Os quadrinhos do artista norueguês Jason são habitualmente protagonizados por personagens antropomorfizados, as páginas são geralmente compostas por um número fixo de quadros e os balões de fala são raros. Eu Matei Adolf Hitler (Mino) segue este padrão. Apenas duas das 48 páginas do álbum não são compostas por oito quadros e o personagem principal é um assassino profissional de poucas palavras com feições de cachorro e problemas de comunicação com a namorada.
O que foge à regra é a trama da obra: o protagonista é contratado por um cientista para viajar no tempo, matar o líder nazista e impedir o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial.
“Eu sinto muito pelas crianças de hoje, que terão que viver no futuro. Se houver algo como reencarnação, eu diria ‘não, obrigado’”
Hoje aos 53 anos e morando desde 2007 na cidade francesa de Montpellier, Jason é dono de dois Eisner Awards, prêmio máximo da indústria norte-americana de quadrinhos. Ambos os troféus foram vencidos na categoria de Melhor Edição Americana de Obra Internacional, um deles conquistado em 2008 por Eu Matei Adolf Hitler – traduzido para o português por Dandara Palankof.
Segundo quadrinho do autor publicado no Brasil – o primeiro foi Sshhh!, em 2017 -, a obra teve como ponto de partida a vontade de Jason de desenvolver uma ficção científica que contasse com uma máquina do tempo. A presença de Hitler é um acaso. “Hitler não é realmente importante na história. Eu estava mais interessado nos outros personagens, no casal principal e em como eles são afetados por todos os acontecimentos da história”, conta.
Habitantes de uma realidade sombria na qual assassinatos por encomenda ocorrem rotineiramente, o matador de aluguel está entediado com sua rotina profissional e sua companheira lamenta a falta de perspectiva do relacionamento dos dois. A encomenda da morte de Hitler e suas consequências afetam em definitivo a vida amorosa da dupla.
“Eu ainda gosto de painéis silenciosos e gosto de usá-los entre painéis que tenham mais textos. Às vezes o silêncio acaba dizendo mais”
“As pessoas às vezes mencionam uma qualidade escandinava em meus quadrinhos, talvez em referência a uma espécie de simplicidade ou melancolia, e ela pode até estar lá”, pondera o autor sobre as reações pouco emotivas e as decisões práticas adotadas pelo casal para lidar com os ocorridos extraordinários ao seu redor.
Já a opção quase obsessiva pelo número fixo de quadros é influência declarada do belga Hergé (1907-1983), criador do jornalista Tintim: “Cabe ao leitor decidir se um painel é mais importante que o seguinte. Dessa forma a história acaba sendo a coisa mais importante, não a forma como ela é contada. O leitor não deveria notar a narrativa”.
Hoje mais habituado com a presença de texto em seu trabalho, Jason prefere atualmente escrever do que desenhar. “O desenho é a parte chata. Eu ainda gosto de painéis silenciosos e gosto de usá-los entre painéis que tenham mais textos. Às vezes o silêncio acaba dizendo mais”, afirma
Jason diz não ter pensado sobre como faria uso de uma máquina do tempo e se mataria Hitler caso tivesse a oportunidade de voltar ao passado. Já em relação ao futuro, ele é pessimista. O autor crê na autodestruição da humanidade.
“As coisas só serão feitas quando for tarde demais. Eu estarei morto em talvez 30 anos. Felizmente. Eu sinto muito pelas crianças de hoje, que terão que viver no futuro. Se houver algo como reencarnação, eu diria ‘não, obrigado’”.