Papo com Dandara Palankof, Maria Clara Carneiro e Mitie Taketani, curadoras da 7ª Bienal de Quadrinhos de Curitiba

A 7ª Bienal de Quadrinhos de Curitiba acontece entre os dias 7 e 10 de setembro, no Museu Municipal de Arte (MuMA) da capital paranaense, com o tema Resistências, Existências: Quadrinhos e Corpos Plurais. Entrevistei as três curadoras do evento: Dandara Palankof (tradutora, editora da Mythos Editora e coeditora da Revista Plaf), Maria Clara Carneiro (pesquisadora, tradutora, professora da Universidade Federal de Santa Maria e uma das organizadoras do Prêmio Grampo) e Mitie Taketani (proprietária da Itiban Comic Shop).

Elas falaram de suas expectativas para o evento, da definição do tema e dos convidados, da escolha da letrista Lilian Mitsunaga como homenageada, da primeira Bienal pós-Bolsonaro e pós-pandemia e da importância de debates e discussões sobre quadrinhos para o mercado nacional de HQs.

Entre as atrações da Bienal estão a feita Muvuca, com a presença de quadrinistas de vários estados do país; exposições de artes originais; além de debates, conversas e sessões de autógrafos com a participações de autores brasileiros e estrangeiros. Você confere a programação completa clicando aqui.

Sou um dos convidado da Bienal, junto com um monte de gente incrível (já viu a lista?). No dia 7, às 11h, vou falar sobre a produção do meu livro, Vitralizado – HQs e o Mundo (MMarte). Depois (dia 7, às 18h) converso com Dandara Palankof, Gabriela Borges e Mariana Viana (com mediação de Luciana Melo) sobre jornalismo especializado em histórias em quadrinhos. Aí dia 8, 17h30, rola uma sessão de autógrafos do meu livro. Encerro minha participação no dia 9, sábado, às 19h30, entrevistando o quadrinista Marcelo D’Salete.

Compartilho a seguir a íntegra da minha entrevista com as três curadoras da 7ª Bienal de Quadrinhos de Curitiba (no abre, o cartaz da quadrinista argentina María Luque):

“Mais uma retomada após um período de trevas”

O cartaz assinado pela quadrinista Tai para a 7ª Bienal de Quadrinhos de Curitiba (Divulgação)

Escrevo para vocês faltando pouco menos de um mês para o início da Bienal. Quais são as suas principais expectativas para o evento?

Maria Clara Carneiro: Muita emoção ver a Bienal retornando ao presencial. Lembro como se fosse ontem, na Bienal de 2016, encontrar amigos no gramado para entoar juntos um Fora Temer. Ou, em 2018, quando a notícia de uma facada, nos primeiros dias, nos deixaria incrédulos e tensos. Pensar que vai acontecer o evento ali de novo, sem esses pesos nos ombros, dá muito alívio. 

Mitie Taketani: Estou bem contente com as companheiras da curadoria e espero que as pessoas lotem todas as atividades: palestras, debates, oficinas, exposições  e claro, que a feira Muvuca dê muito dindin pra todes! Ah, se rolar uma sessão pipoca com a notícia do #bozo #nacadeia seria demais! 

Dandara Palankof: Eu tô bem empolgada, é minha primeira Bienal – eu seria uma das convidadas da edição de 2020, mas aí veio a pandemia. Receber esse convite pra integrar a equipe de curadoria (melhor acompanhada, impossível) foi uma grande alegria, e uma grande responsabilidade. Mas estou muito ansiosa pra ver de perto esse evento do qual todos falam com tanto carinho, ver mais uma retomada após esse período de trevas que passamos, celebrar mais uma vez a vida e nossa resiliência em viver – que é justamente o tema da Bienal. Acho que vai ser um evento lindo.

Na página da Bienal vocês falam sobre as motivações para a escolha do tema “Resistências, existências: quadrinhos e corpos plurais” como uma reação “aos discursos de poder, centrados no patriarcado”. Vocês podem contar um pouco, por favor, sobre os debates que levaram à escolha desse tema?

MC: Quando fomos convidadas, o tópico já era ser uma bienal pós-apocalíptica, depois desse mundo que quase ruiu tantas vezes nesses últimos três anos. E não adianta o mundo acabar se a gente continuar repetindo os mesmos padrões, não é? Passamos mesmo por um fim do mundo, e o mundo que existia já não era suficiente. A crise que nos abateu não foi apenas sanitária ou política, ela chegou acompanhada de uma importante crise de identidade que vinha se instaurando há um tempinho já, em que começamos a rever conceitos: o que significa gênero, as relações de classe. Essa crise de identidade não é necessariamente ruim: nessa última década, muita gente se percebeu queer, periférica, preta, a se identificar assim e a reconhecer-se dentro de um campo importante de lutas, a perceber pertencimento. Nesse contexto, a gente sabia que deveria ser uma bienal que desse visibilidade a essa vontade de mudança, a pessoas e existências tradicionalmente escondidas. Como escreveu Kael Vitorelo para a exposição Resistências, que vai ocupar uma das salas do MUMA a partir do dia 7, “‘Resistir’, não porque é a via mais estratégica, tampouco pela conveniência, mas sim porque é possível e porque é potente. ‘Resistir’ é urgente porque é a última via possível antes de deixar de existir – para a população negra, indígena, LGBT+, deficiente, neurodivergente, para as mulheres, e tantos outros grupos que foram e continuam sendo perseguidos”.     

Material de divulgação da 7ª Bienal de Quadrinhos de Curitiba (Divulgação)

E como esse tema guiou a escolha dos convidados da edição?

MC: Assim, a gente começou a pensar, a princípio, em pessoas que vêm trabalhando a partir dessas questões, e daí foi um grande quebra-cabeça para variar bastante estilos, formas de fazer e, ao mesmo tempo, pensar conversas possíveis entre as convidadas. 

DP: A gente queria ter convidados que pudessem refletir a efervescência da nossa cena de quadrinhos em uma de suas principais características, que é essa pluralidade – nascida a partir de uma série de fatores que escancararam pro debate público que os padrões dominantes eram sufocantes não só pros indivíduos que não se encaixavam neles, mas pra nossa potencialidade enquanto corpo social. A ideia era ter esses integrantes do cenário de quadrinhos alinhades a essa visão nos seus discursos, nas suas obras, e até mesmo na afirmação de sua existência (visto que esse recrudescimento social tão violento visava muito claramente o apagamento literal dessas existências divergentes). A gente espera com isso celebrar a contínua evolução da nossa cena quadrinística e também as potências dessa expressão como forma de pensar o mundo que nos rodeia.

Vocês também podem falar, por favor, sobre a escolha da Lilian Mitsunaga como homenageada do evento? Quais vocês consideram as principais contribuições dela para os quadrinhos brasileiros?

MC: A partir desse contexto de tornar visível o invisível, pensamos bastante nas questões de trabalho no quadrinho: os eventos de quadrinho já existem para mostrar que a história pronta, seja em livro, revista, web, têm alguém de carne e osso que realiza. Que envolve pessoas reais e não é algo mágico. E um dos trabalhos mais elaborados porém invisível na cadeia de produção de uma história em quadrinhos é a letra, o letreiramento. Nesse contexto, é de se admirar que a Lilian acumula quatro décadas de carreira e é uma das profissionais mais requisitadas no meio, tendo iniciado sua carreira em gibis Disney, fazendo letras à mão, e hoje recria e cria letras digitalmente. Além disso, seu trabalho é justamente o de deixar visível algo invisível: a escrita deixa a palavra visível, e o quadrinho é uma das linguagens que mais valoriza a visualidade do texto.  

DP: A Lilian é uma das profissionais mais relevantes do nosso meio, de um talento ímpar e que não só deixou sua marca como profissional, como acompanhou como poucos o desenvolvimento de uma fase muito importante do nosso mercado –  e fez quarenta anos de carreira em plena pandemia. A gente sentiu que ela não tinha recebido a devida reverência diante desse fato, e espera poder contornar um pouco isso com essa merecidíssima homenagem da Bienal.

“As verdadeiras (r)evoluções não vêm sem alegria”

O cartaz assinado pela quadrinista Ilustralu para a 7ª Bienal de Quadrinhos de Curitiba (Divulgação)

A Bienal de 2023 será a primeira pós-Bolsonaro e pós-pandemia. Qual o significado disso para vocês?

MC: Também é a primeira Bienal pós meu primeiro filho. A gente conversou muito sobre essa ideia de renascimento, de reunir-se e abraçar-se depois de tanta tristeza. Dessa vez, vou acabar não indo por conta de questões dele, mas ainda me imagino abraçando os amigos no gramado do MUMA sem nem pensar no que passou. 

MT: Apesar das sequelas deixadas pelo desgoverno e pela Covid-19 nós conseguimos nos unir pra fazer um grande evento. É difícil traduzir em palavras a magia que acontece no “ao vivo”. Emocionante e gostoso demais.

DP: É uma grande catarse, desde os primeiros eventos do ano passado que tudo tem sido uma grande catarse – de redescobrimento do coletivo, do estar junto, e de poder agora ver ao menos uma luz ali na frente, uma tentativa de contenção da barbárie. Acho que, no fim das contas, tudo remonta mesmo ao tema desse ano: a gente existe, a gente resiste e a gente quer muito brigar por tudo isso – mas também celebrar, porque as verdadeiras (r)evoluções não vêm sem alegria.

A Bienal e o FIQ têm suas feiras e espaços de venda, mas me parecem eventos mais voltados para a reflexão e o debate. Qual vocês acreditam ser o papel de encontros do tipo em um ambiente cada vez mais centrado em consumo e colecionismo?

MC: A Bienal e o FIQ são pensados em torno do debate e também da gratuidade. Acreditamos que sejam, principalmente, eventos formadores, tanto para criar novos leitores como para ajudar futuros autores. É uma questão já bastante debatida em outras áreas, de que não adianta um megaevento em que se venda muito bem se não se forma a base que vai sustentar essa cena para além do megaevento. Sem contar quando um evento tipo Olimpíadas ou Copa do Mundo não implicam investimentos que acabam tirando espaço de outros eventos ou outras áreas. Por exemplo, a Bienal conta com verba de editais públicos e do investimento dos próprios autores que trazem seu material para a feira. Ela cresceria muito com apoio de editoras, por exemplo, mas muitas preferem alocar suas forças nos megaeventos, como se eventos do tipo da Bienal fossem menos atrativos para suas estratégias de marketing. Mas a professora que vai indicar o livro de quadrinhos tal na escola não consegue ir ao megaevento, ela vai em um evento gratuito como o FIQ e a Bienal, é algo que funciona a médio e longo prazo, dá sustentabilidade para além dos algoritmos das lojas virtuais… Assim, agradecemos muito aos autores e editoras que estão apoiando a Bienal, pois entendem a importância desse evento para a sustentabilidade da cena. E é bom lembrar que o FIQ realiza atividades para além do evento, assim como a Bienal que, com o projeto Brasil em Quadrinhos, vem levando autores brasileiros para terras estrangeiras, um trabalho de diplomacia que já resultou em publicações de autores nacionais no exterior, além da circulação de exposições no Brasil também. E todos esses exemplos, da professora que indica o livro para a biblioteca da escola à venda de direito autoral também significam economia fortalecida para além de um evento pontual.

Foto da exposição na edição de 2018 da Bienal de Quadrinhos de Curitiba (Divulgação/Flavio Rocha)
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