco Oliveira, o autor de Finório: “Me agrada acreditar que a versatilidade é algo tangível”

Finório é o primeiro trabalho do quadrinista Marco Oliveira atuando tanto como roteirista quanto ilustrador em um projeto longo. Ele começou sua carreira produzindo HQs nas tiras da série Overdose Homeopática, depois foi o desenhista do excelente Aos Cuidados de Rafaela em parceria com Marcelo Saravá e, mas recentemente, brincou com várias das possibilidades da linguagem dos quadrinhos no ótimo Mute. O novo trabalho de Oliveira estará a venda a partir de 5a, na mesa C31 do beco dos artistas da Comic Con Experience.

Já tive a oportunidade de ler o quadrinho em formato de pdf e gostei bastante – inclusive assino o texto da contracapa da HQ. O álbum é protagonizado por Francisco, um jovem alvo de atos de violência e injustiça ao longo de toda sua juventude, o que faz com que ele desenvolva uma mente ardilosa e uma postura bastante vingativa quando adulto. Apesar do belíssimo preto e branco e da narrativa objetiva e eficaz, chamo atenção principalmente para o excelente trabalho do quadrinista na construção de seus personagens. Tudo isso faz de Finório um grande quadrinho.

Bati um papo por email com o Marco Oliveira. Ele me falou sobre suas aspirações com a HQ, tratou das origens do projeto e comentou sua primeira experiência como roteirista e ilustrador em um quadrinho longo. Abri a conversa falando das páginas iniciais do livro, uma cena tensa com duas crianças sendo agredidas e amedrontadas por um indivíduo desequilibrado, experiência que o autor diz ter vivido durante a infância. Conversa muito boa – assim como a que tivemos na época do lançamento de Mute. Ó:

“Queria um personagem que se preocupasse com os seus, do tipo que até se compadece com o sofrimento alheio, mas que nunca toma as rédeas de situações que não lhe dizem respeito (quiçá as que lhe dizem)”

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Eu queria que você falasse um pouco sobre a origem de Finório. Você me contou que as páginas iniciais do livro foram inspiradas em uma história que você viveu na infância. O que foi que aconteceu?

Acho que o ano era o de 1992. Meu primo Zé e eu (ele com 11 e eu com 9 anos) estávamos vadiando em cima de um viaduto olhando os carros que passavam lá embaixo na rodovia. Começamos a disputar quem conseguia acertar a carroceria dos caminhões com cuspe, aquela coisa de calcular o tempo da queda e tal. Aí acho que acabou o cuspe e começamos a jogar pedrinhas nas carrocerias. Vendo que estava fácil, resolvi arriscar a carroceria de uma Pampa (nem se vê mais Pampas nas ruas). Joguei a pedra e acertei, só que no para-brisa. Por um milésimo de segundo cheguei a ver o vidro se espatifando, mas a palavra “consequência” ainda não constava do meu dicionário e continuamos com as pedras. Só me lembro de ouvir meu primo berrando e ver um cara arrastando ele pelos cabelos e o enchendo de porrada. Fiquei paralisado. Nem imaginei do que se tratava. Só segui eles quando o sujeito disse que, ou eu ia ou ele matava meu primo. Aí dei conta de que estavam indo para a Pampa lá embaixo, com o vidro todo fudido. Enfim, meu primo apanhou feito condenado e eu levei um chute no melhor estilo Anderson Silva. Fomos pra delegacia e nossas mães chamadas. Tiveram que pagar o vidro do cara. Relatamos a violência aos policiais e delegado, mas fingiram que nem ouviram. Nunca mais vimos o cara, era de outra cidade. Criança apanhar como adulto, sofrer ameaças de morte é um evento bem traumático.

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