Escrevi na terceira edição da coluna Sarjeta sobre os dois principais eventos de quadrinhos do Brasil em 2020, o FIQ, em Belo Horizonte, e a Bienal de Quadrinhos de Curitiba. A 6ª edição do evento na capital de paranaense está marcada pra rolar entre os dias 6 e 9 de agosto, sempre com entrada gratuita. Bati um papo com a coordenadora da Bienal, Luciana Falcon, para saber mais sobre seus planos e expectativas para o evento.
Você lê o meu texto para a Sarjeta #3 ali no site do Instituto Itaú Cultural. Compartilho a seguir a íntegra da minha entrevista com a responsável pela Bienal, na qual também conversamos sobre escolha do tema “Música e Quadrinhos” para essa sexta edição do festival e do papel da Bienal em um contexto de conservadorismo aflorado no país. Saca só:
“Buscamos sempre privilegiar as HQs autorais, as independentes e as que promovam a experimentação, a diversidade de linguagens e novos caminhos”
Junto com o FIQ, a Bienal de Quadrinhos de Curitiba é um dos principais eventos de HQs do Brasil, mas a proporção e a relevância do evento foi algo construído com o tempo. Qual balanço vocês fazem hoje do que a Bienal era quando surgiu, e o que ela é hoje, como um desses grandes marcos bienais das HQs nacionais?
A Bienal está caminhando para a sua sexta edição e isso já traz alguns aprendizados que vêm fazendo parte dessa construção.
Costumo dizer que para produzir um evento dedicado a HQ, como a Bienal é, não basta entender ou gostar de HQs. Nosso compromisso sempre foi com a promoção dos quadrinhos, mas mais ainda é com o desenvolvimento cultural de uma forma mais abrangente. Somos produtores culturais, queremos e devemos agregar, daí derivam nossos intentos com outras ações correlatas e, mais recentemente, com a ideia de recorte temático, possibilitando reflexões de nossos tempos e da implicação cultural por meio da produção de HQs.
Nesse sentido, temos testado ao longo dos anos (com algum êxito), abordagens e articulações para engajar parceiros para criarmos as condições (financeiras sobretudo) e o ambiente necessário para aprofundar reflexões mais elaboradas sobre as HQs.
Nosso intuito passou de uma visão panorâmica das HQs, nas duas primeiras edições, para um recorte propositivo sobre temas e cruzamentos que podemos elaborar a partir das produções de HQs.
Vocês conseguem definir a linha editorial-curatorial da Bienal? Como vocês definem o recorte que a Bienal faz e apresenta hoje em termos de autores e publicações?
Desde 2016, quando o evento se torna Bienal de Quadrinhos de Curitiba, abrimos a curadoria para múltiplos realizadores das HQs. Autores, desenhistas, editores, jornalistas, tradutores e críticos se revezaram na curadoria das últimas três edições ao lado da Mitie Taketani, a embaixadora das HQs em Curitiba e curadora honorária da Bienal.
A ideia é termos uma voz plural e contextualizada na produção de HQs através da curadoria onde, a cada edição, de acordo com o tema, a gente consiga somar conhecimentos (muitas vezes específicos), sobre o que se pretende mostrar.
Busca-se sempre privilegiar as HQs autorais, as independentes e as que promovam a experimentação, a diversidade de linguagens e novos caminhos. Mas evidentemente temos presente, senão nas atividades oficiais, todo tipo de HQs através dos expositores na Feira da Bienal e no Palco Ocupa – espaço livre para programação de atividades propostas pelos participantes da Feira. Como dissemos, nosso intuito é agregar.
“O que dá o tom do que iremos discutir na edição seguinte é o calor que gera o último dia do evento”
Quais são as expectativas de vocês para a Bienal de 2020? Por que “música” como o tema principal do evento?
Tivemos um grande divisor de formato de produção em 2016, quando o pagamento do patrocínio via edital público do Paraná foi suspenso dias antes do evento. Nos rearticulamos em 2018 e nos fortalecemos ainda mais, resistindo bravamente.
Neste ano, estamos em expansão de nossa potência de produção com ações fora de Curitiba. Circulamos na África, Europa e Festivais Internacionais, o que nos possibilitou ver outros formatos de eventos e estreitar relações para novas parcerias que já estarão presentes em 2020, em Curitiba.
Temos as melhores possibilidades para a próxima edição (e isso é um tanto bizarro no contexto cultural atual do Brasil) e as expectativas são as mais elevadas.
A edição de 2018 – A cidade nas HQs – trouxe uma reflexão estendida da edição 2016, onde falamos sobre representatividades e o contexto político-social nas HQs. Em 2018, buscamos mostrar a cidade como “suporte” do que havíamos discutido em 2016. De como a cidade agrega ou exclui, como interagimos no caos ou nas cidades dos sonhos, futurísticas ou ainda as fantásticas. Alguns debates foram bem depressivos devido à perspectiva nada otimista em relação a futuros, especialmente naquela véspera de eleições presidenciais.
O que dá o tom do que iremos discutir na edição seguinte é o calor que gera o último dia do evento. E, sob aquela ótica desoladora das cidades que havíamos discutido e pelo futuro que se anunciava, resolvemos que precisávamos nos mexer, como quem espanta algo que insiste em nos paralisar.
Sabemos sobre silenciamentos, sabemos sobre paralisações, sobre isolamentos, sobre desarticular movimentos, e nesse sentido não sucumbiremos. Vamos estar juntos, vamos celebrar, vamos cantar bem alto e dizer subjetividades por outro viés. Música e HQs nasceu do calor do último dia da Bienal. E agora vamos pra pista.
Por que o convite para o Fabio Zimbres participar da curadoria da Bienal?
Como ele mesmo colocou no título em seu texto de abertura da exposição Bienal Publica 2018, do qual ele foi editor da publicação: Samba Antigo.
A Bienal é necessária para todos nós porque ela promove o essencial na cultura, o encontro. Já ouvimos muitíssimos relatos de pessoas dizendo da satisfação de ter conhecido ou encontrado este ou aquele na Bienal.
Com a gente não foi diferente, encontramos o Zimbres, foi “um luxo só, como um samba antigo” espelhando seu texto. Queríamos muito continuar a trabalhar e pensar a Bienal com ele, editando o Bienal Publica novamente. Mas, ao final do evento, quando vislumbramos o tema, parecia que algo havia se fechado.
Mitie Taketani e o Fabrizio Andriani completariam a curadoria nas HQs, mas foi inevitável pensarmos em alguém para versar sobre produção musical. Parafraseando ainda o Zimbres, como outro “samba antigo”, convidamos um parceiro de muitos projetos, o Vadeco, para compor a curadoria.
Todos trazem referências distintas em seus repertórios de HQ e música para a seleção dos convidados. Mas como dissemos, não basta conhecer HQs ou música nesse caso. A Bienal se faz com a vontade de estar junto, com ideias compartilhadas, com articulação para fazer as coisas acontecerem. E, finalizando as citações do texto do Zimbres: “Bienal (e toda nossa equipe), seu requebrado me maltrata”.
“Esperamos a presença maciça do público, principalmente num período de tantos cortes e escassez em programações culturais”
Como a crise econômica, social e política que assola o país, somada à crise do mercado editorial, tende a impactar a realização da próxima Bienal?
Tentamos incansavelmente e insistentemente exercer nossa função de trabalhadores da cultura. Isso também inclui ocupar os espaços (ainda que poucos) de promoção cultural, sejam físicos, ou projetos de incentivo, iniciativas privadas, institucionais, acadêmicas, públicas, etc. Este tem sido o caminho e estamos tendo resultados.
Se por um lado implementamos o engajamento e articulação, por outro buscamos executar a melhor qualidade, diversidade e propósito na programação para garantir a manutenção das parcerias, da Bienal e no que se deseja enquanto desenvolvimento cultural.
Nossa programação é (e sempre será) totalmente gratuita, apesar de não ser um evento público da prefeitura de Curitiba, como muitos confundem. Esperamos a presença maciça do público, principalmente num período de tantos cortes e escassez em programações culturais. Vamos ofertar diversas atividades para todos, como shows, exposições, oficinas, conversas, cinema, programação infantil, festas, etc. Esperamos que isso se reverta também em vendas aos expositores.
Quero acreditar que a nossa rede de parceiros (editoras, instituições, etc) vai dar continuidade ao que estamos executando com muita seriedade e relevância.
Desde o dia 1º de janeiro de 2019 o Brasil é governado por um presidente de extrema-direita, militarista, pró-tortura, fascista, misógino, machista, xenófobo, homofóbico e racista que reflete muito do que é a nossa sociedade hoje. Qual você considera o papel de um festival como a Bienal dentro desse contexto?
Basicamente, mas não superficialmente, fazer pensar, refletir. Este sem dúvida é o principal papel. É dar destaque num recorte o que podemos elaborar em pensamentos que ampliem, que nos pegue de surpresa, que ponha dúvida, que questione, que vá contra certezas absolutas ou imposições.
O Brasil é mundialmente conhecido pela música, ela está em nós e diz muito sobre como convivemos, sobre nossa diversidade. É um excelente suporte da nossa voz, sem esquecer dos corpos, que nos interessam também, nosso movimento, nosso traço. Queremos mexer dos pés a cabeça e fazer pensar.
Penso de um dia ir na Bienal de Curitiba, parece ser um bom evento!