Já estamos próximos dos 45 do segundo tempo em 2016, mas o ano ainda guarda algumas boas surpresas para leitores de quadrinhos. Duas delas são de autoria do DW Ribatski. Além da abertura da exposição do Rafael Roncato, sábado (26/11) na Ugra será lançado Olhos de Bicho, parceria do autor com a quadrinista Laerte na qual um ilustra o roteiro do outro. São três histórias curtas, duas com texto de Laerte e uma escrita por seu parceiro no projeto, em uma revista de 32 páginas custando 14 temeres. Segundo Ribatski, a ideia é que a iniciativa (chamada por ele de coleção Troca-Troca) ganhe outros números, com diferentes duplas de autores trabalhando em conjunto – uma possível próxima edição poderá envolver os artistas Pedro Franz e Diego Gerlach.
O outro trabalho incrível recém-lançado por Ribatski foi o primeiro número de Fixação por Insetos, obra publicada durante a Des.Gráfica como um dos título do selo da feira. Primeiro número de um projeto longo, reúne algumas histórias no formato de conto com histórias sobre relações humanas, sexo e insetos. Com um tremendo preto e branco e belíssimos designs de páginas, é mais um ótimo gibi da leva de 2016. Mandei algumas perguntas por email pro quadrinista e ele falou sobre a produção de Olhos de Bicho, a experiência de ilustrar um texto da Laerte – e ter um roteiro seu desenhado por ela – e o futuro de Fixação por Insetos. Papo massa. Ó:
“O traço da Laerte é muito expressivo então é muito gostoso ver o lápis duro e incerto por baixo de um canetão completamente solto e à vontade”
Como surgiu a ideia do Olhos de Bicho? Você pode contar um pouco como foi a dinâmica entre você e a Laerte durante a produção do quadrinho? Aliás, ela sempre foi a pessoa que você tinha em mente pra dividir as páginas do quadrinho?
Bom, tempo ocioso pra mim é momento de bolar idéias, tento realizar no mundo concreto pelo menos a maioria das que tenho. Essa surgiu no período no hospital esperando meu filho nascer. Pensei, mandei uma mensagem pra Laerte e ela topou, apesar dela ser quem é e representar tanto pra gente, ela continua sendo uma pessoa muito aberta e afim de idéias inusitadas como se fosse um(a) garot(a) começando. Curto muito o lance de trabalhos conjuntos, tanto que essa idéia acabou virando essa coleção Troca-Troca (espera que em breve vem outros encontros, ALERTA SPOILER: se tudo der certo veremos Gerlach desenhando HQ do Pedro Franz e vice-versa). Nos últimos tempos fiz várias parcerias e quero continuar fazendo outras, fiz o Bastião da Justiça com o Góes, a Sirlanney e a LoveLove6 fizeram participações nas minhas HQs no blog da Companhia das Letras, teve aquela HQ que fiz com o Zimbres pro Instituto Moreira Sales…
Imagino que sejam meio imprevisíveis os resultados finais de projetos como esses. Você já fez algum balanço do quão distante ou próximo ficou o resultado final de Olhos de Bicho em comparação com o instante que você teve a concepção da ideia?
Completamente! Não sabia que ficaria tão psicodélico! Pois é, a idéia inicial era contar umas historinhas, acho que nos permitirmos alterar algumas questões do roteiro um do outro levou ao ponto que chegamos.
Eu fiz uma entrevista com o Pedro Franz no início do ano em que ele falou sobre como acha interessante trabalhar tendo consciência das limitações/restrições de cada projeto. No Olhos de Bicho, além de um ilustrar o texto do outro, vocês trabalharam dentro de um formato bem pequeno. Como foi pra você essa experiência de trabalhar dentro de formatações tão ‘claustrofóbicas’? Aliás, não muito diferentes do desafio de fazer o Ugrito, certo?
Pois é, eu gosto disso também, não tenho problemas com formatos pequenos, é como o trabalho com pincel, se não dá pra fazer é porquê não cabe no projeto.
E quais foram as suas impressões iniciais ao receber o texto da Laerte? O quanto você teve liberdade pra criar a partir da história que ela te passou – e vice-versa?
Bom, cada passo do projeto eu pensava e me sentia honrado demais. Tínhamos este combinado de poder mexer na hq um do outro mas também eu não queria desvirtuar demais. Ela tinha escrito essa hq com capivaras e eu perguntei se poderíamos chamar de capivara mas desenhar uns bichos meio patetóides. Já tive bastante essa experiência de trabalhar conjunto no passado, na época dos zines, mas ultimamente teve só esses exemplos que falei publicados (que eu lembre agora) e mais um monte de coisas de brincadeiras nas noites da vida (fiz até um desenho com a Chiquinha!).
Você comenta na introdução que a Laerte não finalizou a arte da sua história, ainda é possível ver um pouco do lápis dela ali nos desenhos. O quanto você acha que isso contribuiu e incorporou ao enredo que você criou?
Pois é, não foi algo planejado assim de início mas é certo que isso se incorporou ao trabalho. O traço da Laerte é muito expressivo então é muito gostoso ver o lápis duro e incerto por baixo de um canetão completamente solto e à vontade. O traço em si é uma narrativa.
Queria falar também sobre o Fixação por Insetos, que você publicou na Des.Gráfica. O que é esse projeto? Ele tem um número um na capa. Até onde você pretende ir com ele?
Então, este é meu projeto mais ambicioso, longa história, vamos lá. Quando eu tinha uns 20 anos e estava naquele limbo começando faculdade/trabalhando e foi quando comecei a fumar maconha, e no começo isso dava um brilhinho tão especial. Todo dia eu tinha 20 idéias novas e anotava tudo. Eu passava muito tempo no ônibus e ia juntando esses pedacinhos e montando histórias. Na época eu estava fascinado com o pessoal da Cardoso Online e resolvi que ia tentar virar escritor, tava muito na onda principalmente do Cortázar. Daí escrevi uns 100 contos em pouquíssimo tempo, era pelo menos um por dia. Eu publicava em algum blog mas uma hora resolvi parar e ficar só nos quadrinhos mesmo. 10 anos depois me veio essa idéia de recuperar esses textos, dar uma recauchutada e transformar em quadrinhos. Já tenho roteiro pra umas 10 ou 12 edições, vou levar a vida toda pra fazer, mas é isso, haha. As idéias ficaram em torno de um lance que eu estava pesquisando na época, a anomalística, uma coisa meio fantástica misturada com relações humanas, daí apareceu esse Black Mirror e fiquei assustado, porquê é muito parecido em alguns sentidos com minha idéia desse projeto. Tanto que se você olhar o Facebook da Roax Press, só tem referências das hqs postadas, tem várias coisas, também de tecnologia. Esta edição que saiu pela Des.Gráfica será republicada em versão offset, paga pela colaboração de quem comprar esta edição com capa em serigrafia (ganharão a edição de gráfica depois também). Daí começa a série, se eu conseguir fazer uma edição por semestre já fico feliz.
Gostei bastante como você você administra a história sem uso de sarjetas até quase os finalmentes da história. Como você chegou nesse formato pro quadrinho?
Em algum lugar do passado tentei criar algumas definições pra um estilo próprio. Essa é uma das coisas que eu quase sempre faço. Cria ritmos narrativos diferentes do “normal”, torna o tempo mais subjetivo eu acho. Fica mais experimental e além disso dá uma sensação de aglutinação das imagens, como se fossem várias imagens e uma imagem só ao mesmo tempo. Tem uma inspiração no Mondrian também.
Eu ouvi mais de uma pessoa na Des.Gráfica impressionada com o tom do preto do seu livro. Teve algo de distinto nesse alto contraste desse livro novo? Pesou de alguma forma o uso da impressora digital utilizada pra impressão dos livros da Des.Gráfica?
Pois é, na verdade esta foi praticamente a primeira vez que fiz uma HQ completamente PB. Costumo colocar tonzinhos de cores, o que, confesso, sempre alivia. Fazer tudo em PB é um desafio bem maior e fiquei feliz com a impressão, o papel etc da edição.
Queria também que você falasse um pouco, por favor, sobre a Des.Gráfica. Há muitas feiras/convenções rolando que mesclam quadrinhos e outras formas de arte relacionadas a publicações impressas, outras misturam trabalhos autorais/independentes/experimentais com outros mais pop, enfim, há vários choques de realidades muito distantes nesses eventos. Eu achei muito interessante a curadoria e a linha editorial desse evento do MIS. Você notou algo do tipo também? Qual a sua leitura do evento?
Foi muito legal, né? Tem realmente muitos eventos por aí e em geral os mais experimentais em feiras de quadrinhos ficam ali no canto sendo irônicos e usando drogas enquanto trabalham e ficam vendo galére vendendo pôster de Picachu e outras merdas fan-art e cópias de coisas que eles gostam e piadinhas que americanos estavam fazendo 10 anos atrás e Mauricio de Souza artsy comics do Bidu passando por problemas hormonais, daí tem as feiras de publicações com um monte de gente vendendo cupcake de bigode e poesia “eu-pelado-eu-pra lá- nós- perdemos- o vento” e fotos de quinas de parede e essas merdas, e enfim, foi legal demais uma feira específica pra quadrinhos mais estraínhos.
Costumo finalizar essas entrevistas do blog perguntando o que a pessoa está lendo/vendo/ouvindo/assistindo. Tem alguma coisa particular que está no seu radar ultimamente e você acha que as pessoas deveriam prestar atenção? Não precisa necessariamente ser nada novo.
Hmm, tô lendo o livro novo do Caeto, muito massa. Li a hq nova do Gerlach, o Know Houle 5, muito foda. Topografias sou fã! Comprei recentemente também uma coisa antiga que sempre quis, a coleção Nowhere da Debbie Drechsler, que está sendo uma das melhores coisas em hq que já li na vida (Tô lendo bem aos poucos, com medo de acabar). Tô sempre lendo vários livros ao mesmo tempo de téquinho em téquinho, mas comecei agora o Matadouro 5 do Kurt Vonnegut e tô lendo Jerusalém do Simon Montefiore (não, não é o do Allan Moore, heh). Ultimamente tenho assistido Black Mirror, como todo mundo, hehe, acho as premissas incríveis dessa última temporada, mas os roteiros mal escritos principalmente os finais ou as explicações tintin por tintin no meio do episódio, infelizmente, mas enfim, estão tentando simplificar pra atingir um público maior, parece isso. Assistimos o Aquarius também esses dias, muito bom, o contrário disso que estou falando do BM, super subjetivo, super respeitoso com a inteligência do espectador hehe. O Gerla falou do Hipernormalização do Adam Curtis, ainda não vi. Recentemente descobri o Ricky and Morty (minha namorada descobriu e eu vi alguns, recomendo o episódio Total Rickall, seria algo que eu escreveria, de outra forma).