Gosto bastante de ver quadrinistas/ilustradores em ação fora de suas zonas de conforto e também propondo novas possibilidades de uso da linguagem das HQs. O conceito do festival Traço – Música e Desenhos ao Vivo em Belo Horizonte investe exatamente nessas ideias. Marcado pra rolar na capital de Minas Gerais entre os dias 4 e 6 de agosto de 2016 na casa de shows A Autêntica, o evento é organizado pelo quadrinista Jão e pela jornalista Helen Murta e reúne em um mesmo palco vários músicos a alguns dos autores de HQs mais interessantes da cena nacional.
Para essa próxima edição do evento, além de artistas mineiros, também foram convidados autores de outros estados, como André Dahmer, Lovelove6, Rafael Coutinho e a Karina Buhr (pra desenhar e não cantar) e bandas como O Lendário Chucrobillyman e Curumin. Além das apresentações ao vivo, o festival também contará com lançamentos de livros e alguns debates com temas bem interessantes (Vida selvagem: Pagando as Contas com Quadrinhos, Ebulição: Mercado Gráfico Agora e Produção de Risco: Lugares e Possibilidades da Cultura).
Um dos responsáveis pelo festival e autor do excelente Baixo Centro, lançado ano passado pela editora Miguilim, o Jão bateu um papo por email comigo falando sobre as origens do evento, a dinâmica da produção ao vivo de uma obra com música tocando e a experiência de assistir esse tipo de apresentação. Segue o papo e o teaser do evento, com a parte de animação produzida também pelo Jão:
Quais são os critérios para a escolha dessa determinada seleção de músicos e artistas do festival e como foi feita a combinação de ilustradores/músicos?
A curadoria do festival sempre foi feita pensando em mostrar um panorama do que é produzido em termos de música e artes visuais aqui em Belo Horizonte. De minha parte, que cuido mais especificamente da seleção de desenhistas, gosto de convidar os quadrinistas que admiro, mas sempre aparecem artistas de outras áreas como pintura, ilustração, artes gráficas, grafite. Da parte musical, na qual a curadoria é feita pela produtora e jornalista Helen Murta, as escolhas são bem voltadas para a produção independente e ela também segue o princípio da variedade de estilos e formatos.
Já a combinação é feita a partir das atrações que gostaríamos de incluir no festival, mas, muitas vezes, a escolha de um desenhista determina qual banda chamaremos e vice-versa. Nossa ideia é proporcionar uma experiência inédita para o público, então tentamos formatar performances que se aproximem ao máximo desse ideal, embora, em algumas oportunidades, tenhamos partido mais de uma provocação, reunindo banda e desenhista com trabalhos que não se aproximavam, para ver o que sairia daquela apresentação. Normalmente nós marcamos reuniões de criação também, que é uma oportunidade para os músicos e desenhistas alinharem suas propostas. Nem sempre é possível, mas muitas coisas legais já saíram desses encontros.
Que desafio representa pra você criar/desenhar ao vivo enquanto um músico toca? Você já chega na apresentação com alguma ideia de ilustração em mente ou deixar pra ter a ideia e fazer tudo ali, na hora?
Um dos princípios do Traço foi justamente tirar o desenhista de seu espaço de criação e colocá-lo no palco, junto com uma banda e com uma câmera transmitindo ao vivo o que ele está produzindo em um telão, com o público todo ali assistindo. É um desafio interessante, pois muitos dos criadores de imagens não tiveram essa experiência de trabalhar com diversas pessoas olhando. Em meu caso, já trabalhei alguns formatos diferentes de apresentação: já fiz histórias em quadrinhos com um roteiro definido, já fiz sem nenhum roteiro (só umas ideias e anotações mentais), mas sempre escuto o som das bandas para tentar entrar no clima e ver o que será melhor naquela oportunidade. Mas no festival nós costumamos deixar bem em aberto às propostas de cada artista. Alguns já foram com uma ideia formatada, enquanto outros deixaram para pensar tudo na hora.
E como espectador, o que acrescenta para você ver um ilustrador desenhar quanto um músico toca e ver um músico tocar enquanto um ilustrador desenha?
Assim como para o desenhista é uma experiência inusitada estar num palco junto com uma banda, para o público acho que acontece a mesma coisa. É uma oportunidade de ver o trabalho sendo construído ao vivo, e quando o artista é alguém que o espectador admira, essa experiência é potencializada. E ainda tem a música, que abre novas possibilidades de interpretação. Do outro lado, para os músicos, funciona da mesma forma: ter um desenhista criando imagens ao som da banda geram novas possibilidades também.
Um dos objetivos do festival é promover o contato de públicos diferentes. No Traço é possível você encontrar tanto gente que está ali para ver um desenhista quanto gente que foi para ver uma banda e isso é muito legal, porque já aconteceram diversas situações em que o público descobriu um trabalho que em outras oportunidades não chegaria para ele.
Você gosta de desenhar ouvindo música? O que você gosta de ouvir? O que você mais escutou enquanto produzia o Baixo Centro?
Sei que parece heresia, mas nunca escuto música quando desenho. Ao menos não na parte que faço o esboço. Já no processo de arte-final eu escuto sim. Gosto de ouvir músicas instrumentais pois me concentram no que estou fazendo. Ao mesmo tempo, a música é muito importante para o meu trabalho. Muitas e muitas histórias surgiram a partir de músicas que escutei. Gosto de buscar novas possibilidades para o meu trabalho a partir da música e acredito que é importante abrir esse leque para a evolução. Já enquanto eu fazia o Baixo Centro, escutei muito uma banda daqui de BH chamada Coletivo Dinamite. Ela foi tão importante que conversei com os caras para usar uma música deles no booktrailer, pois gostaria que os leitores tivessem um pouco da experiência que chegou para mim enquanto produzia.
Saca a íntegra da programação do Traço:
Local: A Autêntica – Rua Alagoas, 1172, Funcionários (Belo Horizonte, Minas Gerais)
Entrada: gratuita mediante retirada de ingresso no local
Classificação: 18 anos
Programação do dia 4 de agosto, 5ª:
20h – Lançamento do livro Quadrinhos dos anos 10, de André Dahmer (Quadrinhos na Cia.,2016)
20h – Debate Produção de risco: Lugares e possibilidades da cultura. Com Gabriela Carvalho, Ione de Medeiros, Jonnatha Horta Fortes, Leo Moraes, Rodrigo Cunha. Mediação: Helen Murta
Apresentações:
23h – Di Souza com Criola // 1h – Iconili com André Dahmer
DJ Yuga
Programação do dia 5 de agosto, 6ª:
20h – Debate Ebulição: Mercado gráfico agora. Com Jão, João Perdigão, Maíra Nassif, Rafael Coutinho. Mediação: Matheus Ferreira
Apresentações
22h – Fadarobocoptubarão com Jão // 1h – O Lendário Chucrobillyman com Rafael Coutinho
DJ Meio Desligado
Programação do dia 6 de agosto, sábado:
14h – Lançamento da nova edição do livro Ryotiras Omnibus, de Ricardo Tokumoto (Editora Miguilim)
16h – Lançamento do livro Juventude, de Chantal Herskovic (Editora Miguilim)
17h – Debate Vida selvagem: Pagando as contas com quadrinhos. Com Aline Lemos, Lovelove6, Ricardo Tokumoto, Rafael Coutinho. Mediação: Jão
19h – Debate Independente e além: Por onde anda a música autoral. Com Curumin, Karina Buhr, Marcelo Santiago, Sara Não Tem Nome. Mediação: Carol Bicalho
Apresentações
21h – Astigmatrio com Alves // 23h – Sara Não Tem Nome com Lovelove6 // 1h – Curumin com Karina Buhr
DJ Luiz Valente