Karaokê Box é o primeiro projeto solo da quadrinista Ing Lee. Uma das autoras da revista Sam Taegeuk (finalista do prêmio Dente de Ouro 2019 na categoria Quadrinhos) e uma das editoras da coletânea A Criatura, ela narra em seu mais recente trabalho uma noitada em um karaokê no bairro da Liberdade, em São Paulo.
Em conversa com o blog por email, a autora conta como a HQ começou a ganhar forma durante uma ida dela ao karaokê no qual a história é ambientada enquanto ela passava por um momento de introspecção. “Não sou uma pessoa muito boa pra lidar com sentimentos”, diz Lee. “Daí creio que tentar extravasar isso artisticamente seja uma forma mais ou menos saudável, um processo meio ressignificativo e de cura até”, afirma.
Há dois eventos de lançamento para Karaokê Box marcados para as próximas semanas: o primeiro deles na próxima sexta-feira, dia 17 de maio, a partir das 18h, na loja da Ugra, em São Paulo; e o segundo na cidade natal da autora, Belo Horizonte, no Calabouço Karaokê, dia 23 de maio, a partir das 19h30.
Na conversa a seguir, Ing Lee conta um pouco mais sobre as origens de Karaokê Box, comenta a decisão de imprimir as 24 páginas do quadrinho em risografia, fala sobre a paixão dela por karaokês e revela as músicas que ela mais gosta de cantar. Saca só:
“Ouvi muito Depeche Mode, New Order, Tears for Fears e Pet Shop Boys enquanto desenhava”
Eu queria saber um pouco mais sobre os seus gostos e as suas influências. O que você gosta de ler, ouvir e assistir? Tem algum artista com alguma influência maior no seu trabalho? Tem algum artista em particular que você admira e serve de inspiração para você?
Eu gosto muito de cinema leste-asiático, principalmente taiwaneses e sul-coreanos. Meus filmes preferidos são Yi Yi (2000); That Day, on The Beach (1983); e Terrorizers (1986), do Edward Yang; Rebels of Neon God (1992), do Tsai Ming-Liang; Chungking Express (1994), do Wong Kar-Wai, e mais outros nessa pegada de melancolia urbana, que me inspiram bastante nos meus trabalhos envolvendo HQs. De mangá, amo Akira (Katsuhiro Otomo), Oyasumi Punpun (Asano Inio) e Tekkonkinkreet (Taiyo Matsumoto), e tenho eles como referência para mim no que diz sobre quadrinhos. Agora, de música, posso dizer que minha playlist durante todo o processo dessa HQ consistiu em músicas dos anos 80, hehehe. Ouvi muito Depeche Mode, New Order, Tears for Fears e Pet Shop Boys enquanto desenhava!
Você poderia me falar um pouco sobre a origem de Karaokê Box? Como e quando surgiu a ideia de fazer essa HQ?
Então… A ideia veio do nada. Assim, veio no meio de um rolê que eu tava dando com um querido amigo (oi Thiago Han!!) em que fomos só nós dois pra uma cabine de karaokê às 14-15h, em plena segunda-feira. Daí tive algumas ideias de falas que foram o ponto de partida de uma história em quadrinhos que se passasse num karaokê. Eu tava tendo um momento meio introspectivo… Digo, passando por umas questões íntimas difíceis de lidar e fiquei pensando que gosto muito de ir a karaokês com meus amigos, porque lá não preciso estar necessariamente falando diretamente dos meus sentimentos pra poder expressá-los – e, bem, isso inclusive virou uma fala na história. Não sou uma pessoa muito boa pra lidar com sentimentos, daí creio que tentar extravasar isso artisticamente seja uma forma mais ou menos saudável, um processo meio ressignificativo e de cura até.
Eu meio que tenho que fazer meu TCC neste semestre, mas precisava antes fazer essa HQ… A vontade surgiu como um puta impulso e eu senti que só ia conseguir tocar outros projetos se a fizesse. Então eu fui e fiz, em uma semana mais ou menos, basicamente num modo turbo de produção, eu peidei uma HQ completamente nova! Tcharam, assim nasceu a Karaokê Box!
“Eu já tenho toda uma playlist pré-definida de músicas que sempre canto, geralmente começo com Sweet Dreams, do Eurythmics, e sempre acabo pegando alguma do Depeche Mode, é o meu ritualzinho…”
Você me falou que gosta muito de karaokê, por que essa paixão? Como ela surgiu?
Volta e meia acabo indo pra São Paulo né, daí desde 2014 uma das coisas que mais gosto de fazer por lá, é ir aos karaokês de cabine. É algo sagrado pra mim, parada obrigatória! Daí aproveito e chamo várias pessoas que fazia tempo que não via, mato as saudades, de quebra canto as músicas que gosto até ficar rouca – e posso até chorar no fumódromo (ou no banheiro…). Eu já tenho toda uma playlist pré-definida de músicas que sempre canto – por exemplo, geralmente começo com Sweet Dreams, do Eurythmics, e sempre acabo pegando alguma do Depeche Mode (embora ache elas difíceis de cantar), é o meu ritualzinho…
Um dos karaokês que eu mais gosto de ir é o Okuyama, que fica na Rua da Glória, tanto por ele ser mais podreira (e consequentemente, mais barato, hehe), como também é um lugar que me agrada esteticamente. E foi justamente o Okuyama que usei como cenário para a Karaokê Box, numa tentativa de resgatar um pouco o carinho que tenho pelas noitadas passadas lá com meus amigos paulistas. Também curto karaokês de palquinho, mas é que onde eu moro (Belo Horizonte), não tem nenhum de cabine privada, que você aluga a sala por hora e tem o karaokê todo pra você, então acaba virando um momento mais próximo e aconchegante entre as pessoas que estão dividindo a mesma cabine com você.
Você chegou a fechar um roteiro antes de começar a desenhar o quadrinho? Você me contou que desenha com o mouse do computador, certo? Você pode contar um pouco mais sobre as suas técnicas?
Sim! O ponto de partida foi aquilo que falei acima, pensei ‘putz, vou fazer um quadrinho que se passa num karaokê e a personagem TEM que falar isso’ (que gosta de ir à karaokês porque é um lugar onde você pode se expressar sem necessariamente *falar* diretamente sobre seus sentimentos). Aí fiz todo um estudo compilando referências de fotos do Okuyama de diversos ângulos, porque eu queria retratar o lugar da forma mais fiel possível… Pesquisei pela tag marcando o lugar no Instagram de contas de terceiros, cheguei a pedir no Stories pra me mandarem fotos do local caso alguém tivesse e no meio disso uma amiga minha chegou a IR pro Okuyama só pra tirar fotos do banheiro e do fumódromo, porque eu não encontrava de jeito nenhum fotos desses ambientes, e ela morava ali perto (Samantha Oda, anja d++). Então planejei a história de acordo com os ambientes, começando pela fachada do karaokê na rua, depois entrando, subindo as escadas, indo pra cabine, depois fumódromo, banheiro e assim vai…
E, é, eu vendi minha mesa digitalizadora tem um tempo porque eu acabei me adaptando melhor com o mouse pra desenhar digitalmente do que com a mesa. Geralmente já faço tudo no formato direitinho, porque uso a ferramenta lápis no Photoshop e não vetor, pra que o traçado saia fiel na impressão.
“Desde o começo já tinha escolhido a paleta de cores, que eu gosto bastante, que é o rosa flúor, amarelo e medium blue da riso”
E eu gosto muito das suas cores. Por que essas cores? Como você define a paleta do quadrinho?
Obrigada!! Eu sou meio metódica, gosto de já deixar tudo definido antes de começar de fato a executar o projeto, deixando o formato já planejado, assim como a paleta de cores, o número de páginas e etc. Sem isso não consigo começar a fazer, porque se não eu não visualizo como ficará o resultado aí eu travo. Então desde o começo já tinha escolhido a paleta de cores, que eu gosto bastante, que é o rosa flúor, amarelo e medium blue da riso.
Karaokê Box será impresso em risografia. Por que essa técnica? Como ela contribui para o projeto final?
Minha primeiríssima zine, A Boneca, de 2016, foi impressa em risografia, com rosa flúor e amarelo. Foi bem amador e tal, mas eu gostei bastante do resultado na época e me agrada bastante as paletas da risografia. Daí pude explorar isso no quadrinho Humanidade, publicado no Sam Taegeuk – publicação que fiz junto com Paty Baik e Monge Han e que foi impressa em riso nas cores amarelo, vermelho e azul. O resultado ficou incrível e eu queria poder fazer mais HQs com essa técnica, daí como caiu um dinheirinho aqui, não pensei duas vezes e defini desde o começo do projeto da Karaokê Box que ela seria impressa em riso. Eu também já tinha trocado ideia com o Portilho, da Entrecampo, antes e fiquei com vontade de ter um trampo com eles, daí negociamos e fechou!
Você já produziu HQs para coletâneas como a Parafuso #1 (ainda inédita) e a Sam Taeguk e foi uma das editora d’A Criatura, mas essa é a sua primeira publicação solo. Eu tenho curiosidade em relação às suas expectativas com essa primeira experiência solo. Quais sentimentos estão passando pela sua cabeça às vésperas do lançamento?
Eu confesso que tô um pouco ansiosa e acabei não conseguindo me conter, daí enviei pra vários amigos me darem feedback e tal, só pra eu ter certeza de que não era só uma pira aleatória minha e se ia valer à pena… E, bom, aparentemente ficou legal, então é isso! Acabou que, além do feedback, tive bastante ajuda durante o processo de feitura da minha amiga e nova produtora gráfica do Selo Pólvora, Larissa Kamei. Ela me deu vários toques muito preciosos. Acabo fazendo tudo meio na tora e no improviso, então ter esse lado mais pé no chão durante a produção foi muito positivo pra mim!
Eu pelo menos fiquei bastante satisfeita com o resultado, foi algo que fiz muito mais por mim antes de qualquer coisa, mas que também gostaria de compartilhar com o mundo e soltá-la por aí. Vamos ver, né? Espero que o pessoal goste!
Quais são seus próximos planos para quadrinhos? Você já tem algum próximo trabalho em vista?
Então… O meu TCC vai ser em quadrinhos. O nome dele é Bulgogi de Carne Moída (bulgogi é um churrasquinho bovino coreano, que eu faço uma versão meio farofa abrasileirada com carne moída). Daí eu tô até agora criando coragem pra tocar isso e parar de enrolar, mas creio que sai, na base de muita cafeína, surto e pressão! Daí tô pensando em fazer uma tiragem pequena dele e fazê-lo circular um pouco por aí. Vai ter uma temática mais autobiográfica, envolvendo questões de identidade, etnia e memória, trazendo tudo isso pros meus processos artísticos (eu faço Artes Visuais na UFMG), e na apresentação dele pra banca eu vou servir o próprio bulgogi de carne moída pro pessoal!