PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #5: Proporções extremas e a insignificância humana no Universo]

E aí, já apoiou a campanha de financiamento coletivo de PARAFUSO ZERO – Expansão? Trata-se do próximo álbum do quadrinista Jão, no qual estou trabalhando como editor. A obra é ambientada em uma cidade na qual grande parte da população tem superpoderes e, por isso, brigas, mortes e confrontos épicos se fazem presentes rotineiramente em cada esquina. Recomendo uma olhada com calma nas opções de apoio e nas recompensas do projeto. Prometo uma das obras mais singulares que você já leu.

Enquanto isso, dou continuidade por aqui à série PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores, com depoimentos do Jão sobre o desenvolvimento do álbum e reflexões do autor em relação às técnicas, estilos e temas abordados por ele na HQ. No post de hoje, ele fala sobre as proporções mínimas de seus personagens em meio aos cenários colossais de seus quadrinhos. Saca só:

PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #5: Proporções extremas e a insignificância humana no Universo]

O rolê de cidades

“O desenho de cidades está sempre presente no meu trabalho e nos últimos dois anos eu me questionei bastante sobre isso. Eu achava que estava me repetindo muito, que havia uma presença excessiva de cidades nos meus quadrinhos. Desenhar muito essa ambientação urbana estava me incomodando, como se eu estivesse fazendo sempre a mesma coisa, mas hoje eu consigo ter uma visão diferente sobre essa questão.

Eu comecei a estudar outros artistas, artistas de fora da área de quadrinhos, e muita gente tem essa piração de séries temáticas de tempos e tempos, abordagens mais ou menos parecidas durante períodos específicos. Eu não entendia isso muito bem, eu queria fazer coisas novas e não conseguia sair desse rolê de cidade. Aí comecei a me questionar cheguei a conclusões que culminariam na PARAFUSO. Eu entendi o que esse rolê de cidades significava para mim, como ele deveria estar presente no meu trabalho e o que eu gostaria de fazer de diferente com ele. Foi quando surgiu a ideia de repetição de um mesmo cenário.

Se você pegar a Baixo Centro, ela tem essa coisa da cidade e a câmera passando por diversos lugares, às vezes ela muito próxima de uma cena, às vezes distante. Já na PARAFUSO não é essa a ideia. É uma câmera parada, focando em uma mesma esquina, sempre estática dentro desse cenário colossal. Os personagens pequenininhos surgem a partir dessa estrutura inicial de pensamento sobre o desenho de cidade”

Plasticidade zero

“Em relação aos personagens em si, acho que tem a ver com a minha abordagem para super-heróis. Normalmente, quadrinhos de super-heróis são muito dinâmicos, o personagem aparece em vários closes, aí tem aquelas poses radicais e a câmera girando em torno dele, o desenhista fica pirando em cima dessa coisa. No instante em que comecei as minhas reflexões sobre a presença de cidades no meu trabalho, concluí que queria fazer uma história de super-heróis que fosse diferente do tradicional. Eu quis deixar esses personagens distantes o suficiente do olhar do leitor para insinuar quem é aquele personagem, mas sem dar muitos traços, evitando ao máximo qualquer close – uma ferramenta que nem estará presente em PARAFUSO ZERO – Expansão. Eu não quero detalhar as feições, apenas insinuar que esses personagens são super-heróis e estão utilizando seus poderes.

No início de 2018 eu encontrei com o Rodrigo Qohen, coautor de O Parricídio, enquanto eu passeava pela Feira Plana, em São Paulo, e ele me falou algo sobre o universo da PARAFUSO que eu não tinha atinado ainda. ‘Jão, o que eu gosto na PARAFUSO é que você consegue fazer uma história de super-herói como se fosse uma coisa real’. Se os super-heróis existissem no mundo real e começassem a brigar, não ia ter essa plasticidade dos filmes e dos quadrinhos, ia ser uma coisa meio feia. A PARAFUSO é muito sobre isso, uma coisa meio ridícula daqueles personagenzinhos brigando e a câmera registrando de longe, sem nenhuma plasticidade”.

A insignificância humana no Universo

“O cenário colossal do quadrinho também vem de outro lugar. Quando eu comecei todos esses questionamentos eu estava pensando muito no Jorge Luis Borges e no H.P. Lovecraft. Eles têm essas construções gigantes, megalomaníacas e colossais. Eu ainda quero fazer coisas ainda mais absurdas nesse sentido, em termos de ambientações gigantescas com personagens pequenininhos. Junto com isso, eu também queria tentar tirar as histórias de super-heróis do universo dos comics e inserir em um contexto meu. Desde o início, a PARAFUSO tem como objetivo ser uma história de super-heróis do Jão. Eu não queria fazer uma história de super-heróis, mas uma história de super-heróis dentro do que eu estava criando e que ela conversasse com tudo o que eu estava fazendo naquele momento. Tudo isso junto com a influência desses escritores e essas ideias de grandiosidade perto da insignificância humana no Universo”.

Simplificar ao máximo

“Esse meu período de vários insights interessantes em 2015 e 2016 ocorre em uma época em que estava trabalhando com animação. Em animação, o trabalho é muito grande e é preciso simplificar muito as coisas, falar muito com pouco. Às vezes, em uma animação, você tem que fazer um único desenho, uma expressão ou um movimento, para expressar muita coisa. Se você for retratar tudo que um personagem faz, vai demorar um mês desenhando para uma cena de dois ou três segundos. Então eu puxei esse aspecto da animação pro meu trabalho. Como eu tenho essa câmera mostrando o personagem de longe, pequenininho, eu tenho que mostrar muito do gestual e dos trejeitos para o leitor compreender o que eu quero passar.

Por isso tudo, na PARAFUSO ZERO – Expansão eu não vou mais fazer uso de closes, a minha ideia é dialogar com infografia, expressando sentimentos por meio de símbolos, como os botõezinhos de curtir e as expressões de sentimentos do Facebook. Pode ser que até apareça algum close e algum rosto nesses elementos de infográficos, mas só. E essa praticidade vem da minha experiência com animação, acho que todo quadrinista deveria fazer alguma coisa de animação. A minha experiência foi para uma série chamada Às Vezes, para o canal de TV Rede Minas. Ela saiu no mesmo ano do Baixo Centro e acho que esse livro não teria saído sem o trabalho de animação. Com ela eu fiquei mais preparado para lidar com o desafio de simplificar ao máximo, mesmo trabalhando pra caramba, para expressar tudo o que gostaria de expressar”.

Todo mundo pode morrer

“Com a PARAFUSO, a minha ideia é que os personagens não me guiem em termos de roteiro, que eles sejam apenas peças dentro de uma história maior. Os manuais de roteiro falam para você nunca fazer isso (risos). Mas eu quero eles como peças, sem explorar sentimentos. Esse tipo de narrativa também está em pauta atualmente com ‘Game of Thrones’. Eu nem assisto a série, mas sei que o George R.R. Martin usa os personagens como peças, matando quando é conveniente. Ele me parece também estar querendo propor algo novo dentro do gênero de fantasia. Da mesma forma, dentro dessas histórias que eu tô criando na PARAFUSO, nesse mundo dos superseres, o leitor não deve se apegar a ninguém, todo mundo pode morrer.

Até por isso, o meu roteiro para esse trabalho é muito simples, eu mesmo não quero saber exatamente o que vai acontecer. Não quero saber quem vai morrer e quem não vai, se eu vou me apegar a alguém e vou matá-lo, se vou me apegar a alguém e ele vai sobreviver. Isso aí eu tenho deixado pro feeling de quando eu tô produzindo. Vou pelo sentimento do que tá rolando, vou fazendo e construindo e eu acho que isso acaba passando esse sentimento pro leitor também: ninguém tem controle de nada. O leitor também será guiado por essa narrativa e vai acabar chegando em algum lugar. Pode chegar lá junto comigo ou não. O importante é que ele terá passado por essa experiência”.

CONTINUA…

ANTERIORMENTE:
>> PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #4: A origem do ‘Formato Jão’];
>> PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #3: Um sonho com Moebius];
>> PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #2: Baixo Centro, Flores e texto];
>> PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #1: origens, restrições e OuBaPo].

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Ramon Vitral

Meu nome é Ramon Vitral, sou jornalista e nasci em Juiz de Fora (MG). Edito o Vitralizado desde 2012 e sou autor do livro Vitralizado - HQs e o Mundo, publicado pela editora MMarte.

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