No próximo sábado, dia 17 de março, a partir das 16h, rola o lançamento do primeiro número da revista Pé- de-Cabra em São Paulo, na loja da Ugra Press. Eu vou mediar o bate-papo, seguido de sessão de autógrafos, com o editor Panhoca e seis dos 53 artistas com trabalhos impressos na publicação (Kellen Carvalho, Fabiane Langona, Carambola da Silva, Rafa Campos Rocha, Rebeca Catarina e Diego Esteves). Já li esse primeiro número da Pé-de-Cabra e achei demais a curadoria e toda a linha editorial da revista. Em tempos nefastos de conservadorismo aflorado, é um lançamento necessário, questionando morais, establishments e poderes da sociedade brasileira.
Você confere outras informações sobre a festa de lançamento no sábado aqui na página do evento no Facebook. Enquanto isso, recomendo uma lida no papo que bati por email com o editor Panhoca sobre as origens do projeto, a seleção dos artistas participantes a partir de uma convocatória no Facebook, o desenvolvimento da revista e o futuro da publicação. Dá uma lida:
Eu queria saber do estalo, do momento em que você teve a ideia de fazer a revista. Você lembra? Houve alguma motivação maior que te fez levar esse projeto pra frente?
Cara, eu acho que rolou mais de um momento. Eu lia muito gibi gringo na faculdade e meu contato com o gibi nacional era muito com coisa dos anos 80: Animal, Udigrudi, Lucife, Circo, essas coisas. Aí teve a Gibicon em Curitiba (agora virou Bienal) e a Mitie, da Itiban, hospedou o Gerlach lá em casa. Nesse momento eu tive um contato com muito artista que o cara me mostrou. Talvez seja aí. Teve o lançamento da última Prego que foi bem importante também. O Alex, editor da Prego, disse que ia pra Portugal. Aí eu comecei a pensar nas revistas que eu curto no formato coletivo mesmo. A Samba tá parada. A Gibi Gibi eu acho que acabou. A Prego deve entrar em hiato. Aí acho que aproveitei um vácuo pra fazer. Ou talvez tenha sido numa vez que eu fui falar bêbado com o Chico Felix no show da banda dele. ‘Ei, Chico, tô fazendo uma revista e tá cheia de artista foda. Você não faz a foto de capa do facebook?’. Eu nem tinha falado com ninguém. A mentira é a base da verdade hahaha
Me fala, por favor, um pouco do passo a passo entre esse instante em que você teve a ideia e até o lançamento? Por que a opção pela convocatória? Como vocês chegaram nesse projeto gráfico? Como rolou o contato com o Pochep?
Cara, eu me fodi muito como marinheiro de primeira viagem. Eu consultei uma galera que eu converso mais no meio. Rafa Campos, Gerlach, Pablo Carranza, Pedro D’Apremont. Todo mundo falou que mandaria coisa por eu ser amigo, mas que dava pra tentar visgar uma galera mais nova. Eu queria fazer uma convocatória porque eu sabia que eu conseguiria chamar a galera de Curitiba que eu gosto muito do trabalho, mas não conheço direito. Apostei que isso ia chamar muita gente nova. O projeto gráfico saiu através de um estudo das outras revistas que curto. Se não fosse o Júnior (que fez o projeto gráfico) eu ainda estaria batendo a cabeça na parede. A minha primeira ideia era extremamente parecida com a Prego. No final ela foi ficando bem mais elegante que o previsto. Com o Pochep eu tinha conversado a primeira na exposição dele na Bienal de Quadrinhos. Eu não falo francês. Ele não fala português. Quando eu fico bêbado eu tento arranhar um alemão. Foi assim o primeiro diálogo hahaha. Depois disso foram horas e horas de Google tradutor. Eu não fazia ideia do que eu tava mandando de mensagem e ele respondia com um português extremamente coloquial de Google Translator.
Você já tinha trabalhado com edição/curadoria antes? Como foi esse trabalho de seleção de quais trabalhos entrariam e quais ficariam de fora desse primeiro número? Aliás, quantos quadrinhos você recebeu?
Foi minha primeira experiência como editor. Foi bem mais complicado do que eu esperava. Chegaram mais de 200 trabalhos. Só das 19h do último dia até as 23h59 foram mais de 70. Muita coisa boa ficou de fora. Tem uns amigos que tão bravos comigo porque cortei o trabalho deles. Mas tem de saber separar as coisas. Tinha coisa que era extremamente séria e de qualidade fodona, mas que tive de cortar por contrastar demais com o tom da revista. Acabei usando os trabalhos que se manifestam diretamente contra qualquer forma de poder. Não acho que a revista é panfletária, mas ela tem uma carga de revolta contra as autoridades. Eu fui detido duas vezes por desacato. Acho que é algo com o que eu me identifico.
E aí, a revista finalizada, o quanto ela é diferente, hoje, do projeto que você pensou inicialmente?
Totalmente. Eu ia fazer 44 páginas. Achei que ia ser mais agressiva. Quando eu pensei no Pochep eu tinha em mente uma capa mais gay. Uns marinheiros se beijando, sei lá. Não quis sugerir nada porque gosto de deixar a galera com liberdade pra criar. Quando chegou a capa muita gente me disse ‘Eu gostei, achei que ia ser mais punk, sujo’. Muita gente disse o contrário pelo mesmo motivo. No final acho que a galera que me conhece do rolê tava esperando algo que você olhasse e dissesse ‘porra, isso não é da Escória Comix?’. No final eu gostei muito mais desse resultado mais elegante. Lombada quadrada. 100 páginas. Acho ela lindona.
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“O suplemento MAU é uma das melhores coisas que eu já li. Boto junto com, sei lá, Dostoiévski em termos de importância na minha formação”
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Durante todo esse processo de produção da revista, desde o momento que você apresentou essa ideia ao público até hoje, com ela pronta, o que mais te surpreendeu? Há algum trabalho específico que te marcou de alguma forma nessa jornada?
Porra, o que mais me surpreendeu foi a quantidade de trabalhos. E trabalhos de muita gente que eu sou fã. O Batista é um cara que eu não conheço e gosto muito do trabalho dele. Caio Gomez, Victor Belo, Rebeca, Kellen… vai longe a lista das pessoas que nunca vi pessoalmente mas gosto muito do trampo. Eu fiquei bem feliz também de publicar o trabalho da Grace Wilson, da Escócia. Não me lembro de ter visto nada dela por aqui antes.
Na convocatória pra revista você insiste na ideia do incômodo, que a união dos incomodados pode resultar no incômodo ainda maior. Eu vejo esse foco no incômodo na maior parte dos trabalhos da revista. Você, como editor, vê um padrão maior percorrendo os trabalhos impressos na revista?
Eu acho que rola uma insatisfação geral com tudo. De certa forma, todo trabalho ali é uma oposição a algum tipo de poder. Ou vai pra um rolê mais niilista. Mas acho que todo mundo se opõe a alguma coisa.
Você escreve no editorial como o país tá fudido e como estamos vivendo num contexto de moralismo crescente. O Brasil tem um histórico de publicações voltadas para o humor gráfico que marcaram época em períodos parecidos da nossa história recente. Qual potencial você vê para a Pé-de-Cabra nesse nosso contexto atual?
Putz, não sei. Eu não acho que ninguém vá matar um presidente ou governador, mas eu acho a revista muito boa. Os tempos de tiragens enormes acho que não voltam mais. Não sei se ela vai marcar uma geração, mas acho que pode marcar certos indivíduos. Quando eu li minha primeira Animal eu tinha uns oito anos. Aquilo moldou muito minha relação com os quadrinhos e me voltou pra um lance mais punk na minha postura de vida. Eu trabalho como bibliotecário há seis anos e o suplemento MAU é, pra mim, uma das melhores coisas que eu já li. Boto junto com, sei lá, Dostoiévski em termos de importância na minha formação.
O primeiro número da revista acabou de sair, mas eu queria saber sobre os seus planos para os próximos. Você já está trabalhando numa próxima edição?
Já. Eu sou um megalomaníaco. Pra ter ideia, no período de convocatória eu mandei email até pro Jamie Hewllet mandar coisa hahaha Foi assim que o Russell Taysom mandou a página dele. Sou fã da Flabby Dagger e aí o cara me mandou a página. Foi foda. A segunda vai depender de eu vender a primeira bem. Assim que ela se pagar eu faço a segunda. Minha ideia era fazer ela anual, lançar outra convocatória em novembro. Dessa vez eu penso em fazer ela temática, pra eu ter menos dor de cabeça pra selecionar os trabalhos. Não sei, vamos ver o que vem por aí.