Uma dica pra quem for ao Festival Internacional de Quadrinhos em Belo Horizonte: a quadrinista Amanda Pachoal Miranda estará por lá lançando o belo Hibernáculo. Li o pdf da HQ e gostei bastante da forma como a autora construiu uma história que mistura quadrinhos e música. A publicação é protagonizada por uma pianista às vésperas de uma apresentação e pelas vozes que parecem expressar as reflexões da artista instantes antes de seu espetáculo. Pedi pra quadrinista algumas páginas da obra e também comentários sobre as origens do projeto, os métodos e as técnicas de trabalho dela, as limitações criativas que ela se impôs e a relação entre quadrinhos e música. Saca só:
Você se lembra do instante em que teve a ideia de criar essa HQ?
Essa história surgiu depois de ver diversos vídeos de maquiagem enquanto scrolava o facebook. Me fez pensar no espetáculo e no que há de similar entre uma penteadeira e um piano. E essa imagem de uma mulher destacada entre holofotes se locomovendo para se apresentar me pareceu interessante. À princípio era um texto muito esparso que ia pra vários lados sem consolidar um ponto, a maior parte da edição foi nesse sentido. De encontrar um ponto e fechá-lo na história pra ela ser mais sucinta.
Você poderia falar um pouco de seus métodos de trabalhos, das técnicas que utilizou e como foi o desenvolvimento desse quadrinho?
Depois de ‘ver a imagem’ eu penso sobre como quero quadrinizá-la, meus trabalhos anteriores têm uma carga gráfica muito mais pesada e detalhada do que esse. Decidi me desafiar a trabalhar com uma fórmula clássica, um grid de 3×3 quadros por página, e explorar mais o ritmo em quadrinhos, uma qualidade que eu não dominava tanto assim. O desenho é mais manchado e fluído, rolando um interesse maior pelo formato e pelo movimento das coisas do que nos detalhes.
Eu gostaria de saber mais sobre as restrições que você se impôs nesse trabalho. O quanto essa imposição de trabalhar com um grid fixos determinou o desenvolvimento da HQ?
Acredito que a limitação te dá um gás criativo muito grande. Pensar na limitação que você poderá imprimir, no que teu orçamento permite bancar em questão de cor e acabamento. Todas essas coisas podem te fazer encontrar saídas criativas interessantes. É a primeira vez que faço um quadrinho que realmente precisava ser preto e branco e fiquei feliz com isso. A limitação técnica do grid permitiu me focar em chegar no ritmo que eu gostaria pra história, sem me perder em adornos ilustrativos.
Eu também gostaria de saber mais sobre a decisão de misturar quadrinhos e música. Como foi criar uma interação entre essas duas linguagens?
Sou muito próxima da música, apesar de não tocar nenhum instrumento. Meu pai e padrasto trabalharam com música, muitos amigos meus tocam, comecei a aprender inglês lendo encartes e hoje trabalho fazendo artes para bandas. Enquanto eu lia sobre ritmo em quadrinhos pensei sobre ritmo em música, na fórmula dura de uma partitura. Li mais sobre os primórdios da notação musical e cheguei na história de um padre, que foi quem formalizou a maneira de se pautar. E a partir disso criei esse comentário fictício que aparece na HQ, onde quem teria criado a notação seria Bach (um homem extremamente religioso também) e das possibilidades para tal inspiração.