A Solidão de um Quadrinho sem Fim é apenas o segundo álbum solo do quadrinista norte-americano Adrian Tomine publicado no Brasil. Com 168 páginas, tem 40 páginas a mais que Intrusos, sua outra obra lançada por aqui – ambas pela editora Nemo e com tradução de Érico Assis. Mesmo somando as 11 páginas de uma historinha curta publicada em 1999 na coletânea Comic Book: O Novo Quadrinho Americano (Conrad), o saldo do autor no Brasil acaba sendo de mais páginas de autobiografia do que ficção: 168 X 139.
Lançado no Brasil apenas alguns meses após sua chegada às livrarias dos Estados Unidos, o novo trabalho de Tomine causou comoção ao ser anunciado exatamente por ser seu primeiro trabalho autobiográfico longo. Sua única experiência prévia foi na curtinha Scenes from an Impending Marriage (inédita em português), sobre os preparativos de seu casamento. Hoje aos 46 anos, autor de HQs desde o fim da adolescência, ele se tornou um dos principais nomes da cena de quadrinhos autorais norte-americana exatamente por seus trabalhos de ficção.
Tomine deu início à sua carreira com a revista Optic Nerve, independente em seus primeiros números e depois impressa pela editora Drawn & Quarterly. À medida que arcos de histórias dessa publicação eram fechados, as HQs eram reunidas em álbuns. Assim saíram Sleepwalk and Other Stories, Summer Blonde, Shortcomings e Intrusos. Suas ilustrações para capas de discos e revistas, artes de pôsteres e outros projetos editoriais foram impressas nas coletâneas New York Drawings e Scrapbook. Quase tudo inédito por aqui.
Como autor de ficção Tomine especializou-se em pequenas crônicas sobre solidão, relacionamentos e dinâmicas familiares contadas em terceira pessoa, como um narrador distante que beira a frieza. Suas tramas são quase sempre focadas em um único indivíduo e sem repercussão em um contexto maior. Por isso, sim, destoa vê-lo como protagonista e tão exposto em A Solidão, mas o escopo é o mesmo.
O álbum é uma coletânea de 26 momentos na vida do autor, experiências dele como quadrinista, marido e pai de família. Na primeira história ele tem 8 anos de idade e vira alvo de bullying após uma defesa efusiva de sua paixão por quadrinhos na escola. A última é ambientada em 2018, em um relato passional focado principalmente em sua relação com as filhas. Sempre em preto e branco e desenhos minimalistas distribuídos em páginas construídas a partir de grid padrão de seis quadros
Ele aborda sua relação com fãs e a crítica, mostra-se inseguro em relação à repercussão de seus trabalhos e explicita toda sua falta de desenvoltura social. O pano de fundo registra as transformações em sua vida pessoal e em sua carreira. Mostra o alcance e o prestígio crescentes de suas HQs, suas viagens em turnês internacionais para lançamento de seus livros e sua presença em festas com figurões do mercado editorial.
É um álbum mais engraçado que a maior parte dos títulos de Tomine, mas sua tão característica melancolia se faz presente com sobras.
Melancolia, aliás, é um elemento fundamental do galho no qual Tomine está inserido na árvore genealógica dos quadrinhos norte-americanos. Um galho seguinte a uma geração célebre composta por heróis pessoais do autor, como Chris Ware e Daniel Clowes. Já como personagem, ele lembra a criação mais célebre de um dos principais antepassados dessa genealogia, como um Charlie Brown moderno, com insegurança e ar de derrota similares aos do personagem de Charles M. Schulz.
A repercussão em torno de A Solidão é justificada, apesar de ser o trabalho mais distante daqueles que consagraram o autor. Talvez funcione melhor para já iniciados em sua obra, bagagem que dá outro alcance às piadas. Trata-se de um registro sincero, íntimo, visualmente elegante e divertido da jornada pessoal e profissional de um dos principais nomes da história recente das HQs norte-americanas, em uma obra que desdenha de qualquer expectativa de glamour e sucesso na vida de um autor de histórias em quadrinhos.