Márcio Paixão Jr. fala sobre O Lobisomem Errante, nova HQ de Julio Shimamoto: “É terror e erotismo, mas em uma abordagem distinta de tudo que ele já produziu”

Na avaliação do editor, pesquisador e músico Márcio Paixão Jr., a HQ O Lobisomem Errante apresenta uma abordagem inédita e distinta de tudo o que o quadrinista Julio Shimamoto já produziu nos gêneros de terror e erotismo. “Há algo de anárquico na HQ que não consigo enxergar no restante de sua obra”, me diz o editor do título recém-anunciado pela editora MMarte – a mesma que publicou O Ditador Frankenstein e Outras Histórias de Terror, Tortura e Milicos e Cidade de Sangue (com roteiro de Paixão Jr.).

As 40 páginas em preto e branco de O Lobisomem Errante, desenhadas em caneta Bic, terão apenas 220 exemplares impressos – todos acompanhados de um gravura autografada pelo autor (reproduzida acima). A sinopse oficial da HQ fala do empenho da Dra. Kelly Lupini em conseguir a cura para para um maldição que acomete um rapaz em noites de lua cheia.

O editor do projeto conta que o quadrinho foi produzido por Shimamoto há vários anos, mas jamais chegou a ser publicado. O autor, aliás, nem se lembrava desse trabalho até esbarrar com ele em uma gaveta. Bati um papo rápido com Márcio Paixão Jr. sobre a chegada de O Lobisomem Errante até ele, sua percepção do projeto como uma “pornochanchada em quadrinhos” e o interesse crescente de uma nova geração de leitores nos trabalhos de Shimamoto. Papo massa, saca só:

Qual foi o ponto de partida de O Lobisomem Errante? Trata-se de um trabalho antigo do Shimamoto, mas é uma obra inédita, certo? Como ela chega até você?

O Shima vasculhava umas gavetas quando se deparou com essa HQ – que sequer recordava ter feito. Como era algo muito pitoresco dentro da própria produção dele, me procurou pra ver se eu tinha alguma ideia de como publicá-la. É lógico que a MMarte jamais deixaria passar essa oportunidade. 

O que você pode adiantar sobre a história desse quadrinho?

Lobisomens, sexo e um final feliz.

Você classifica O Lobisomem Errante como uma “pornochanchada quadrinística”. O que você quer dizer com isso? Você consegue pensar outras obras que poderiam se encaixar nesse gênero?

A pornochanchada foi um dos gêneros mais populares do cinema brasileiro – um dos raros que se sustentaram exclusivamente nas bilheterias. Produzidos em São Paulo, na mítica Boca do Lixo, eram filmes de baixo orçamento, mas de grande apelo popular – principalmente devido ao humor e ao erotismo. Também foi em São Paulo, por meio de pequenas editoras (como Outubro e La Selva) que o terror – com acentuado tempero erótico – se tornou, por décadas, um sucesso de público nos quadrinhos brasileiros. Apesar de pouco notados, esses paralelos são inequívocos para mim. Uma produção à margem da intelectualidade, mas com poderoso vínculo popular.  É neste sentido que classifico O Lobisomem Errante como uma pornochanchada quadrinística, pois existe ali humor insólito e sexo em alta voltagem. Creio que boa parte da produção da paranaense Grafipar pode ser enquadrada na mesma categoria.

“Shimamoto é um punk em última instância”

A capa de O Lobisomem Errante, HQ de Julio Shimamoto

O Shimamoto é conhecido por seu domínio de diferentes técnicas, que variam de trabalho para trabalho. Qual foi a técnica usada por ele em O Lobisomem Errante?

Caneta Bic. Direto no papel, sem esboço prévio. Tenho quase certeza que ele produziu a HQ inteira em uma única sentada. Essa abordagem visceral e ruidosa é que torna a HQ ímpar dentro da obra do Shima. E o mais impressionante é ver a inacreditável qualidade estrutural do seu desenho emergindo de uma finalização propositalmente precária. É como se ele desse vazão à sua alma punk. Não duvide: Shimamoto é um punk em última instância. 

Como foi o desenvolvimento do projeto gráfico desse quadrinho? Como vocês chegaram no formato no qual ele vai ser impresso?

Foi a própria natureza da HQ que definiu a edição de O Lobisomem Errante. Um trabalho tão atípico de Shimamoto não poderia receber um tratamento convencional. Para começar, respeitamos o original em formato de tira horizontal utilizado por Shima. Se o leitor procura uma história densa e profunda, existem infinitas outras HQs mais apropriadas. O Lobisomem Errante é um experimento íntimo e absolutamente livre. E foi assim que o tratamos. A capa foi impressa em serigrafia, uma a uma, em prata sobre preto – numa brincadeira com a lenda do lobisomem. A tiragem é limitada a 220 exemplares, todos numerados e assinados por Shima. Acompanha a edição uma gravura no formato A5, também em serigrafia numerada e assinada– num daqueles desenhos estonteantes, misturando várias técnicas, como raspagem em cerâmica, retículas coladas à mão e por aí vai. A pré-venda (com frete grátis) está aberta e os envios começam dia 30 de novembro próximo. A MMarte tratou O Lobisomem Errante não como um gibi, mas como uma obra do Shimamoto, onde cada exemplar é único e passou pelas mãos do mestre. Um pequeno tesouro, na minha opinião. 

“Há algo de anárquico que não consigo enxergar no restante de sua obra”

Julio Shimamoto autografando O Lobisomem Errante (Márcia Yumi/Divulgação)

Como você contextualiza O Lobisomem Errante em relação às demais produções do Shimamoto? Ela dialoga com algum período mais específico da carreira dele?

Horror e erotismo foram gêneros de primeira grandeza no saudoso “gibi de banca” brasileiro – que tem em Shimamoto um de seus nomes mais emblemáticos. O Lobisomem Errante traz terror e erotismo, mas em uma abordagem inédita e distinta de tudo que o autor já produziu. Há algo de anárquico na HQ que não consigo enxergar no restante de sua obra

Vejo um interesse crescente nos últimos anos em torno da obra do Shimamoto, muito fomentado pelo lançamento de O Ditador Frankenstein e Cidade de Sangue. Como você vê esse reconhecimento e essa descoberta das obras dele por novas gerações?

O quadrinho popular brasileiro é algo que me é muito caro. Autores como Flavio Colin, Lyrio Aragão e Jayme Cortez – sobre quem estou concluindo um doutorado e uma animação – merecem o olhar de novos leitores. Eles são um patrimônio das nossas artes, da nossa cultura. Shima é um caso particular: aos 81 anos de idade, segue produzindo com o vigor de um garoto. Por isso começamos com Cidade de Sangue, uma HQ atual que deixou claro que, antes de mais nada, Shima é um autor tão contemporâneo quanto Shiko, [Marcelo] Quintanilha ou João Pinheiro. Todos estes mestres possuem uma obra vastíssima que precisa reencontrar o público. Só temos a ganhar com isso.  

Julio Shimamoto com a gravura que acompanha as edições de O Lobisomem Errante (Márcia Yumi/Divulgação)


Publicado

em

,

por

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *