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Posts por data março 2020

HQ

– Prêmio Grampo 2020 de Grandes HQs – Dia 13/04, às 12h, Vitralizado + Balbúrdia

O Prêmio Grampo 2020 de Grandes HQs já tem data, hora e local para acontecer. Os vencedores da quinta edição do principal prêmio da crítica especializada de quadrinhos do Brasil serão anunciados no dia 13 de abril, segunda-feira, às 12h, em posts compartilhados nos blogs Vitralizado e Balbúrdia e no tumblr do prêmio. Além das obras vencedoras do Grampos de Ouro, Prata e Bronze, no dia 13 também serão apresentados rankings individuais dos jurados convidados para a edição de 2020 do prêmio.

Na imagem acima você confere a nova identidade visual do Prêmio Grampo, criada pelo designer Jairo Rodrigues.

O Prêmio Grampo surgiu em 2016 inspirado na saudosa votação de melhores do ano do blog Gibizada, do jornalista Télio Navega, no jornal O Globo. Assim como ele fazia, eu e os editores do Balbúrdia, Lielson Zeni e Maria Clara Carneiro, convidamos várias pessoas envolvidas de diferentes formas na cena brasileira de quadrinhos a produzirem rankings com aqueles que elas consideram os 10 melhores títulos publicados no país no ano anterior

Antes do dia 13, marcamos para 6 de abril, próxima segunda-feira, também às 12h, a revelação dos nomes dos 21 jurados da edição de 2020, em posts simultâneos no Vitralizado e no Balbúrdia.

O plano inicial para o Grampo 2020 era a realização de uma cerimônia na loja Ugra, em São Paulo, como aconteceu nas duas edições mais recentes do prêmio. No entanto, por conta da pandemia do coronavírus, optamos por realizar essa quinta edição apenas na internet, como foi nas edições de 2016 e 2017. Ficamos na expectativa de retomar o evento físico a partir de 2021.

Então é isso, dia 6 de abril anunciamos os jurados e dia 13 o resultado final e os rankings individuais. Enquanto isso, queremos saber: quais são as suas apostas para o Grampo 2020?

Lielson Zeni, Maria Clara Carneiro e Ramon Vitral

HQ

Bedtime, por Chris Ware

O quadrinista Chris Ware é o autor da arte da capa do próxima número da revista New Yorker, a edição anual sobre saúda da publicação, não coincidentemente lançada em meio à pandemia do coronavírus. O autor de Jimmy Corrigan e Building Stories conta no site da revista como uma conversa com a filha de 15 anos serviu de inspiração para a criação da arte, batizada por ele de Bedtime.

“Como tática de procrastinação, às vezes pergunto para a minha filha de quinze anos sobre o que a tira ou desenho em que estou trabalhando deveria ser – não apenas porque isso me afasta da minha mesa de trabalho, mas porque, como a maioria das crianças da geração dela, ela presta atenção ao mundo. Então, enquanto desenhava a capa desta edição de saúde, fiz a pergunta”.

“‘Faça com que seja sobre como a maioria dos médicos tem filhos e famílias’, disse ela”, conta o quadrinista em seu relato à editora Françoise Mouly. Recomendo uma ida ao site da New Yorker para saber o resto dessa história. Vem cá. Aliás, chegou a ver o quadrinho assinado pelo Chris Ware pra New Yorker tratando do coronavírus? Recomendo também.

Entrevistas / HQ

Papo com Box Brown, autor de Tetris: “É quase impossível não ter algum propósito comercial na sua arte”

Entrevistei o quadrinista norte-americano Box Brown sobre o lançamento da edição brasileira de Tetris, prevista para o início de abril, pela editora Mino, e transformei esse papo em matéria publicada na sexta edição da Sarjeta, minha coluna mensal sobre histórias em quadrinhos no site do Instituto Itaú Cultural. Você lê meu texto clicando aqui.

Também autor dos excelentes Cannabis, Andre The Giant e An Entity Observes All Things, Brown é um dos meus autores preferidos. Ele é capaz de manter seu estilo seja na produção seus trabalhos independentes para a Retrofit Comics ou em suas obras documentais para a First Second Books.

Recomendo a leitura da Sarjeta para você saber mais sobre a história e a produção de Tetris e depois uma investida na entrevista a seguir – feita quando Brown ainda viria ao Brasil para o Mino Day, evento da editora Mino que estava marcado para abril, mas acabou adiado por conta da epidemia do coronavírus.

No minha conversa com o autor falamos sobre a presença de videogames em sua vida, sobre seus métodos de pesquisa e produção, sobre a relação entre arte e comércio e sobre seu novo livro, Child Star. Saca só:

“Tetris foi algo imenso no momento perfeito para mim”

Quadros de Tetris, HQ de Box Brown publicada no Brasil pela editora Mino

Você tem um histórico de trabalhos documentais sobre temas que parecem caros a você: a biografia do André The Giant, a história da ilegalização da maconha nos Estados Unidos e Tetris. Qual foi o ponto de partida de Tetris? Por que contar a história daquele que talvez seja o mais famoso dos games?

Ah, porque Tetris foi algo imenso no momento perfeito para mim. O Game Boy saiu quando eu tinha 8 ou 9 anos e veio com o Tetris. A minha família inteira jogava. Foi o primeiro jogo que me permitiu criar uma conexão com o meu pai e outros adultos, porque eles também jogavam. Foi a primeira vez que eles realmente compreenderam a obsessão da minha geração por videogames.

Você pode me contar sobre a sua relação com videogames? Você lembra do seu primeiro contato com games? Qual foi o primeiro jogo que você jogou? Você lembra do seu primeiro contato com tetris?

Eu jogo desde sempre. Quando eu tinha 5 anos ganhei um Nintendinho de Natal. Isso foi em 1985. Logo depois ganhamos um Atari usado, depois um Sega e um TurboGrafx 16 e tudo mais o que veio depois. Eu também joguei muitos jogos de fliperama nas minhas quebradas. A loja de quadrinhos tinha duas máquinas de videogame onde eu jogava de tudo. Eu lembro que tinha de tudo por lá, pinball também, ainda tinham os quadrinhos, os cards e as balas. Era um verdadeiro paraíso.

“A história do Tetris é um ótimo exemplo de interseção entre arte e comércio”

E como foi o seu primeiro contato com a história por trás da produção de Tetris? Quando você ouviu falar pela primeira vez sobre todas as questões políticas relacionadas ao desenvolvimento do jogo?

Sim. Quando eu era criança havia duas versões do Tetris para o Nintendinho. Havia um que se parecia com todos os outros da Nintendo e, também, uma versão diferente produzida pela Tengen, com um cartucho diferente, preto. Não se parecia em nada com os outros jogos. O boato era que o cartucho preto era ilegal… Mas era tudo o que sabíamos! Isso criou um ar legal de mistério em torno do jogo. Mas depois, muito mais tarde, me deparei com um documentário sobre a história do Tetris. Sou entusiasta de documentários e a história do Tetris é um ótimo exemplo de interseção entre arte e comércio.

Durante a sua infância, teve algum jogo ou console que você quis muito ter e não teve?

Sim, muitos jogos que até cheguei a joguar depois e descobri que são horríveis haha Quando eu era criança jogávamos um único jogo por semanas, meses até. Agora eu jogo 20 em um único dia brincando com o meu Switch. Eu lembro de querer desesperadamente um Sega Saturno e nunca ganhar um.

“A minha série de jogos favorita de todos os tempos é The Legend of Zelda e também a minha história favorita”

Quadro de Tetris, HQ de Box Brown publicada no Brasil pela editora Mino

Qual jogo mais marcou a sua vida? Houve algum jogo ou console em particular que mudou em definitivo a sua relação com video games?

Eu diria que foi Final Fantasy 7. Eu joguei quando tinha 17 anos e fiquei tão obcecado que eu dispensava festas. Era maravilhoso para mim que um jogo pudesse ter uma história tão rica, ser tão complexo e desafiador e ainda assim divertido.

Vejo debates e discussões cada vez mais constantes em torno da “narrativa” de mídias como quadrinhos e games. Em termos narrativos, o que mais te interessa nessas duas mídias?

Acredito definitivamente na importância da narrativa. Eu não consigo jogar um jogo que não conte uma boa história, mesmo que os gráficos sejam incríveis. Acho que o mesmo vale para os quadrinhos para mim. Eu preciso que me contem uma história. A maioria dos jogos que jogo hoje são de simulação de negócios, mas mesmos nesses jogos, com o objetivo de administrar um sistema ao invés de completar uma missão, são as narrativas que direcionam a jogabilidade. Quando falta uma estrutura narrativa coesa ao jogo, ele pode ficar mecanizado. A minha série de jogos favorita de todos os tempos é The Legend of Zelda e também a minha história favorita. Eu jogo esses jogos repetidamente e amo a história mais do que qualquer coisa.

“Queria que as páginas brilhassem, lembrando um pouco um videogame”

Página de Tetris, HQ de Box Brown publicada no Brasil pela editora Mino

Eu fico muito curioso em relação à administração do conteúdo que você reuniu em Tetris. São muitas datas, muitos personagens. Você criou algum método de trabalho ou algum filtro para selecionar o que entraria e o que ficaria de fora do livro?

Bem, a primeira coisa que eu fiz foi criar uma espécie de árvore genealógica de todos os personagens e como estão conectados uns aos outros, mantive isso em um quadro de cortiça na frente da minha mesa enquanto estava criando o livro. Isso meio que se tornou aqueles retratos no início de cada capítulos. Me ajudou a apresentar os inúmeros personagens que desempenharam algum papel nessa história.

E você se preocupava em tornar a leitura da HQ divertida em meio a tantos dados e informações?
Sim, eu fiquei muito preocupado com isso. A maior parte da história trata de vários homens em roupas de negócios durante reuniões. Eu tive que ficar buscando soluções para tornar o livro visualmente dinâmico. Acho que é por isso que escolhi o amarelo, para manter as páginas visualmente atraentes. Eu também queria que as páginas brilhassem, lembrando um pouco um videogame. 

“Você precisa torcer para que o seu trabalho não esteja sendo influenciado por suas necessidades financeiras, mas é quase impossível que isso aconteça”

Quadros de Tetris, HQ de Box Brown publicada no Brasil pela editora Mino

Tetris me fez pensar bastante sobre controle criativo e direitos de propriedades intelectuais. Videogames são mídias caras e talvez sejam a indústria criativa mais rentável do mundo. Qual você considera o impacto do sistema capitalista em indústrias criativas como a dos games e dos quadrinhos?

Isso é algo que os quadrinhos também precisam lidar, assim como os videogames. Na verdade é algo que toda forma de arte acaba tendo de enfrentar de alguma maneira. Você é constantemente confrontado com a possibilidade de fazer coisas por dinheiro. Estamos todos na mira dessa mesma arma. É quase impossível não ter algum propósito comercial na sua arte. Todos nós temos que viver. Você precisa torcer para que o seu trabalho não esteja sendo influenciado por suas necessidades financeiras, mas é quase impossível que isso aconteça. 

O Brasil passa por uma intensa crise política, econômica e social, sendo governado por um governo de extrema direita. O Bolsonaro é provavelmente um pouco mais estúpido, xenófobo, conservador e pior de todas as formas do que o Trump. Quais as suas expectativas para a sua visita ao Brasil? O que a mídia dos Estados Unidos tem noticiado sobre a realidade brasileira?

Estou um pouco nervoso por ir para tão longe de casa, com certeza. O hype da mídia sobre o Brasil nos EUA definitivamente alimenta os medos das pessoas. Existem alguns documentários da Netflix que eu tenho medo de assistir. Eu moro com um monte de eleitores do Trump no meu bairro, então estou me preparando para conhecer a versão brasileira dessas pessoas… Será que elas estarão interessadas no meu livro?

“Me interesso por luta-livre profissional, porque amo as técnicas utilizadas pelos lutadores para iludir o público”

Quadros de Tetris, HQ de Box Brown publicada no Brasil pela editora Mino

Você está trabalhando atualmente em algum trabalho novo? Você tem previsão de lançamento para uma próxima publicação?

Tenho um livro novo para ser lançado em junho nos Estados Unidos, chamado Child Star. É o meu primeiro trabalho de ficção. Minha primeira graphic novel para valer. É sobre um ator infantil na década de 1980.

A última: Cannabis foi publicado aqui e Tetris está às vésperas de seu lançamento em português. Games e drogas são temas muito populares em todo o mundo, mas wrestling nem tanto, pelo menos não no Brasil. Qual argumento você utilizaria para convencer os brasileiros a dar uma chance ao wrestling e assim dar uma chance a Andre The Giant ser publicado por aqui?

Meu livro sobre André The Giant, é o meu best-seller de todos os tempos e acho que é uma cartilha muito boa de como funciona a luta-livre. Me interesso por luta-livre profissional, porque amo as técnicas utilizadas pelos lutadores para iludir o público. É semelhante à maneira como um mágico trabalha ou um vendedor de óleo de cobra.

A capa de Tetris, álbum do quadrinista Box Brown publicado no Brasil pela editora Mino
HQ / Matérias

Sarjeta #6: Box Brown fala sobre Tetris, games e a relação entre arte e mercado

Está no ar a sexta edição da Sarjeta, minha coluna sobre histórias em quadrinhos no site do Instituto Itaú Cultural. Entrevistei o quadrinista norte-americano Box Brown sobre o lançamento da edição brasileira de Tetris, pela editora Mino, e transformei esse papo numa matéria falando sobre o conteúdo e o desenvolvimento da HQ e algumas reflexões do autor decorrentes da produção desse trabalho.

Também escrevi na coluna sobre o adiamento do FIQ 2020 por conta da pandemia do coronavírus e da decisão dos organizadores da Bienal de Quadrinhos de Curitiba de “acompanhar os desdobramentos” para tomar uma decisão em relação ao evento na capital paranaense. Na entrevista que fecha a coluna, um papo com a quadrinista Grazi Fonseca, autora do álbum Partir.

Você lê a sexta Sarjeta clicando no link a seguir: Sarjeta #6: HQ documental narra a criação do game “Tetris” e os desdobramentos políticos de seu sucesso.

HQ

Coronavírus, por Chris Ware

Viu esse quadrinho aqui em cima que o Chris Ware publicou na New Yorker? O Érico Assis que me mandou o link e chamou atenção: é o autor de Jimmy Corrigan e Building Stories numa vibe vidaloka, sem compasso e sem régua, como raramente se vê por aí.

O quadrinho mostra o Chris Ware vendo um suposto lado bom da pandemia (o fim de atividades esportivas), celebrando seu autoisolamento, lembrando dos desgosto de Charles M. Schulz e Robert Crumb por convívio social e dando algumas dicas para viver em quarentena.

Entrevistas / HQ

Papo com Craig Thompson, autor de Retalhos, Habibi e Space Dumplins: “Faz tanto tempo que os quadrinistas vêm tentando provar que ‘gibis não são mais só pra criança’ que deixamos este mercado de lado”

Entrevistei o quadrinista Craig Thompson, autor de Retalhos e Habibi. O foco da conversa foi o lançamento da edição brasileira de Space Dumplins, obra infantil de 2015 recém-publicada em português pela editora Companhia das Letras.

A HQ é uma é uma ficção científica protagonizada pela jovem Violeta Marlocke, filha de uma estilista e de um coletor de cocô de baleias espaciais, valiosa fonte de energia intergalática. Uma “diarreia baleiesca” causa um desastre ambiental que separa a menina de seus pais e coloca sua vida em risco enquanto ela tenta desvendar o ocorrido.

A minha entrevista com Thompson virou matéria para o jornal Folha de São Paulo e você lê o texto clicando aqui. Por lá eu falo mais sobre a produção e o desenvolvimento da obra, os temas tratados na HQ e apresento algumas opiniões do quadrinista sobre o mercado norte-americano de quadrinhos.

Reproduzo a seguir a íntegra da minha entrevista com o autor, traduzida pelo tradutor/pesquisador/jornalista Érico Assis, também tradutor da edição brasileira de Space Dumplins (valeu, Érico!). Ah! Lá em janeiro de 2013, alguns meses antes da criação do Vitralizado, também entrevistei Thompson e você confere essa conversa por aqui. Ó a entrevista nova:

“Já era hora na minha carreira de retribuir ao meu eu criança, que se apaixonou por essa mídia aos nove anos de idade.”

Uma quadro divulgado por Craig Thompson mostrando os bastidores da produção de Space Dumplins

Você se lembra do instante em que teve a ideia de Space Dumplins? Qual foi o ponto de partida para esse livro?

Foi muito simples. Meus dois maiores amigos tiveram uma filha, chamada Violet, no fim de 2010. Assim que ela nasceu, eu soube que ia fazer um livro pra ela. Acabou que o livro teve ela e os pais.

Neste meio tempo, Habibi saiu em 2011 e a filha de outros amigos, com oito ano, pegou e leu de uma sentada. Fiquei um pouco incomodado com a situação e virou o impulso para fazer uma graphic novel que leitores mais novos pudessem ler.

Faz tanto tempo que os quadrinistas vêm tentando provar que “gibis não são mais só pra criança” que deixamos este mercado de lado. Já era hora na minha carreira de retribuir ao meu eu criança, que se apaixonou por essa mídia aos nove anos de idade.

Você pode me falar sobre a sua dinâmica de trabalho durante a produção de Space Dumplins? Você desenvolveu alguma rotina diária durante a produção desse livro? Quais materiais você utilizou durante a produção dessa HQ? O quanto esse processo se distinguiu de seus trabalhos prévios?

Diferente dos meus outros álbuns, escrevi Space Dumplins muito rápido. Passei um ano escrevendo Retalhos antes de começar o desenho final. E dois anos de cabo a rabo escrevendo Habibi. Mas Space Dumplis eu escrevi, com muita alegria, em três meses. Ajudou a história ser fantasiosa e cômica, e não exigiu pesquisa nem introspecção sofrida.

O desenho, por outro lado, foi tão meticuloso quanto em Habibi. Geralmente eu desenho e arte-finalizo uma página por dia. Em Space Dumplins tentei trabalhar pela primeira vez no digital, numa tablet Cintiq. Mas descobri que não me sentia à vontade com o traço digital, então decidi fazer só o “lápis” na tablet, imprimir em azul e passar o nanquim direto no papel com pincel de aquarela. Assim fiquei com um pé em cada barco, no digital e no analógico.

A cor, evidentemente, foi a grande diferença em relação a outros trabalhos. Da minha parte, prefiro o preto e branco. Mas os leitores contemporâneos, principalmente os mais novos, preferem o colorido, então decidi ir por aí. Sou muito lento para colorir sozinho. O álbum ia me tomar mais um ano ou dois. Então contratei Dave Stewart para esse serviço. Essa foi outra novidade: colaborar e me acertar com outro autor, em vez de ficar com toda a produção nas minhas mãos.

Space Dumplins é um livro para todas as idades, mas acho que tem um alcance para o público infanto-juvenil que Habibi e Retalhos não têm. Foi muito diferente para você criar uma obra pensada em um público mais amplo? Você encontrou algum desafio particular em pensar uma história em quadrinhos que poderia ser lida por um público infantil?

Em termos gerais foi fácil, pois eu não tentei ser “literário”. Foi questão de elaborar uma aventura simples, em três atos, e dar um jeito de encaixar uma gargalhada por página. Apesar disso, muitos temas de meus outros trabalhos, como conflito de classes, crise ambiental etc., acabaram entrando. Mas foi uma coisa natural, sem esforço.

Eu foquei no modelo Pixar, que é o de não escrever exclusivamente de olho nas crianças, mas, com sorte, dando atenção também aos pais e aos leitores que eu já tinha.

Foi a primeira vez na carreira que tive um retorno do editorial sobre o que eu escrevi e houve alguns elementos que meu editor segurou para que ficasse uma leitura apropriada aos pequenos. Mas, no geral, não senti que tive que abrir mão de nada… Fora o design da capa, que teve que se encaixar em orientações bem restritas do que é “vendável” quando se lida com este público.

“Quando eu era criança, eu não era tão focado nas batalhas épicas de Star Wars, e sim nos momentos mundanos, domésticos, tipo o Chewbacca jogando xadrez naquele cantinho da Millennium Falcon”

Uma arte promocional produzida por Craig Thompson para a divulgação de Space Dumplins

Space Dumplins também foi seu primeiro trabalho do gênero de ficção científica. O que mais te interessa nesse gênero? O que mais te surpreendeu trabalhando dentro desse universo? Quais são as suas principais referências em termos de ficção científica?

Fora que a filha dos meus amigos, Violet, foi meu primeiro “público”, escrevi Space Dumplins para meu eu de nove anos. Por isso que o livro regurgita uma cacetada de cultura pop dos anos 1980, cosias que eu amei na época: Star Wars, E.T., Goonies, Tubarão, Caça-Fantasmas, o Atari 2600 e esquisitices tipo S.O.S. Tem Um Louco Solto no Espaço e Cerveja Maluca. O interessante é que depois isso tudo virou influência de Stranger Things, a série famosa na Netflix. Como adulto, acho que eu sou mais vidrado no Alien original, o de Ridley Scott.

Quando eu era criança, eu não era tão focado nas batalhas épicas de Star Wars, e sim nos momentos mundanos, domésticos, tipo o Chewbacca jogando xadrez naquele cantinho da Millennium Falcon. Além disso, eu nunca gostei do idealismo de Jornada nas Estrelas, e preferia coisas tipo a classe operária suja e desajeitada no cargueiro de Alien.

Falando em gêneros, tem algum gênero em particular que você tem interesse de trabalhar, mas ainda não teve a oportunidade?

Meu projeto mais recente, Ginseng Roots, é um documentário não-ficcional, que é o que eu mais gosto de ler em prosa e que eu venho querendo explorar nos quadrinhos. Em algum momento também vou desenhar alguma coisa aquática ou submarina.

“O que mais gosto nos Spielbergs das antigas é que eles tratam menos das espaçonaves ou do tubarão, e mais dos humanos, do elemento emotivo”

Páginas de Space Dumplins, HQ de Craig Thompson publicada no Brasil pela editora Companhia das Letras

Aliás, Space Dumplins pode ser interpretado como uma obra de ficção científica, mas também como uma história de formação. Você concorda? O quanto você tinha determinado em relação à jornada da Violet entre o início do desenvolvimento da HQ e o lançamento do livro?

Já falei de E.T. e Tubarão. O que eu mais gosto nestes Spielbergs das antigas é que eles tratam menos das espaçonaves ou do tubarão, e mais dos humanos, do elemento emotivo. São histórias de família, histórias pequenas; E.T. trata de um garoto que lida com o divórcio dos pais e Tubarão trata de três homens de pontos diferentes do espectro social – do privilégio, da classe média e da classe operária – aprendendo a se unir e trabalhar juntos.

Era nisso que eu queria chegar em Space Dumplins. Violet está tentando lidar com a relação problemática dos pais, que se resume praticamente a conflito de classes. Está nos nomes. O nome da mãe dela quer dizer “azul”, como o azul progressista e democrata na política dos EUA, e o nome do pai dela quer dizer “vermelho”, como os republicanos conservadores da classe operária. Qual é a ponte entre esses mundos? A Violet! Com os amigos dela é a mesma coisa. Elliot é da elite rica e instruída e Zaqueu é o órfão que não terminou o colégio. Violet é a ponte que gera a amizade entre os dois.

A maioria dos personagens do livro tem sua falha, mas foi difícil achar as falhas na nossa heroína, Violet, e o que ela precisava mudar. Não é spoiler eu dizer que ela teve que pensar na família como algo global, que inclui todas as espécies, ao invés do nuclear, da família mais imediata.

“Seria incrível se um dia eu pudesse lançar uma versão especial sem cores de Space Dumplins”

Um estudo do quadrinista Craig Thompson para uma das naves de Space Dumplins

Eu estava pensando sobre o visual do Zaqueu e como ele dialoga um pouco desses personagens cartunescos nonsense que estão se tornando cada vez mais comuns em animações. Penso em Hora de Aventura, Rick & Morty e outros representantes de uma escola que acredito que venha muito das produções originais do Cartoon Network. O quanto produções do tipo influenciaram o desenvolvimento de Space Dumplins? Você tem interesse por esse tipo de animação?

Zaqueu surgiu no meu livro de 2004, Carnet de Voyage [inédito no Brasil]. Mas durante toda minha infância, no ensino médio, e com certeza durante minha carreira de ilustrador de revistas infantis em fins dos anos 1990, sempre usei essa criaturinha “borrachuda”. Acho que vem de Ren & Stimpy e do Gumby, depois de Pip & Norton, os personagens bizarros do Dave Cooper, cartunista underground.

Hora de Aventura só estreou em 2010, então Pen Ward provavelmente bebeu das mesmas influências que eu, principalmente Dave Cooper. Além disso, não tenho dado tanta atenção a animação de TV.

Ainda sobre o visual dos personagens. Enquanto seus trabalhos prévios são mais realistas, protagonizados principalmente por seres humanos ou criaturas terrestres, Space Dumplins tem ares muito mais fantásticos. Como foi o trabalho de conceber e pensar na estética das criaturas que habitariam esse universo?

Mais uma vez, minha infância inteira se definiu desenhando esse tipo de criatura. Bloom County me influenciou muito. Eu criei o Galinho Elliott ainda em 1994. Foi só quando eu desenhei Retalhos que tive que aprender a fazer desenho de observação e da figura humana. Universos bobos e cartunescos como o de Space Dumplins me vêm com mais naturalidade.

Além disso, a construção do mundo de Space Dumplins foi o que eu mais gostei no processo. Adorei projetar as espaçonaves e os “cenários”, e imagino que seria divertidíssimo trabalhar como designer de produção no cinema ou na animação.

O que você pode contar sobre a dinâmica do seu trabalho com o Dave Stewart? Que tipo de diálogo vocês tiveram antes e durante a produção do livro? Como foi você pensar um livro em cores, sendo ele colorido por outra pessoa?

Foi difícil abrir mão de parte do controle criativo. No fim das contas, eu acho que meu trabalho, por conta da linha grossa no lápis, fica melhor em preto & branco. Seria incrível se um dia eu pudesse lançar uma versão especial sem cores. Por outro lado, as cores do Dave renderam muita atmosfera e profundidade nas páginas. E ele é um dos melhores no ramo.

“Notei que outros cartunistas se empolgam com a possibilidade de reviver gibis ‘indie’, em série, que tiveram sucesso nos anos 1980”

A primeira imagem de Space Dumplins divulgada pelo quadrinista Craig Thompson

Eu li uma entrevista que você deu para o Comics Journal na qual você fala sobre seu cansaço em relação ao formato de graphic novels. O que te levou a esse esgotamento?

Duas coisas, eu diria. Uma, como criador, que é o isolamento de se entocar no estúdio durante quatro anos ou mais, desbastando esse projeto. Eu trabalhei em jornal nos anos 1990, depois de designer gráfico e ilustrador, e sinto falta do prazo apertado, fosse diário ou semanal, assim como da sensação mais imediata de realização que vem da produção acelerada.

A segunda, como consumidor, é que é esmagador ver quantas graphic novels chegam nas livrarias e nas lojas de gibis todo mês. Bem mais do que eu teria como comprar ou teria espaço para por em casa. Sinto falta da simplicidade e da humildade da revistinha. É um formato maravilhoso para conhecer novos autores, novos personagens. Não exige tanto da sua atenção nem do seu bolso.

Além disso, pode-se argumentar que o entretenimento em série ressurgiu. Há quem faça maratonas de seriados e na Netflix. Mas você também pode prolongar o prazer de consumir uma história quando ela é parcelada em bocadinhos.

Eu imagino que uma das consequências do seu cansaço em relação ao formato de graphic novels seja a sua investida em Ginseng Roots. Como tem sido até agora essa sua experiência com o formato serializado?

Tem sido difícil! É um desafio encaixar um capítulo em 32 páginas. E depois, a cada mês se interromper para fazer design, produção e promoção. Neste sentido, passar uns anos escondido para elaborar uma graphic novel resulta em um fluxo de trabalho mais constante, sem interrupções.

E gibi “indie” é uma coisa que não existe mais no mercado norte-americano, fora a Love & Rockets dos irmãos Hernandez. Aí é difícil convencer lojistas e leitores a darem atenção a um formato fora da moda. Por outro lado, eu notei que outros cartunistas se empolgam com a possibilidade de reviver gibis “indie”, em série, que tiveram sucesso nos anos 1980.

A parte que eu amo nesse processo é que meu irmão menor, o Phil de Retalhos, colabora com duas páginas que ele mesmo escreve e desenha a cada edição de Ginseng. Ver essas páginas me dá uma alegria tremenda e é uma cópia exata da sensação que eu tinha de nós desenhando juntos, às vezes até na mesma folha, quando éramos crianças.

“A página física, impressa em papel de verdade, é a estrutura que uso para compor. Espero que dure!”

O quadrinista Craig Thompson (Crédito: Alicia J. Rose)

Nessa mesma entrevista com o Comics Journal você fala sobre o seu interesse em pensar uma história a partir das restrições impostas pela mídia física. O quanto é importante para você trabalhar tendo consciência das restrições físicas dos meios que está utilizando, mas também se impor desafios estéticos ou técnicos para a construção de uma obra?

Sim, considero as “restrições” necessárias no processo criativo. Em Habibi, eu fiquei travado com o tanto de liberdade criativa que eu tinha, até que me impus a estrutura dos “quadrados mágicos” na narrativa.

Também quero que cada trabalho seja totalmente singular em relação ao precedente. Isso que foi tão animador em Space Dumplins. Depois do peso e seriedade de Habibi, eu precisava fazer uma coisa mais brincalhona, colorida, engraçada.

Muitos quadrinistas dão prioridade ao seu trabalho em plataformas digitais, tipo passar de quadro em quadro no Instagram ou rolar a barra no Webtoons. Mas eu ainda batalho pelo impresso. A página física, impressa em papel de verdade, é a estrutura que uso para compor. Espero que dure!

Quais você considera as principais transformações pelas quais o mercado de quadrinhos dos Estados Unidos passou desde o início de sua carreira?

As graphic novels no mercado livreiro mudaram tudo. Tive sorte de Retalhos ter surgido no meio dessa grande mudança, assim como Jimmy Corrigan de Chris Ware e Fun Home de Alison Bechdel. Hoje, graphic novels para crianças como Sorria de Raina Telgemeier e as do Homem-Cão de Dav Pilkey vendem mais que qualquer gibi de super-herói.

Falando de super-heróis, eles viraram o novo mainstream junto com tudo mais da cultura nerd, o que obviamente não era a situação dos anos 1990.

Hoje os gibis fazem muito mais sucesso do que quando eu me formei no ensino médio. Tem cursos focados em quadrinhos, inclusive nas faculdades de arte. E se ensina quadrinhos em cursos de literatura. Há mais interesse e mais concorrência do que nunca nos quadrinhos. Em termos gerais eu ficou grato, pois significa um “cânone” mais forte de grandes obras que se produzem ao longo do tempo.

Mas eu ainda tenho saudade da vibração, quando eu era mais novo, com aquele ralé forasteira que trabalhava às escuras e formava a comunidade que me acolheu e me defendeu!

A capa da 1ª edição de Ginseng Roots, trabalho mais recente do quadrinista Craig Thompson

Tenho curiosidade em relação à sua visão do mundo no momento. Vivemos numa realidade na qual Donald Trump é o presidente dos EUA e Jair Bolsonaro é o presidente do Brasil. O que você acha que está acontecendo com o mundo? Você é otimista em relação ao nosso futuro?

Quem sabe dizer? Deve ter a ver com a internet com os algoritmos das redes sociais que gratificam conflito, discórdia e bullying. Fora a globalização e a automação, que acaba com os empregos e faz as pessoas se voltarem para drogas e retórica xenófoba. E se você ainda botar na conta a crise climática…

Acho que eu coloquei meu otimismo em Space Dumplins torcendo que as pessoas aprendam, como a Violet, que nações são invenções artificiais e que todos fazemos parte da mesma família, e que isso não é exclusivo à raça humana. Temos que encontrar os vínculos com todas as espécies!

O que você pensa quando um trabalho seu é publicado em um país como o Brasil? Somos todos americanos, mas são culturas muito diferentes. Você tem alguma curiosidade em relação à forma como um trabalho seu será lido e interpretado por pessoas de um ambiente tão diferente dos seu?

Eu fico abismado. Quando estava trabalhando em Retalhos, eu ficava aflito, achando que nenhum leitor ia se interessar. Aflito porque era uma história muito restrita a um tipo de infância numa comunidade minúscula do meio oeste agrícola, com a qual os leitores urbanos ou de famílias seculares não iam encontrar nenhuma identificação. Descobri o inverso. Há temas universais em Retalhos, em torno de família, fé e primeiro amor, que aparentemente se correlacionam com leitores de qualquer canto do mundo.

Isso é o que mais me interessa. Histórias que fazem ponte entre fronteiras nacionais e diferenças culturais. Essa que é a importância da narrativa, que me parece que tem o impacto oposto da política e da economia que mencionei acima, que separam as pessoas.

“Eu só falo de Ginseng Roots, meu projeto atual, que trata dos dez anos de infância que trabalhei em lavouras de ginseng, um raiz medicinal muito valorizada na medicina chinesa e que é plantada em Wisconsin”

Rascunhos do quadrinista Craig Thompson para a capa de Space Dumplins

Você pode recomendar algo que esteja lendo/assistindo/ouvindo no momento?

Fiquei contente com as opções do Oscar este, pois Parasita, de Bong Joon Ho, e o documentário Indústria Americana foram meus filmes preferidos de 2019. E os dois tratam de classes socais, da crise de imigração e da economia global.

Em relação ao clima política mencionado acima, encontrei algum alívio no livro O Enraizamento, de Simone Weil.

Meu novo projeto, Ginseng Roots, também se inspira nos livros de Michael Pollan sobre comida e plantas, como Em Defesa da Comida. 

Você está trabalhando em algum projeto novo atualmente?

Ah, sim, desculpe. Eu só falo de Ginseng Roots, meu projeto atual, que trata dos dez anos de infância que trabalhei em lavouras de ginseng, um raiz medicinal muito valorizada na medicina chinesa e que é plantada em Wisconsin. É um trabalho que recupera muitos dos meus temas prediletos, como os países em lados opostos do mundo que se conectam, classes sociais, cura holística…

“Enquanto eu trabalhava no campo, eu sonhava com os gibis que ia comprar e sonhava com a carreira futura de quadrinista que ia me salvar do trabalho duro”

Um rascunho de Craig Thompson para a capa de Space Dumplins e a versão final da capa

Você pode me falar como é seu ambiente de trabalho?

Atualmente eu não tenho. Tive uma vida em trânsito nos últimos anos e estou começando a mudança para Minneapolis, no meio oeste, para morar com meu irmão. É uma chance de ficar mais perto dele e do resto da família de quem me afastei há 24 anos. Sem falar que vou voltar à cidade da minha editora atual e da gráfica do meu projeto atual, Ginseng Roots, além de ficar a três horas de viagem das lavouras sobre as quais estou escrevendo.

A última! Qual a memória mais antiga que você tem da presença de quadrinhos na sua vida?

Verão de 1986. Meus pais deram um dólar pra minha irmã, um pro meu irmão e um pra mim, para gastar na lojinha de presentes do acampamento. Minha irmã comprou balas. Meu irmão e eu compramos nossos primeiros gibis. No mesmo verão, aos 10 anos, eu comecei a trabalhar na lavoura, como lavrador, para poder comprar gibis com meu dinheiro. Enquanto eu trabalhava no campo, eu sonhava com os gibis que ia comprar e sonhava com a carreira futura de quadrinista que ia me salvar do trabalho duro.

A capa da edição brasileira de Space Dumplins, do quadrinista Craig Thompson