O segundo número da revista Plaf já está disponível nas principais lojas especializadas em quadrinhos do país. Editada por Paulo Floro, Carol Almeida e Dandara Palankof, a publicação tem capa assinada pelo quadrinista Mascaro, uma entrevista com o artista Marcelo D’Salete e quadrinhos de autoria de Jô Oliveira, Brendda Costa Lima, Felipe Portugal e Mascaro. Eu escrevi uma das matérias da edição, tratando dos hábitos de consumo de leitores brasileiros e sobre questões relacionadas ao comércio de HQs no país. A revista tem 60 páginas, formato 21x28cm e preço de R$ 15.
Conversei por email com um dos editores da Plaf, o jornalista Paulo Floro. Ele falou sobre os principais desafios na edição desse segundo número da publicação, as principais lições da edição de estreia, as matérias e os quadrinhos presentes na Plaf #2 e a missão de uma revista sobre quadrinhos em um contexto político conturbado, de conservadorismo aflorado e princípios democráticos em risco. Papo massa, saca só:
“Acreditamos na democracia e vamos defendê-la acima de tudo”
A primeira edição da Plaf foi lançada em agosto de 2017, com a promessa de periodicidade bimestral, mas o segundo número saiu apenas em outubro de 2018. O que aconteceu? Por que esse atraso?
O que aconteceu foi uma série de problemas referentes a um edital de cultura que tínhamos vencido. A produção do número 2 se iniciou quase que ao mesmo tempo do lançamento da edição 1, mas nos vimos imersos em uma discussão em relação às regras do edital, sobretudo quanto aos prazos. Se tivéssemos sabido que existia essa possibilidade de atraso nunca teríamos divulgado a periodicidade. Tentamos de todas as maneiras explicar a importância do projeto, dos benefícios que isso trazia às publicações independentes. Esses atrasos no repasse da verba nos fizeram atrasar o lançamento da edição 2, que estava pronta. Queríamos primeiro resolver qualquer pendência primeiro.
Esse atraso afetou de alguma forma a produção da revista e o conteúdo presente nesse segundo número?
Não. A revista ficou praticamente pronta ao final do lançamento da #1. Mudamos algumas matérias, mas por uma questão editorial mesmo, não por conta do atraso. Ficamos felizes com o resultado, com as colaborações e com o incrível trabalho de diagramação de Erika Simona, que também criou nosso logo.
“Queremos discutir a forma, falar de mercado e celebrar esse divertido entretenimento que é ler um gibi, mas não podemos deixar de dar nossa contribuição sobre o que está acontecendo no Brasil”
Quais as principais lições que vocês tiraram do primeiro número da revista? Como vocês tentaram aplicar esse aprendizado na segunda edição?
O principal aprendizado é em relação à gestão mesmo. Acredito que agora temos mais experiência em trabalhar com editais e captação de recursos. É algo que demanda muita organização, conhecimento jurídico e paciência. Aqui em Pernambuco os artistas sempre foram bastante engajados no papel do poder público na promoção da arte e da cultura, mas os quadrinhos sempre tiveram pouca presença. Agora vejo que já existe uma organização nesse sentido, com editores e artistas mais próximos, dialogando sobre possibilidades. Espero que um dia a cena de quadrinhos possa ser articulada como a do cinema e música, que por batalharam por tantos anos hoje já possuem uma abertura bem maior junto aos espaços de discussões de políticas culturais, bem como nas empresas e editais governamentais. Mas, ao mesmo tempo, vejo que os tempos estão mais difíceis para todos. Além da cena de quadrinhos, esse movimento de união deve ser de toda a cadeia produtiva de arte e cultura.
Você pode falar um pouco mais sobre a capa desse segundo número? Por que o Cristiano Mascaro? Vocês passaram alguma pauta pra ele em relação à arte que estamparia a capa dessa edição?
Para a capa do segundo número queríamos um artista pernambucano, este foi nosso primeiro pensamento quando começamos a desenhar o número 2. E Mascaro sempre foi alguém que admiramos. Ele foi um dos criadores da Ragu, revista pioneira em Pernambuco e no Brasil. Até hoje acho impactante uma HQ que ele fez para a Ragu que trazia os meninos de rua gigantes. Lembro de ter ficado emocionado de verdade lendo aquela história e ainda hoje sinto o impacto quando releio. Mascaro sempre uniu a busca por uma inovação na forma e na narrativa com questões sociais no roteiro. Pra gente que tem a Ragu como uma das maiores inspirações, ter Mascaro nesta edição é uma honra. A gente pediu uma HQ a ele, mas não pautamos nenhum tema. Como já sabíamos do seu estilo a confiança de que sairia algo incrível era total. Ele fez uma história incrível, que lembra um lambe-lambe, ao mesmo tempo em que se assemelha a um ensaio visual, bem inovador mesmo. E bastante atual para representar essa crise moral e política em que vivemos. Em relação à capa dissemos apenas o tom do editorial, que conclama os leitores a irem pra rua comprar gibi, de fortalecer a circulação autoral de quadrinhos, de celebrar leitores e lojistas.
O que vocês destacam nesse segundo número da revista?
Para esse segundo número a gente quis debater um pouco o mercado editorial brasileiro, dar nossa contribuição em um debate que é bastante complexo e que possui diversas abordagens. Então em um primeiro momento a proposta foi falar da lógica de consumo, o modo como consumimos quadrinhos. Tem ainda uma entrevista com Marcelo D’Salete sobre Angola Janga e a representação da negritude nos quadrinhos. Quando ele venceu o prêmio Eisner, a revista estava pronta, mas não tinha ido à gráfica ainda e por isso conseguimos incluir essa informação, que é um registro poderoso. D’Salete é uma voz importante não só nos quadrinhos brasileiros, mas da cultura como um todo. O trabalho que ele vem fazendo de pautar uma nova perspectiva de nossa história é algo importante, urgente, muda paradigmas da história dos negros e negras no país. Destaco também o perfil de Jô Oliveira, que é um quadrinista pernambucano que tem um trabalho muito importante, mas pouco reconhecido. Ele é mais publicado no exterior do que aqui. E tem a cobertura que fiz do Festival de Angoulême, que neste ano teve uma boa presença de brasileiros. E tem ainda um perfil da Marca de Fantasia, editoria da Paraíba feita por um homem só, o Henrique Magalhães.
De quadrinhos temos a HQ de Mascaro, que já citei, que é bem legal. Chamamos Roberta Cirne por ter um estilo muito particular, um traço barroco, denso, que curtimos muito. Ela se dedica a pesquisar histórias de terror no Recife e faz parte de uma cena de horror que vem crescendo em Pernambuco nas HQs, no cinema, teatro. Já Brendda Lima é um nome importante dessa nova geração de quadrinistas que se dedicam a trabalhos mais autobiográficos, já acompanhávamos há um tempo as HQs dela na web. E teve Felipe Portugal, que trouxe um ensaio em primeira pessoa, inclusive citando a revista. Já a HQ de Jô Oliveira era um trabalho que ele tinha guardado e nos cedeu depois do perfil que fizemos com ele. Imagina a nossa alegria quando ele nos mandou? Não chegou a ser intencional, mas ficamos felizes em saber que todos os quadrinhos desta edição são de autores nordestinos.
Eu fico curioso em relação a essa missão dupla da Plaf, como uma revista de quadrinhos e sobre quadrinhos. É muito distinta a experiência de editar uma matéria ou uma crítica e editar uma HQ? Aliás, como é a dinâmica de vocês com os quadrinistas? Vocês pautam os temas sobre os quais eles devem tratar?
Essa missão dupla realmente é um desafio massa de se ter, nos dá uma instiga de pensar o cenário de quadrinhos de maneira crítica com matérias e textos ao mesmo tempo em que buscamos dar espaço para artistas que admiramos. Em geral damos liberdade para os quadrinistas, no sentido de estilo, roteiro, narrativa. O que acontece é que muitas vezes pautamos o quadrinista em relação a algum tema ou ideia. Por exemplo: sempre admiramos os quadrinhos que Felipe Portugal postava em que ele aparecia como um alter-ego refletindo sobre diversos temas e tentando explicar algum conceito. Então pedimos algo parecido a ele, mas sem dizer um tema. E o resultado superou nossas expectativas. Na edição 1 queríamos uma HQ que falasse sobre o Recife e se passasse no Recife e convidamos Raoni Assis pela ligação afetiva que ele tem com a cidade enquanto artista, o que deu origem à HQ sobre o OcupeEstelita. Acreditamos que podemos comunicar através das HQs que trazemos na Plaf e por isso sempre estamos em diálogo aberto com os autores.
O Brasil está passando por uma imensa crise editorial e corre o risco de eleger para a presidência um indivíduo militarista, pró-tortura, fascista, misógino, machista, xenófobo, homofóbico e racista (nota do editor: a entrevista foi feita antes do resultado do segundo turno da eleição presidencial). Qual vocês acreditam ser o papel da Plaf dentro desse contexto nefasto? Como a revista se posiciona em relação a esse cenário?
Acreditamos na democracia e vamos defendê-la acima de tudo. Desde o número 1 estamos falando editorialmente sobre o que pensamos, colocando a arte como um espaço de diálogo e reflexão. Os quadrinhos não podem se alienar de seu papel político, democrático. Queremos discutir a forma, falar de mercado e celebrar esse divertido entretenimento que é ler um gibi, mas não podemos deixar de dar nossa contribuição sobre o que está acontecendo no Brasil. Com muita humildade espero que a Plaf possa proporcionar informação para resistir nesses tempos duros. Fiquei feliz de ver uma movimentação nas redes em torno da hashtag #desenhospelademocracia com vários artistas trazendo conteúdo antifascista, debatendo as eleições deste ano. Ninguém mais hoje pode ficar neutro, sobretudo no que diz respeito à perda de direitos e retrocessos na democracia.
Quais as principais lições que vocês tiraram desse segundo número? Como vocês pretendem aplicar esse aprendizado nas próximas edições?
O maior aprendizado diz respeito à gestão de um projeto como a Plaf, que envolve custos relativamente altos de produção e impressão. Queremos aplicar essa experiência para as próximas edições, sobretudo quanto aos prazos. Quando terminamos de editar a revista, a colocamos em pré-venda por acreditar que tudo sairia dentro do nosso cronograma. O resultado é que atrasamos, o que frustrou a expectativa de muita gente. Quando a revista finalmente saiu mandamos uma cartinha pedindo desculpas. Isso é algo que dificilmente faríamos. Também ficamos mais experientes com relação à distribuição, que era algo bastante novo para todo mundo na equipe. É bem mais complexo do que despachar pelos Correios. Envolve gestão de estoque, prestação de conta, loja online, etc, o que melhorou bastante. Aproveito para agradecer a todo mundo que apoia a revista e dizer que somos gratos por todo o carinho que recebemos até agora. O retorno foi bem positivo da número 1 e espero que essa edição 2 tenha o mesmo sucesso.
O que vocês podem adiantar sobre os próximos números da revista? Qual é o futuro da Plaf?
Queremos muito retomar nossos planos de ter quatro edições por ano, mas agora preferimos não mais falar de uma data exata de lançamento da número 3. Esperamos bastante conseguir capitalizar a revista para que ela tenha sustentabilidade a longo prazo. Esperamos sensibilizar marcas e empresas do enorme potencial que a publicação possui, do diálogo que mantém com diversos públicos, pensar parcerias. Para esse número 2, que acabou de sair, ainda queremos fazer mais lançamentos. O mercado vive um momento muito complicado e nem arrisco a fazer uma previsão, mas com certeza vamos manter o nosso projeto editorial de falar de quadrinhos de uma maneira plural, inclusiva, dando destaque para a produção brasileira. Quem quiser embarcar nesse projeto conosco, será super bem-vindx. 🙂