Fui convidado pelo Douglas Utescher, sócio e editor da Ugra Press, para escrever o prefácio de Super-Homem e o Romantismo de Aço, livro do editor e jornalista Rogério de Campos que será lançado no dia 5 de maio na loja da Ugra, aqui em São Paulo. Como consta na quarta-capa da obra, o livro aproveita os recém-completados 80 anos do Homem de Aço para refletir sobre mercado de quadrinhos, cultura pop, censura, justiceiros uniformizados e autoritarismo. Acho incríveis as ideias apresentadas pelo Rogério de Campos nas 60 páginas do livro, assim como as excelentes provocações feitas por ele. Enfim, honra imensa assinar esse texto de apresentação, que reproduzo na íntegra por aqui. Ó:
Revolução interrompida
Eu roubo o título aqui em cima do capítulo final de ‘Imageria – O Nascimento das Histórias em Quadrinhos’, obra-prima de Rogério de Campos publicada em 2015 pela editora Veneta. No livro, Rogério apresenta os primeiros 500 anos das histórias em quadrinhos, listando os precursores da linguagem e reproduzindo trabalhos canônicos até então inéditos no Brasil. O autor foca as últimas duas páginas de ‘Imageria’ no fim de um período de liberdade ilimitada para os quadrinhos norte-americanos como linguagem artística. As agências de quadrinhos conhecidas como syndicates não tinham mais interesse em ousadias e queriam o que fosse previsível, não apresentasse nenhum risco financeiro e fosse garantia de fortunas em licenciamentos.
Super-Homem e o Romantismo de Aço é centrado exatamente na influência da criação mais icônica desse período de pasmaceira criativa das histórias em quadrinhos publicadas nos Estados Unidos, quando estas já haviam perdido “a vitalidade anárquica” (aspas tiradas de ‘Imageria’) que as caracterizavam nas primeiras décadas do século 20. Os alvos mais explícitos do livro que você tem em mãos são o alter-ego de Clark Kent e os comics industrializados das editoras DC e Marvel Comics, mas seus questionamentos são muito mais amplos e miram em uma indústria cultural que prima, também segundo Rogério, “pela manutenção do estado das coisas em um mundo cada vez mais autoritário e obscurantista”.
Grande parte das investidas de Rogério no mundo dos quadrinhos, como editor ou jornalista, se propôs antagônica ao Super-Homem como ícone anacrônico da cultura pop, como um dos principais responsáveis pela percepção popular dos quadrinhos como uma linguagem infantilóide e como apropriação pela indústria do entretenimento de uma ideia concebida para simbolizar esperança e inspiração para crianças em tempos sombrios.
Rogério idealizou a revista subversiva ‘Animal’ e apresentou aos leitores brasileiros nomes como Tamburini, Liberatore, Hernandez e Pazienza; publicou trabalhos que apontavam o início do afastamento de Alan Moore da indústria norte-americana de quadrinhos, como ‘A Voz do Fogo’ e ‘Do Inferno’; apostou em HQs autorais brasileiras de vozes e traços singulares assinadas por artistas como Marcello Quintanilha e Marcelo D’Salete; desbravou o vasto universo dos mangás – lançando Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco e Pokémon em português. O antagonismo ideológico do autor a tudo aquilo que o Super-Homem representa sempre esteve no ar (e em alguns posts no Facebook), mas agora está materializado nas páginas a seguir.