Conversei com os quadrinistas Marcelo D’Salete e Rafael Coutinho sobre o lançamento do primeiro dos três volumes da editora Devir para a coleção brasileira de Sunny, obra do artista japonês Taiyo Matsumoto, também autor de Preto e Branco/Tekkon Kinkreet. Essas entrevistas viraram matéria na Sarjeta, minha coluna mensal sobre histórias em quadrinhos no site do Instituto Itaú Cultural.
Reproduzo a seguir a íntegra da minha entrevista com Marcelo D’Salete sobre os principais méritos do trabalho de Taiyo Matsumoto e o impacto de obras como Sunny e Tekkon Kinkreet no trabalho do autor de Cumbe e Angola Janga. Saca só:
“O que mais me chama atenção é a forma de trabalhar o desenho”
Você lembra do seu primeiro contato com o trabalho do Taiyo Matsumoto? Quando foi?
Por volta de 2001 ou 2002, quando o álbum Preto e Branco foi publicado aqui no Brasil, pela Conrad. Quando vi o trabalho dele achei incrível. Na época eu já tinha tido contato com alguns trabalhos de mangás, mas o dele destoava bastante. Era algo que me lembrava muito o trabalho do Katsuhiro Otomo e outros. Fiquei muito impressionado com a capacidade de desenho e com a capacidade narrativa dele.
O que mais te chama atenção nos quadrinhos do Taiyo Matsumoto?
O que mais me chama atenção é a forma de trabalhar o desenho, o traço, muito sinuoso e bonito. A forma de trabalhar com o preto e branco e a forma como ele consegue criar cenas muito engenhosas, seja pelos ângulos que ele escolhe para cada um dos quadrinhos, seja para os momentos de… Vamos dizer assim, para os momentos mais contemplativos e para os momentos de maior ação dentro de uma história.
“A escolha por trabalhar com caneta nanquim, 0.2 e 0.3, provavelmente veio de artistas como ele”
Como o contato com a obra do Taiyo Matsumoto impactou o seu trabalho? Você consegue pensar em algum influência particular que tenha incorporado da leitura dos quadrinhos dele?
Quando comecei a fazer quadrinhos eu estava trabalhando com diversas técnicas. Isso é bem visível no livro que foi publicado em 2008, Noite Luz. Em alguns momentos eu trabalhava com traço, com caneta, em outros com pincel. Teve momentos, na primeira história do Noite Luz, que eu trabalhei com caneta, pincel chato, criando aquelas manchas negras. E tudo isso em quadros separados, só depois eu juntava tudo. O trabalho do Taiyo talvez tenha me influenciado porque eu o visitava bastante por causa do traço, então a escolha por trabalhar com caneta nanquim, 0.2 e 0.3, provavelmente veio muito por causa de artistas como ele. Foi algo que eu acabei desenvolvendo mais e incorporando no Encruzilhada e depois seguiu no Cumbe e no Angola Janga.
Além disso a forma como ele pensa e estrutura as cenas de ação, também foi alvo que chamou muito a minha atenção. Ele é muito dinâmico, consegue passar uma sensação de diversas ações ocorrendo em um tempo muito curto, com aquelas linhas na diagonal dos quadros.
“Ele me ensinou bastante como trabalhar com cenas concomitantes”
Há uma vastidão de gêneros e estilos quando se fala em mangás, mas há algum aspecto ou elemento em particular, seja no uso da linguagem ou nos métodos de produção, que te chame atenção nas histórias em quadrinhos produzidas no Japão?
Em especial no Preto e Branco acho que tem a forma como o Tayio trabalha muito bem com quadros mais horizontais. Me lembra bastante o cinema, a forma de composição da fotografia no cinema. Além disso, algo que Tayio me ensinou bastante foi como trabalhar com cenas concomitantes, como trabalhar com cenas que acontecem no mesmo tempo. E como seguir uma narrativa desse modo de uma forma eficiente. Isso me chamou muita atenção também, me parece algo muito sofisticado.
Cheguei a ter contato com algumas outras obras do Tayio depois, obras que não foram publicadas aqui no Brasil. Então além de Preto e Branco, e da bela animação que fizeram a partir desse quadrinho, eu li o Ping Pong, que fala sobre um campeonato de pingue-pongue, é incrível o modo como ele consegue trazer as partidas de pingue-pongue e mostrá-las quase como se fossem uma batalha de vida ou morte. É incrível, muito impressionante mesmo. Tive contato também com um outro chamado GoGo Monster, que talvez seja um trabalho que se aproxime mais do Sunny.
Além desses tive contato também com um quadrinho dele mais histórico, sobre samurais, Takemitsuzamurai. Inclusive li bastante esse nos momentos iniciais de produção do Angola Janga, embora seja uma influência bem indireta.
O que você vê de mais especial em Sunny?
No caso do Sunny eu cheguei a ler o primeiro número dessa publicação. É um trabalho muito bonito graficamente, protagonizado por diversos personagens e você acaba seguindo esses personagens na narrativa. É um trabalho que tem algumas aguadas e meio tom, o que é bem diferente do que ele fazia antes no Preto e Branco. É um trabalho bem atomizado, vamos dizer assim, a partir da perspectiva de algumas crianças e jovens sobre aquele espaço. Um trabalho bem sensível, diferente de algo mais dinâmico e de toda a ação que tem, por exemplo, em um trabalho como o Preto e Branco ou mesmo o Takemitsuzamurai. É um trabalho mais particular e muito delicado, algo muito bonito de se ver também, pela forma como o tempo se dá, de uma forma bem dilatada, pegando cada detalhes de olhar e de expressão dos personagens.