Escrevi pro Estadão de hoje sobre o lançamento de Antes de Watchmen no Brasil. Lembrei de algumas polêmicas do Alan Moore e conversei com o Len Wein, editor original de Watchmen e responsável pela série do Ozymandias nesse prólogo da hq. Olha aí:
Prévia do fim do mundo em português
Prólogo de Watchmen chega ao País após polêmicas com Alan Moore
Imagine que no fim dos anos 60 os detentores dos direitos de Cidadão Kane resolvessem lançar uma produção expandindo o universo criado por Orson Welles no filme de 1941. Nessa realidade fictícia, a nova obra seria realizada por alguns dos colaboradores do diretor do longa original e Welles iniciaria uma campanha pública pedindo que os admiradores de seu trabalho passassem longe dos cinemas que exibissem o filme.
Segundo parâmetros de muitos fãs de histórias em quadrinhos de super-heróis, o equivalente de Cidadão Kane para o gênero é Watchmen. Lançado em 1986 pela DC Comics, o gibi ganhou uma continuação no ano passado, com texto de pessoas ligadas à HQ original e oposição enfática e pública do inglês Alan Moore – autor da série lançada há 27 anos e figura tão emblemática para a narrativa sequencial quanto Welles para o cinema.
Com previsão de lançamento nas bancas brasileiras para o início de junho, Antes de Watchmen terá uma versão nacional dividida em oito encadernados mensais, cada um focado no passado de um dos personagens concebidos por Moore. O primeiro volume reúne a série protagonizada pelo Coruja e custará R$ 12,90. Em seguida, virá a coletânea com as quatro edições americanas dedicadas à heroína Espectral.
“Discordo da opinião de Alan sobre o projeto, mas ele está no direito dele”, disse o editor de Watchmen, o norte-americano Len Wein, em entrevista por e-mail ao Estado. Na nova encarnação da série, ambientada anos antes dos eventos da obra de 1986, Wein ficou encarregado do roteiro das histórias protagonizadas pelo mais controverso personagem criado por Moore em sua HQ, Ozymandias.
Ambientada em 1986, mesmo ano de seu lançamento, Watchmen mostrou um grupo de super-heróis aposentados, no aguardo de uma possível catástrofe nuclear e sendo vitimados por um misterioso assassino dos ex-vigilantes. Com algumas alterações, principalmente em seu final, a história foi adaptada com fidelidade para o cinema em 2009, pelo cineasta Zack Snyder.
Crítico ferrenho da indústria de quadrinhos, Moore deu vários depoimentos às vésperas do lançamento de Antes de Watchmen nos Estados Unidos. “O que sinto vai além da raiva. É quase tragicômico. É comércio feito em cima de arte. Tenho orgulho de Watchmen, mas a série está cercada por tantas memórias tóxicas, prefiro não lembrar disso. Não tenho nenhuma cópia do álbum em casa.”
Ao contrário de Moore, o desenhista de Watchmen, Dave Gibbons, aprovou o novo projeto da DC, apesar de ter evitado comentar a obra e as polêmicas relacionadas a ela. “Eu poderia procurar advogados e entrar em um processo que duraria décadas, mas não estou atrás de dinheiro. Trata-se da dignidade e da integridade do meu trabalho”, ressaltou Moore em entrevista ao blog Co. Create (www.fastcocreate.com).
Apesar do posicionamento de Alan Moore e de algumas lojas especializadas em histórias em quadrinhos dos Estados Unidos e da Inglaterra terem se recusado a vender Antes de Watchmen, os editores nacionais têm altas expectativas em relação à série no Brasil.
“Quando anunciaram a publicação lá fora, já fomos cobrados por fãs daqui”, conta o editor sênior da DC Comics no Brasil, Bernardo Santana. De acordo com ele, responsável pela versão brasileira do prólogo de Watchmen, a cobrança do público só aumenta a responsabilidade ao adaptar a HQ: “São muitos detalhes e referências à série original”.
Para quem não leu o trabalho de Moore, ele está disponível em livrarias brasileiras em um modelo encadernado por R$ 110. Questionado sobre as causas da longevidade do trabalho de Moore e Gibbons e as repercussões que ele ainda provoca quase 30 anos após seu lançamento, Len Wein é sucinto: “Está em sua tremenda qualidade, naturalmente”.
Autor em oposição ao sistema e colegas de profissão
A polêmica envolvendo Alan Moore e Antes de Watchmen não é a primeira entre o autor e a DC Comics. Nem mesmo a primeira relacionada à sua série sobre os heróis do mundo real.
Na adaptação para o cinema dirigida por Zack Snyder e lançada em 2009, Moore proibiu que seu nome fosse creditado na produção. Em V de Vingança, o mesmo ocorrido: a versão dirigida por James McTeigue em 2005, também publicada pela DC, saiu sem o nome de Moore por exigência do escritor.
Nos quadrinhos, ele abandonou a DC Comics após desentendimentos sobre os direitos de várias de suas criações. Após encerrar o selo próprio que teve na Image em 2008, prometeu nunca mais voltar a escrever para uma grande editora.
O escritor também já fez duras críticas a vários de seus colegas. Autor de obras como O Cavaleiro das Trevas (1986), A Queda de Murdock (1986) e a série Sin City, o quadrinista Frank Miller definiu como palhaços, ladrões e estupradores os manifestantes que ocuparam Wall Street no segundo semestre de 2011.
Em solidariedade aos manifestantes, Moore deu entrevistas definindo o trabalho de Miller como “misógino, homofóbico e fora de propósito”.
Do Monstro do Pântano a Ozymandias
Apesar da presença de grandes nomes dos quadrinhos em Antes de Watchmen – como Brian Azzarello (100 Balas), Darwyn Cooke (DC: A Nova Fronteira) e J. Michael Straczynski (Homem-Aranha) – nenhum chama mais atenção do que Len Wein.
Editor de Watchmen em 1986, Wein tem seu passado ligado ao início da carreira de Moore nos Estados Unidos graças ao Monstro do Pântano. Criado em julho de 1971 por Wein e Berni Wrightson, o personagem estava em baixa quando Moore assumiu a série em 1983.
Já nas bancas, também pela Panini Comics, o primeiro arco de histórias do Monstro do Pântano foi republicado em um encadernado nacional. Clássicos DC: Monstro do Pântano: Raízes – Volume 1 custa R$ 19,90. As histórias, assinadas por Wein e de teor adulto, foram precursoras do selo Vertigo, linha adulta da DC inaugurada em 1993. Para outubro está previsto o segundo volume da coleção.
Quase quatro décadas após entregar sua cria mais popular a Alan Moore, os papéis inverteram-se e ele assina o roteiro de uma personalidade concebida por Alan Moore.
Tido como vilão por alguns dos personagens e leitores de Watchmen e salvador da humanidade por outros tantos, Ozymandias talvez seja a criação mais rica de Moore em Watchmen. Sua revelações e ações nos capítulos finais da série estão muito relacionadas ao culto gerado em torno da história em quadrinhos.
“Foi um desafio, como andar na corda bamba”, diz Wein sobre escrever o roteiro protagonizada por Adrian Veidt, o Ozymandias (ainda sem mês definido para publicação no Brasil). “Há a história ditada por Veidt e, obviamente, outra muito diferente de acordo com sua ações reais”, explica sobre o polêmico personagem concebido por Moore.
A arte de Antes de Watchmen: Ozymandias ficou por conta de Jae Lee, artista lembrado pelo traço sombrio e pouco semelhante ao estilo padrão de super-heróis. “Cada edição era uma revelação: eu enviava um texto detalhado explicando e era sempre surpreendido com seu retorno”, acrescenta Wein.