The Record Breaker – O campeão dos campeões

RecordBreaker

Um dos documentários mais legais que vi ano passado foi The Record Breaker, do diretor norte-americano Brian McGinn. Ele conta a história de Ashrita Furman, o cara com a maior quantidade de recordes quebrados no Livro dos Recordes. Entrevistei o diretor sobre o filme pra Galileu. Tentei de várias formas falar com o próprio Furman, mas como me explicou McGinn, ele é extremamente recluso. O que torna o documentário ainda mais interessante. Segue o meu texto e a íntegra da minha entrevista com o Brian McGinn:

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O campeão dos campeões

Documentário retrata vida do maior recordista do livro Guiness

De todas as façanhas do norte-americano Ashrita Furman, de 59 anos, a que mais impressiona é o seu número de marcas no Guinness, o livro dos recordes. Desde 1979, quando fez 27 mil polichinelos, foram cerca de 500 (o Guinness diz ter perdido parte dos registros, mas 181 delas ainda não derrubadas), o que o transformou no maior recordista da publicação.

São feitos como ingerir a maior quantidade de gelatina em um minuto com olhos vendados e mãos amarradas ou soprar um selo ao longo de 100 me- tros arrastando-se no chão com um bicho-preguiça abraçado em seu peito — é isso mesmo o que você leu. “Até o mais bobo desses recordes é praticamente impossível”, conta o cineasta Brian McGinn, autor do documentário The Record Breaker sobre a vida de Furman. O recordista cresceu cercado por livros e sofrendo bullying por ser nerd. Seus pais contam que o garoto tinha notas para entrar em Harvard, mas resolveu dar outro rumo à vida. Aos 16 anos, virou discípulo do guru indiano Sri Chinmoy (1931-2007), largou os estudos, brigou com os pais e começou uma busca pela “iluminação” por meio de uma pai- xão de infância, o Livro dos Recordes. Sua busca é sustentada pelo salário como gerente de uma loja em Nova York e por outros discípulos de Chinmoy. “Uma das lições que se aprende dele é que você só vive uma vez. Se não segue suas paixões, pode desperdiçar tempo”, diz o documentarista.

Você se lembra da primeira vez que ouviu falar de Ashrita Furman? Qual foi a primeira coisa que pensou sobre ele?

Conheci Ashrita em um artigo publicado no New York Times. Havia uma pequena nota sobre ele, acompanhada de uma foto com ele cortando uma maçã com uma espada de samurai. Pensei que era um cara interessante – quem poderia se importar tanto em ser bom em algo tão bobo? Amo filmes como O Equilibrista e O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, e estava tentando fazer um documentário com o mesmo espírito desses filmes, então o Ashrita apareceu como o personagem perfeito. Ele é tão intenso e focado, mas também pateta, e as coisas que ele estava fazendo eram absurdas. Só queria saber mais sobre ele.

Suas opiniões sobre ele mudaram muito ao longo do filme?

Fazer um filme sobre alguém sempre muda sua opinião sobre a pessoa – ao invés de ver alguém de longe, você passar a pensar nela como pessoa, com tudo que isso implica. O Ashrita continua uma espécie de enigma para mim, mas acredito que fazer o filme me ajudou a compreender o porquê dele fazer o que faz e também o que é necessário para ser o melhor em qualquer coisa que você faça: é tudo uma questão de dedicação, gasto de tempo e trabalho duro.

Imagino que seja difícil para ele conseguir financiamento para as quebras de recordes, mas acho que deve ser ainda mais difícil produzir um filme sobre alguém tão excêntrico. Como seus produtores reagiram quando você resolveu filmar o documentário?

Os projetos do Ashrita são financiados de algumas formas: o pai dele dá o dinheiro, o grupo espiritual dele paga para seus seguidores divulgarem sua causa e várias iniciativas ele faz perto de casa.

Em relação ao gasto no documentário, é sempre difícil financiar qualquer tipo de filme. Minha sorte ao fazer The Record Breaker foi que meu produtor amou o tema – e realmente, ao longo das filmagens, investidores disseram: “amamos o assunto e nossa audiência vai amar o filme, só descubra o que está além da quebra de recordes e estamos dentro”. Então eu apenas foquei em descobrir qual seria a história humana que iríamos contar. Depois disso, o dinheiro foi moleza.

De onde você acha que vem a origem da obsessão dele com recordes?

Acho que a obsessão do Ashrita com a quebra de recordes decorre da relação com o guru espiritual dele e, um pouco antes, provavelmente tem suas origens na relação com o pai, que era um poderoso advogado em Nova York. O Ashrita tinha um perfil de criança estudiosa, nerd, e se dar bem em um ambiente atlético é algo atraente pra ele. Ele credita todos seus recordes às suas práticas espirituais. Como uma pessoa sem crenças, sou mais cético em relação ao poder da religião, mas acho interessante pois essas práticas realmente ajudaram ele a acreditar nas suas habilidades, deram a ele a crença de que ele poderia realizar qualquer coisa.

Quanto tempo você passou com ele fazendo o filme?

Levei mais ou menos um ano tentando convencer o Ashrita a fazer o filme comigo, depois filmamos em cerca de três semanas e mais um ano de produção.

E qual dos recordes dele você acha mais absurdo?

Ele tem o recorde de comer maior quantidade de gelatina em 60 segundos com uma venda e as mãos amarradas para trás. O que quer dizer que ele fica enfiando a cara em uma bacia gigante cheia de gelatina e come como um louco ao longo de um minuto. É bem engraçado e bastante absurdo.

Os recordes dele são bastante impressionantes. Mas a história fica ainda mais interessante quando ficamos sabendo das notas altas e todas as possibilidade de carreira que ele teve. Na sua opinião, o que significa hoje em dia abandonar tudo para viver de sonhos como o Ashrita fez?

Histórias como a dele, de pessoas que seguiram rumos alternativos à norma cultural, são inspiradoras nos dias de hoje pois há mais pessoas optando por rotas mais seguras em suas vidas e carreiras. Escolher realizar seus sonhos, ainda mais quando eles são repletos de atividades bobas e engraçadas, é admirável quando você não sabe como vai arrumar dinheiro, pagar o aluguel, a comida e tudo mais que você precisa para sobreviver. Acho que uma das lições do filme é que você só vive uma vez. Se você não segue suas paixões, pode acabar desperdiçando seu tempo na Terra.

O Ashrita diz no filme que a maioria dos recordes que ele quebra são coisas de criança e que o estilo de vida que ele leva é justificado pela busca por iluminação. Você acha que ele se considera próximo do sucesso dessa missão?

Ele se considera uma pessoa “a procura”, o que acho que quer dizer que ele nunca vai alcançar a iluminação, mas sua missão será eterna. O fato de Ashrita mensurar seu sucesso espiritual pelo Guinness World Records é uma das coisas que tornam ele um personagem interessante.Sempre procuro por personagens que sejam complicados e humanos e amo que exista uma certa ironia nessa busca: ele está numa missão espiritual, mas também quer acumular recordes no Guinness, algo aparentemente pouco espiritual.

Apesar dos recordes serem bastante infantis, eles não parecem muito fáceis. Você tentou praticar algum deles?

Até o mais bobo dos recordes é quase impossível de fazer. As pessoas sempre dizem “eu faria isso” quando acompanham o Ashrita em ação, mas quando elas tentam não é nada fácil. Tentei vários deles enquanto o Ashrita treinava e achei todos difíceis.

O pai dele diz no documentário que o Ashrita é a pessoa mais feliz que ele conhece. Você teve a mesma impressão?

O Ashrita é uma pessoa muito animada. Os momentos em que ele está quebrando recordes são com certeza seus instantes mais felizes, você vê a alegria no rosto dele. Tenho certeza que ele tem seus momentos de tristeza, como qualquer pessoa, mas prefiro pensar nele como um pessoa feliz, empolgada e um pouco infantil.

Por quanto tempo o Ashrita e o pai pararam de conversar?

Isso nunca ficou claro pra mim. O Ashrita diz que foram alguns anos e o pai falou em seis meses. Mas foi um período significativo. Ele também teve alguns desentendimentos com a mãe, mas não consegui incluir esse enredo na versão final do filme.

Li algumas críticas do seu filme comparando Ashrita a Forrest Gump e a alguns personagens de filmes do Wes Anderson. O que você acha dessas comparações?

Sou um grande fã de Wes Anderson, então é uma honra ter o filme comparado ao trabalho dele. Acho que o nosso filme tem um personagem peculiar, mas trata de temas universais – sobre família, como você vive sua vida e como ser feliz. Nesse sentido, Record Breaker é provavelmente semelhante ao trabalho do Wes – a princípio é estranho e engraçado, mas ao analisar um pouco mais, é na verdade sobre como todos nós vivemos.

Há alguma história peculiar que você vivenciou com o Ashrita e não entrou no filme?

Acho que a mais reveladora sobre ele é uma que está no filme, quando ele tenta estabelecer um recorde pessoal de tempo na retirada do lixo. Ela mostra como natureza competitiva dele e o esforço contínuo dele para se superar superar tomou conta da vida dele. É uma cena engraçada, mas mostra como você precisa ser se quiser ser tão bom quanto ele na hora de quebrar recordes. Uma outra que ficou fora da versão final: quando filmávamos em Londres, ele estabeleceu o recorde em andar com os sapatos mais pesados. Jantamos e fomos imediatamente para uma loja de calçados para que ele quebrasse novamente a marca com um peso extra. Então ele queria quebrar um recorde que ele havia estabelecido mais cedo naquele mesmo dia. Isso diz muito sobre a motivação.


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