Conversei com o quadrinista norte-americano Adrian Tomine sobre A Solidão de Um Quadrinho Sem Fim (Nemo), obra mais recente do autor de Intrusos e da série Optic Nerve. Esse papo e o lançamento desse novo trabalho dele em português, em tradução de Érico Assis, foram o tema da 12ª edição da Sarjeta, minha coluna mensal sobre histórias em quadrinhos publicada no site do Instituto Itaú Cultural.
Recomendo a leitura do meu texto para você saber um pouco mais sobre A Solidão de Um Quadrinho Sem Fim. Também recomendo uma conferida na minha outra conversa com o autor, feita no ano passado, quando Intrusos foi publicado no Brasil – papo que rendeu uma matéria para o jornal O Globo. Por fim, deixo a dica de uma investida no vasto arquivo do Vitralizado focado na produção de Tomine.
Também dê uma conferida na minha resenha sobre A Solidão e, por fim, leia a entrevista a seguir, a íntegra dessa minha conversa mais recente com o autor – traduzida por Érico Assis. Tomine é, sem dúvidas, um dos grandes nomes das HQs ocidentais das últimas décadas e suspeito que esse trabalho mais recente dele acabe em muitas listas de melhores de 2020 quando o ano estiver chegando ao fim. A seguir, o meu papo com Adrian Tomine:
“Eu queria fazer um álbum diferente do que eu tenho feito”
Como você está? Como está lidando com a pandemia? Ela afetou de alguma forma a sua rotina de trabalho? Como vocês se organizaram com os eventos de divulgação online do livro sem a possibilidade de eventos físicos?
Ter que cancelar a turnê do livro foi uma decepção. Mas estamos aí em seis meses de decepções de todos os níveis, e publicar meu livro estava bem abaixo na escala de preocupação. Acho que a ‘turnê virtual’ foi um sucesso que me pegou de surpresa, e também acho que eu consegui me abrir mais e falar mais nesse formato, se comparar a quando eu fico sentado num palco de frente para a plateia. Agradeço a quem assistiu pela internet e comprou o livro, e espero que eu possa fazer uma turnê grande e que eu autografe tantos livros quanto possível quando for seguro.
Você já publicou obras autobiográficas, mas nenhum tão pessoal como esse livro novo. Como foi essa experiência?
Sim, não tenha dúvida que foi um desafio. Principalmente depois que eu fiquei à vontade para escrever ficção. Só que eu queria fazer um álbum diferente do que eu tenho feito e achei que não tinha sentido fazer um autobiográfico se não fosse uma coisa pessoal nem em que eu me expusesse.
“A solidão me levou a ler e a fazer quadrinhos”
Quando conversamos pela primeira vez, você falou: “Os tipos de histórias que eu crio são resultado direto de eu observar, escutar e matutar”. Você comentou como a observação é “importante para se chegar na escrita que é crível e se identifica como humano”. Ter você como protagonista tornou essa busca por credibilidade de alguma forma mais difícil?
Não, acho que não. Acho que, quando eu entro no estado mental certo, é fácil me observar e ser brutal comigo.
Gosto da presença da palavra “solidão” no título, porque muito do livro é sobre a sua relação com você mesmo. O que a solidão representa para você? Como a solidão se faz presente no seu trabalho?
A solidão é inescapável à minha personalidade. É o que me levou a ler e a fazer quadrinhos. Por ironia, também é um dos resultados inerentes de ser profissional de quadrinhos. Mas, mesmo fora do trabalho, é uma sensação onipresente dentro de mim, mesmo quando estou ocupado e minha vida me satisfaz.
“Concebi o formato em conjunção com o conteúdo”
E o quanto essa solidão foi afetada pela formação da sua família? Casar e ter filhas afetou de alguma forma como você se vê como artista e a sua rotina profissional?
Ter família diminuiu um pouco dessa sensação, ainda mais durante essa experiência de confinados. Comecei a desejar solidão!
Gosto de títulos longos e o título desse livro novo é não apenas longo, mas também muito poético. Você pode falar um pouco sobre as origens desse título? Em que momento da produção do livro ele surgiu?
Por algum motivo, peguei o hábito de batizar minhas obras autobiográficas seguindo obras de arte maiores e mais importantes. Scenes from an Impending Marriage [Cenas de um Casamento Iminente] é brincadeira com o título do Bergman. Este novo, obviamente, se baseia no [conto de] Sillitoe. Não era um título que eu tinha desde o começo, mas brotou na minha cabeça quando estava finalizando o álbum e não pensei em nada melhor!
O formato do livro torna a experiência de leitura ainda mais intimista, como se eu estivesse lendo um diário pessoal. Você sempre teve esse design em mente?
Sim, o formato é uma coisa que eu concebi em conjunção com o conteúdo. Foi por isso que eu tive que me empenhar para mantermos o plano, mesmo que tenha sido excepcionalmente difícil e caro nos primeiros dias de quarentena.
“Faz um tempo que tenho ideia de usar essas memórias em livro”
Fico curioso em relação à sua memória. Você se considera uma pessoa boa de memória? Você tem o hábito de registrar eventos particulares da sua vida? Você sempre teve em mente a possibilidade de transformar as suas vivências em histórias em quadrinhos?
Todas as histórias são verdadeiras para mim. Essas duas palavras no final da frase são muito importantes, pois tenho certeza de que outros vão contestar detalhes e não tenho como garantir que minhas memórias não foram afetadas pela experiência de lembrar e contar estas anedotas com o passar dos anos. Faz um tempo que tenho ideia de usar essas memórias em livro, mas foi só depois dos fatos do último capítulo que eu entendi como podia juntar tudo.
O quanto os grids que você estabeleceu como padrão auxiliaram na produção desse livro?
São muito úteis, pois eu nunca tive que pensar no grid! Tentei desenhar esse álbum do jeito mais rápido e mais direto possível, e não queria perder tempo pensando em layout exibido.
Eu queria saber sobre a sua relação com a crítica e a cobertura de seus trabalhos. Imagino que você esteja no olho do furacão dessa experiência, dando várias entrevistas e o livro recebendo várias resenhas. O que você sente em relação a toda essa exposição?
Já tem um tempo que eu faço isso, por isso me acostumei. Não curto o processo, mas sei que é necessário. Tenho uma editora ótima, uma assessora ótima, que deixa tudo o mais agradável possível pra mim. Mas, no geral, prefiro a fase mais anônima, a da criação.
“Entendo a conveniência da Amazon, mas, em termos de livrarias, eu a vejo como um inimigo inegável”
Quais materiais você usou durante a produção desse livro?
Papel barato, canetão PITT e uma caneta tinteiro do Japão. E só.
Você pode me falar como é seu ambiente de trabalho? Você poderia descrever o local no qual esse livro novo foi criado?
Não tem nada de mais. É um canto do nosso quarto de casal. Tenho uma mesa de desenho antiga que comprei quando me mudei pra Nova York e é isso. Tentei alugar um estúdio por um tempo, mas não curtia o trânsito (mesmo que fosse a três quadras).
Você e a Drawn & Quarterly têm feito um trabalho muito cuidadoso de promover a venda desse livro novo em lojas independentes durante a pandemia. O quanto essas lojas são importantes para você? O crescimento da Amazon te preocupa?
Pois é, isso é uma cruzada pessoal e tenho a sorte de uma editora que se alinha com o que eu penso. Muitas lojas vão e vêm em Nova York, mas as perdas que mais me doem e que mais perduram são das livrarias e lojas de HQ que somem. Entendo a conveniência da Amazon, mas, em termos de livrarias, eu a vejo como um inimigo inegável.
Você pode recomendar alguma coisa que esteja lendo, assistindo ou ouvindo no momento?
Acabei de ler uma HQ chamada Sunday, de Olivier Schrauwen, e achei ótima. Fico animado em ver a Drawn & Quarterly publicando Yoshiharu Tsuge. De cinema, sempre recomendo O Matador de Ovelhas. Também estou ansioso pela segunda temporada de Pen15.
Essa última é mais uma curiosidade pessoal… Você assiste à série High Maintenance? Eu vejo um diálogo imenso entre essa série e o seu trabalho, com pequenas crônicas sobre solidão e relacionamentos na cidade grande.
Claro. E amo.