Adrian Tomine e a produção de Missed Connection, a primeira capa do artista para a New Yorker

Se você conhece o trabalho do Adrian Tomine, provavelmente já viu essa imagem aqui em cima. Ela é um recorte de uma das ilustrações mais conhecidas do quadrinista norte-americano e capa do livro New York Drawings. Batizada de Missed Conection, a arte foi a primeira capa do Tomine para a New Yorker, em novembro de 2004. Outro dia esbarrei com um post de 2013 do Tomine no blog da Faber & Faber, editora britânica que publica os trabalhos do artista no Reino Unido. Lá ele conta como foi a produção dessa imagem. Na época, apesar de já ter feito algumas ilustrações para as páginas internas da revista, a capa ainda estava fora dos seus planos. O convite veio da lendária Françoise Mouly, editora da arte da publicação. Traduzi o texto do Tomine, um relato bem legal sobre um de seus trabalhos mais bonitos e revelador sobre a dinâmica da produção da capa da New Yorker. Ó:

A Minha primeira capa da New Yorker

Em 2003, após alguns anos produzindo artes internas para a New Yorker, recebi uma ligação da Françoise Mouly. Junto com o editor David Remnick, a Françoise é basicamente a responsável pela capa da revista toda semana, e ela me disse estar aberta a receber algumas propostas minhas. Acho que em um momento como esse um ilustrador profissional mais ambicioso teria parado tudo e começado a inundar a Françoise com rascunhos. Mas eu fiquei bastante intimidado com a possibilidade de fazer a capa e, por razões provavelmente melhor explicadas por um psicólogo, deixei passar quase um ano sem responder o convite.

Felizmente para mim, a Françoise é uma pessoa bastante persistente e determinada, e também muito familiarizada com as neuroses e temperamentos de cartunistas. Então eventualmente ela me ligou e disse: “Tem uma determinada edição pra sair que acho que seria ideal pra você. O tema é sobre livros. Esse aqui é o seu deadline”. Então ela tornou aquilo uma tarefa de verdade e isso acabou sendo um tremendo incentivo para mim.

Com a maioria das ilustrações você não precisa se preocupar muito com o que vai desenhar. Você é basicamente informado de qual é o assunto e precisa fazer algumas escolhas sobre composição, cores e outras coisas do tipo. Mas na capa da New Yorker, mesmo que você tenha um ponto de partida como ‘livros’, você ainda precisa de simplesmente inventar uma imagem do nada. Descobri que se eu estivesse trabalhando em outra coisa e tentasse simultaneamente pensar ideias para a capa ‘perfeita’ da New Yorker, nada aconteceria. Então foi bastante útil para mim pegar um caderno de rascunhos em branco e me obrigar e encher aquelas páginas de ideias, não importando o quão ruim elas fossem. E na verdade eu só inclui aqui uma página dessa etapa do processo porque a maioria delas era realmente muito ruim. Mas acredito que jogar aquelas ideias ruins no papel, de alguma forma, clareou meus pensamentos para as melhores.

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O passo seguinte foi pegar qualquer ideia que eu acreditasse ter algum potencial e ver se conseguiria desenvolver em algo aproveitável. Então comecei a fazer rascunhos maiores, com mais detalhes, só pra ver se eu conseguia fazer com que as imagens funcionassem.

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Esse foi o primeiro rascunho que produzi nessa etapa do processo, e na verdade ela não é lá muita coisa. Eu estava me adaptando a viver em um apartamento menor no Brooklyn depois de me mudar da Califórnia, então acho que a ideia era relacionada a não ter espaço suficiente para todos os livros. Como já expliquei, o processo envolve o casamento de várias ideias ruins.

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Pensei que talvez acrescentando alguns detalhes e um pouco de bangunça (e mudando o gênero da pessoa) tonaria melhor, mas ainda não desenvolveu muito coisa.

Nesse ponto a Françoise interviu e me deu uma estimulada, basicamente me falando pra pensar nessa abordagem mais como um cartunista do que como um ilustrador. Ela me disse que não precisava que toda capa tivesse uma piada, um comentário político ou qualquer coisa, mas que ela queria que fosse “uma imagem que pudesse ser lida”. Mesmo que muito sutil, era preciso que houvesse alguma narrativa…algo que pudesse levar um segundo a mais para ser compreendido do que apenas uma olhada. Isso acabou virando algo que sempre tento ter em mente quando envio ideias para ela. Então segui adiante para algumas opções diferentes, aquelas que eu acreditava que fossem contar um pouco mais de história.

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A ideia básica aqui: um autor carente se esforçando bastante para ser reconhecido em público. O que definitivamente não é autobiográfico, de qualquer forma. A Françoise disse que era um pouco…acho que “patética” foi a palavra que ela usou, e que talvez houvesse uma certa preocupação em relação a como se sentiriam os autores publicados naquela edição da revista. Então voltei tudo e comecei a trabalhar em uma ideia inicial.

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Acho que essa é uma daquelas ideias ruins que provavelmente ocorrem com pessoas que acabaram de se mudar para Nova York. Se você viveu por aqui toda a sua vida, você provavelmente vê o metrô como um mecanismo que te leva do ponto A para o ponto B. Mas para mim era fascinante a forma como os carros do metrô costumam correr lado a lado, separados apenas por alguns centímentros e, às vezes, ficam alinhados na mesma velocidade. Você acaba fazendo contato com alguém no outro trem, o que acaba sendo mais constrangedor do que qualquer coisa, mas transformei isso em algo ligeiramente romântico.

A Françoise viu potencial nessa ideia, e preciso dar crédito a ela para um conceito crucial. Você vai notar no rascunho original que os livros estão em branco, como se fossem apenas elementos genéricos desse quadro. Ela me deu a sugestão de incluir alguns detalhes nos livros para que ficasse claro que as duas pessoas estão lendo a mesma obra, e que isso fosse a parte mais memorável da imagem final. Seria muito melhor para a minha carreira se eu dissesse que essa ideia foi minha, mas agora é tarde demais.

Depois disso a Françoise me deixou terminar a imagem por conta própria, sem qualquer outra imposição editorial. Isso é muito raro, pelo menos na minha experiência, no que diz respeito a ilustrações desse tipo, e na verdade costuma ser onde começa a bateção de cabeça. Imagino que a Françoise queria ter certeza que tínhamos o conceito certo, mas depois me deixo executar isso por conta própria, o que considero bastante lisonjeiro e generoso.

Então esse foi o desenho final. As pessoas me perguntam muito isso, então vale mencionar que a arte até esse ponto foi feita toda a mão, com ferramentas básicas: alguns lápis, um pincel, tinta e papel.

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Finalmente, scaneei o trabalho e inclui as cores no computador. Essa é a capa finalizada, que foi publicada dia 8 de novembro de 2004. Fiz mais algumas desde então e o processo se manteve praticamente idêntico.”

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Ramon Vitral

Meu nome é Ramon Vitral, sou jornalista e nasci em Juiz de Fora (MG). Edito o Vitralizado desde 2012 e sou autor do livro Vitralizado - HQs e o Mundo, publicado pela editora MMarte.

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