Eu Matei Adolf Hitler é o segundo álbum do quadrinista norueguês Jason publicado no Brasil. O primeiro, Sshhhh!, saiu por aqui em 2017 pela mesma editora Mino que lança a ficção científica com a presença do líder nazista. Torço para que não fique apenas nesses dois e logo mais cheguem outros trabalhos do autor em português.
Ontem eu publiquei aqui no blog uma matéria na qual falo mais sobre Eu Matei Adolf Hitler, o estilo do autor, as técnicas utilizadas por Jason e alguns dos temas mais caros a ele. Hoje eu reproduzo a íntegra da minha entrevista com o artista. Papo bom demais – assim como a entrevista dada por ele ao blog em 2017, na época do lançamento de Sshhhh!. Saca só:
“O Hitler não é realmente importante na história, ele só aparece em alguns painéis. Eu estava mais interessado nos outros personagens”
Quais são as suas memórias mais antigas relacionadas a quadrinhos?
A leitura dos quadrinhos da minha irmã mais velha, que era uma série da Europa Ocidental chamada Silver Arrow. Tenho certeza que devo ter lido alguns Pato Donald, que eram muito populares na Escandinávia, e ocasionalmente quadrinhos de super-heróis. Depois, descobri os álbuns de Tintin na biblioteca e realmente gostei deles.
Quais técnicas você utilizou para criar Eu Matei Adolf Hitler? Você usa apenas papel e tinta?
Eu uso um pena e tinta. Eu gosto do efeito de variação na linha. Eu não faço nada no computador. Eu não tenho uma Cintiq ou algo assim. Chama-se Cintiq? Não tenho certeza. Eu não gosto de quadrinhos que tenham cara de computador. Os desenhos e as letras devem estar no mesmo ambiente, não gosto de colocar depois no Photoshop. Eu faço o letreiramento dos meus quadrinhos a mão. Para a edição brasileira eles estão utilizando uma fonte, mas pelo menos ela é baseado no meu letreiramento manual.
Você se lembra do momento em que teve a ideia de criar Eu Matei Adolf Hitler? Se sim, você poderia me dizer como isso aconteceu?
Eu queria fazer uma história com máquina do tempo e matar o Hitler é uma ideia meio óbvia. Ao mesmo tempo, o Hitler não é realmente importante na história, ele só aparece em alguns painéis. Eu estava mais interessado nos outros personagens, no casal principal que faz a viagem no tempo e em como todos esses acontecimentos da história os afetam.
“Você só precisa olhar para o que está acontecendo na sociedade hoje. Os sinais não são nada bons”
Você já pensou sobre a ideia de matar Adolf Hitler? Você faria isso se tivesse uma máquina do tempo?
Não, eu nunca pensei sobre isso. Eu não sei o que faria com uma máquina do tempo. O Louis CK tem uma piada ótima sobre isso, que ele não a usaria, ou talvez apenas colocasse uma bebida nela.
Seu personagem principal chega no passado antes da Segunda Guerra Mundial, quando Hitler era apenas uma sombra do que ele se tornaria. Há muitos políticos de extrema-direita em posições de liderança no mundo agora – Trump nos EUA, Bolsonaro aqui no Brasil e Marine Le Pen na França, por exemplo. Você está preocupado com o nosso futuro? Você é otimista?
Não, não, sou bem pessimista em relação ao futuro. Acho que só vai piorar. Vamos nos autodestruir. A América tem um presidente que não acredita em mudanças climáticas. A indústria de combustíveis fósseis gasta milhões subornando políticos. As abelhas estão morrendo. As coisas só serão feitas quando for tarde demais. Eu estarei morto em talvez 30 anos. Felizmente. Eu sinto muito pelas crianças de hoje que terão que viver no futuro. Se houver algo como reencarnação, eu diria ‘não, obrigado’.
Eu sou um leitor do seu blog e vi que você tem lido muito Philip K. Dick. Muitos dos romances dele não são muito otimistas em relação ao nosso futuro. Você acha que deveríamos levar nossas ficções – e refiro-me não apenas à ficção científica – mais a sério?
Eu acho. Dick tem sido muito bom para prever o futuro. Mas realmente, você só precisa olhar para o que está acontecendo na sociedade hoje. Os sinais não são nada bons.
“O leitor não deveria notar a narrativa. Nada é pior do que apontar qual deve ser o próximo painel ou causar uma confusão na ordem de leitura”
Quando eu te entrevistei pela primeira vez, você me falou como quadrinhos sem texto exigem um pouco mais de clareza no narrativa. Eu Matei Adolf Hitler tem texto, mas eles são muito objetivos e breves. Você tem alguma preferência para escrever quadrinhos mudos ou quadrinhos com textos?
Eu fiz quadrinhos mudos porque eu achava difícil trabalhar com texto. Agora eu acho que é a parte mais interessante de fazer quadrinhos. O desenho é a parte chata. Eu ainda gosto de painéis silenciosos e gosto de usá-los entre painéis que tenham mais textos. Às vezes o silêncio acaba dizendo mais.
Você poderia me falar um pouco sobre a sua abordagem em relação a cores? Você tem alguma técnica para definir uma paleta específica para um livro?
Eu não faço a colorização. Para os álbuns coloridos, como Eu Matei Adolf Hitler, eu trabalho com o Hubert. Estou muito feliz com o que ele faz, então não interfiro.
Eu gosto muito do ritmo dos seus quadrinhos. O uso dos grids fixos é a sua maneira de determinar o ritmo de uma história?
Eu gosto do grid. Ele me agrada esteticamente. E cada painel tem a mesma importância. Cabe ao leitor decidir se este é mais importante que o próximo. Dessa forma a história acaba sendo a coisa mais importante, não a forma como ela é contada. O leitor não deveria notar a narrativa. Nada é pior do que apontar qual deve ser o próximo painel ou causar uma confusão na ordem de leitura dos painéis.
Eu gostaria de saber o que são quadrinhos para você. Você tem uma definição pessoal do que são quadrinhos?
Não, isso é algo que cabe a vocês críticos decidir ou debater. Pessoalmente, eu não penso nisso. Existe mais de um painel? Existe diálogo em balões? Ok, isso é quadrinhos!
Eu gostaria de saber sobre sua relação com a crítica. Como você se sente quando vê a análise ou as interpretações de alguém sobre seu trabalho?
Bem, eu prefiro receber críticas positivas! Comentários negativos são ok, caso o autor da crítica tenha um ponto e possa expressar seus problemas com o livro. Se ele percebe algo que eu não vi, isso é uma coisa boa. Mas na maior parte das vezes eu acabo tendo uma ideia se o livro funciona ou não. Se estou feliz com o livro, não me importo com críticas negativas ocasionais. Se tenho dúvidas em relação ao livro, aí é outra história.
O que você acha quando seu trabalho é publicado no Brasil? Nós somos todos ocidentais, mas estamos falando de culturas muito diferentes. Você tem alguma curiosidade sobre como o seu livro será lido?
Sim, isso é interessante. Eu fui traduzido para o coreano. Como eles veem os meus quadrinhos? Existe uma diferença entre isso e como os meus quadrinhos são lidos na França? Eu não sei. A universalidade vem de ser específico e local. As pessoas às vezes mencionam uma qualidade escandinava em meus quadrinhos, talvez fazendo referência a uma espécie de objetividade ou melancolia. Que talvez até estejam lá. Se eu tivesse nascido na Austrália ou na Ásia, meus quadrinhos teriam sido diferentes? Provavelmente. Mas quem sabe?
“Estou trabalhando em um novo livro, um romance gráfico de pequeno porte. É uma coleção de três histórias. Hemingway é um personagem”
Você está trabalhando em algum novo projeto em particular agora?
Estou trabalhando em um novo livro, um romance gráfico de pequeno porte. É uma coleção de três histórias. Hemingway é um personagem. Eu também já fiz alguns rascunhos e algumas anotações para o livro seguinte, que será um álbum com o clássico formato francês e de 48 páginas.
Você poderia me falar sobre o seu espaço de trabalho?
Eu não tenho um local de trabalho espaçoso. É uma mesa simples, parte da sala de estar. Há um tocador de CD, que eu não uso muito mais, um scanner e um laptop. Há uma janela do outro lado da sala, com vista para o telhado do outro lado da rua.
Você poderia recomendar alguma coisa que tenha lido, assistido ou escutado recentemente?
Você mencionou Philip K. Dick. Eu li alguns dos livros dele recentemente. Eu comprei mais uns livros do John Fante, eu sou um grande fã de Pergunte ao Pó. Eu comecei a ler as histórias curtas dele e também romances como 1933 Foi um Ano Ruim. Eu tenho escutado muito Pentangle nos últimos dois anos. Eles fizeram vários discos folk nos anos 60 e 70. E também álbuns solo de John Renbourn. O Lagosta foi o último filme que eu realmente gostei. Mas devo admitir que também assisto a muitos filmes do James Bond, Missão: Impossível e John Wick.