“Building Stories é o mais raro tipo de brilhantismo. É ao mesmo tempo desolador, hilário, intimamente chocante e profundamente perspicaz. Não há um artista gráfico, vivo ou morto, que tenha usado o meio de forma tão maravilhosa para representar passagem do tempo, solidão, saudade, frutação e felicidade. Está por conta do leitor a escolha do onde e como iniciar a leitura desse trabalho monumental – o único pesar em começar é saber que vai acabar”.
As aspas são do J. J. Abrams e constam na caixa de Building Stories. E ninguém melhor do que ele pra falar sobre caixas. Na já clássica palestra de Abrams no Ted, ele falou das possibilidades infinitas de uma caixa de mágica que ele tem desde criança e nunca abriu: “Ela representa esperança, potencial…mistério é o catalisador da imaginação e há momentos em que mistério é mais importante que conhecimento”.
É preciso abrir a caixa de Building Stories pra ler a obra-prima do Chris Ware. Sim, J. J. Abrams está certo e as possibilidades de leituras são minimizadas quando a caixa da hq é aberta. De infinitas elas são limitadas a somente mais de 87 bilhões.
Escrevi sobre a hq pra edição de ontem do Estadão. E em breve compro uma segunda edição pra manter fechada.
Leituras combinadas
Building Stories, de Chris Ware, é eleito livro do ano e assombra mercado editorial de HQ nos EUA
Para esgotar todas as possibilidades de leitura de Building Stories, a nova história em quadrinhos do autor norte-americano Chris Ware, é necessário ler a obra oitenta e sete bilhões cento e setenta e oito milhões duzentas e noventa e uma mil e duzentas vezes.
Lançada pela Pantheon Books, a HQ levou mais de dez anos para ser produzida e foi publicada dentro de uma caixa que contém 14 publicações em diferentes formatos e tipos de impressão.Sem umaordem de leitura determinada pelo autor, fica ao gosto do leitor a sequência de impressões pela qual ele pretende seguir até o final. Daí as bilhões de combinações possíveis.
Building Stories foi o primeiro colocado na edição de melhores livros do ano da revista Publishers Weekly, única obra em formato de quadrinho da lista principal. À frente, por exemplo, do mais recente vencedor do prêmio Man Booker (Bring Up the Bodies, de Hilary Mantel).
O trabalho de Ware narra a vida uma cidadã anônima de Chicago, o cotidiano do prédio em que ela vive e as leituras de suas memórias por parte da população local no futuro. Em resenha sobre a HQ publicada em junho, a revista já havia falado sobre a grandeza da obra: “O espetacular esplendor visual faz dessa uma das grandes graphic novels do ano”.
O tamanho de Building Stories impressiona. A caixa tem 42,6 centímetros de altura por 29,8 de largura. Enquanto algumas das 14 impressões dobradas têm o mesmo tamanho da caixa, chegando a ser maior que uma folha de jornal, outras têm o formato de tiras, com menos de oito centímetros de altura. Sempre com arte de precisão geométrica e detalhista, cores vívidas e tramas melancólicas.
Candidata potencial aos principais prêmios da indústria norte-americana de quadrinhos referentes a 2012, Building Stories deve sacramentar Ware como um dos artistas mais respeitados e premiados do gênero. Com sua série independente Acme Novelty Library e coletâneas de histórias tiradas dessa publicação, como Jimmy Corrigan – O Menino Mais Esperto do Mundo (publicado no Brasil pela Companhia das Letras), Ware conquistou nove prêmio Eisner entre 1995 e 2008.
Em entrevista à publicação especializada em quadrinhos The Comics Journal, Ware falou sobre seus objetivos durante a produção de Building Stories. “Queria retratar como histórias e lembranças estão disponíveis em diferentes formas em nossa memória, elas não possuem uma continuidade”, explicou. “E claro, também queria que o livro fosse divertido.”
Em um evento para lançamento da HQ, Ware revelou outra de suas pretensões com o livro: “Queria que não tivesse começo ou fim e que capturasse a sensação que temos quando nos perdemos em pensamentos”.
Segundo Ware, uma de suas inspirações para o formato de Building Stories foi uma obra de arte do artista francês Marcel Duchamp. A partir de 1936, Duchamp criou uma série de obras de arte chamadasLa Boîte-en-valise: os trabalhos consistem em 24 malas que reúnem 69 reproduções de obras de Duchamp, como um museu portátil. “É um evento para o mundo dos quadrinhos. O formato pouco usual do livro de Ware redefine mais uma vez a o que pode ser uma graphic novel”, publicou a revista The New Yorker.