O quadrinista Felipe Nunes está com uma campanha de financiamento coletivo no Catarse para bancar a impressão de seu próximo trabalho. Clean Break é uma história distópica noir sobre a investigação de um crime misterioso em uma sociedade na qual o açúcar foi proibido. No início da semana passada entrou no ar aqui no Vitralizado o primeiro post da série Clean Break passado a limpo, surgida de conversas por email e Facebook com o autor nas quais ele fala sobre diversos aspectos e peculiaridades de seu próximo trabalho. No post de abertura da série, Nunes falou sobre as origens do projeto. Agora ele conta sobre o desafio de criar uma história com ambientação e temáticas tão distintas de seus trabalhos prévios (Klaus, Dodô e O Segredo da Floresta). A seguir, Felipe Nunes:
Clean Break passado a limpo #2: cinema, quadrinhos e o impacto da realidade
“Como disse, o livro é completamente diferente de tudo que já fiz. A história gira em torno de um departamento policial que trabalha sem recursos, sem apoio e quase que isolado no lado abandonado da cidade. E tem todo o contexto onde vivem, o modelo de sociedade, a maneira como cada um deles se relaciona com seus superiores e como a história de cada um é ligada com a cidade, o momento social e o que já viveram. Acho que só de ter me arriscado a criar três sub-tramas dentro da principal, uma pra cada personagem, já sinto como o maior de todos os desafios. Até então, meus quadrinhos só andavam em primeira pessoa, câmera na mão e uma narrativa bem objetiva. Aqui, muitas vezes, eu me sinto mais fazendo cinema do que quadrinhos: contextualizar sequências sem mostrar, criar subtextos e MUITO mais diálogos do que o normal, mudar a intenção e o clima de cada sequência de acordo com o momento da história e os personagens… Isso na parte prática, né? Eu não me imaginava abordando uma história adulta agora. O Dodô dialoga sobre divórcio, sobre solidão, mas são todos num contexto muito individualista (assim como o Klaus trata de descobertas pessoais). Aqui eu começo a abordar o impacto da sociedade na nossa vida, pra valer – e sinto que me identifico e funciono melhor operando assim”.
“Acho que por ter me permitido escrever um noir e escrever uma ficção científica, muitos clichês do gênero acabam aparecendo pra mim e pra trama, mesmo que em alguns momentos eu abrace esses clichês e em outros eu os renegue. Mas acredito que tudo funciona de uma maneira mais sutil. Eu tenho tentado ter um cuidado imenso pra não escancarar algumas coisas e deixar o leitor ir entendendo o cenário e os personagens ao longo da história. Mas pensando na nossa época, no momento que estamos, me pareceu muito plausível, e inclusive natural, estar escrevendo sobre esses temas, debatendo fascismo, devoção religiosa, sexualidade e silenciamento. Juro que não foi intencional, ‘escolher’ abordar isso tudo, mas sinto que o zeitgeist de ser um millenial, estar afundado na internet e nessas milhões de discussões me ajuda a criar inúmeras percepções e principalmente opiniões. Pela primeira vez, sinto que fiz um trabalho com opinião. Existe uma voz ali dentro e uma opinião. E provavelmente nada diz mais sobre mim do que meu próprio trabalho e a maneira como represento as coisas”.