Papo com Rafael Coutinho

Conversei com o Rafael Coutinho sobre O Beijo Adolescente #3, que tá em busca de financiamento lá no Catarse. O papo ficou bem legal, falamos sobre quadrinhos, crowdfunding e o futuro do mercado editorial. Tá lá no site da Galileu.

‘Algo está mudando. Todas as editoras terão formas de crowdfunding’

Depois de várias iniciativas bem-sucedidas de financiamento coletivo, Rafael Coutinho fala sobre seu próximo lançamento, a terceira edição de ‘O beijo adolescente’, também financiado coletivamente

por Ramon Vitral

O universo da história em quadrinho nacional O Beijo Adolescente é dividido entre jovens com poderes especiais e outros normais. No entanto, a realidade vivida pelos protagonistas da série está prestes a mudar com o novo volume do gibi. A promessa consta na sinopse da terceira parte da obra, em busca de verba para impressão no site de financiamento coletivo Catarse até o dia 29 de dezembro de 2013. O objetivo é atingir a marca de R$ 39,2 mil e ter o livro impresso em abril de 2014.

Da mesma forma, segundo o autor da hq, Rafael Coutinho, também está em transformação o mundo no qual seu trabalho deverá lançado. “Algo está mudando na mentalidade do consumidor (nós todos)”, analisa o quadrinista em entrevista por e-mail à GALILEU. “A forma como consumimos na internet, a facilidade, a praticidade, a exigência, a quantidade de escolhas, as redes sociais. É definitivo”, afirma quando questionado sobre o sistema escolhido para angariar fundos para sua produção.

Após conseguir R$ 36,7 mil para a segunda parte de sua série, Coutinho pensou em novas recompensas para seus colaboradores. Além de flyers, agradecimentos na edição e previews por e-mail, o projeto também oferece retornos mais criativos para os investimentos mais altos. Quem doar de R$ 750 para cima também ganha tênis, boné, camiseta, botton, edições autografadas e convite para a festa de lançamento.

Se tudo der certo, em breve você conseguirá financiar a impressão de um terceiro volume de O Beijo Adolescente. No início do projeto, você imaginava chegar até aqui?
Sim, e outros virão. É meu primeiro e único projeto seriado, tenho ideias pra mais alguns volumes já. Comecei pensando em quatro, mas acho que vou encarar um por ano por algum tempo. Tenho gostado muito da forma como a história está andando e como ela se relaciona com forças fora dela. Tenho usado a saga pra entender e conversar com adolescentes. E o fato de funcionar sempre com financiamento coletivo me empolga também. Estamos aqui na torcida pra dar certo essa nova empreitada, precisamos ainda de muito apoio.

Qual a principal lição que uma grande editora poderia tirar do modelo de produção independente de financiamento coletivo?
Acho que nenhuma, hehe. Confesso que minhas reflexões e desejos sobre o que e como as coisas acontecerão pro mercado editorial brasileiro não contemplam o funcionamento do grande. O jogo do grande é grande, o faturamento é grande e a ambição é outra, é mais uma empresa grande como muitas outras. Me interesso mais em saber (e fantasiar) como o pequeno e o médio funcionarão, e realmente acho que a partir de um dado momento todos nós faremos apenas dessa forma, em parceria e contato direto com o consumidor. Não acho que seja modismo, algo está mudando na mentalidade do consumidor (nós todos). A forma como consumimos na internet, a facilidade, a praticidade, a exigência, a quantidade de escolhas, as redes sociais. É definitivo. Todas as editoras terão dentro dos seus sistemas formas de financiamento coletivo, o que abarca também a pré-venda e compras em grupo que baixam o custo, a produção especial que trata o consumidor de uma forma mais especial. Estamos ficando mimados demais pra voltar atrás.

Existe alguma diferença na forma como você produz um quadrinho já financiado e outro como o Beijo, que ainda depende de verba para ser impresso?
Tudo muda. A entrega precisa se manter muito mais próxima dos prazos estipulados. Você tem 600 pessoas acompanhando os passos da produção, enquanto em uma editora ou empresa, há um espaço maior de negociação. E claro, nunca tentei fazer um livro de 200 páginas por financiamento coletivo, é preciso dimensionar bem o que você pode fazer e como o fará. É um contrato rigoroso, se uma pessoa se sentir enganada, isso pode ser um problema bem grande. É preciso ser bem sério na produção e logística de um projeto de crowdfunding. E não acho que uma coisa anule a outra, gosto muito de ter um editor parceiro, e tenho sorte de ter um grande amigo como editor. Mas acho que, aos poucos, as duas coisas ficarão mais próximas. A editora não tem como pagar um bom adiantamento prum projeto longo, e é aí que o contato direto com o leitor entra. Mas na hora de desenhar e criar a história, é a mesma coisa. Não tem como driblar, é baixar a cabeça e disciplinar ao máximo a produção. Quadrinhos é de longe a coisa mais trabalhosa que conheço.

Você tem alguma preocupação em fazer a obra ir além do público que colaborou financeiramente com o projeto?
Conosco não foi assim. Os livros tiveram e ainda tem uma boa vida depois do crowdfunding. Mas eu tenho uma editora e uma equipe trabalhando comigo há três anos, divulgando, vendendo, cuidando do site, criando projetos e saídas. Escolhi isso, gosto muito dessa parte de bastidores.

O quadrinho trata de temas como mudanças, amadurecimento e adaptação. De certa forma, reflete muito as mudanças tecnológicas e sociais pelas quais o mundo está passando. Como a realidade agitada dos dias de hoje influencia a trama? Você tinha ela definida desde a primeira temporada? Algo mudou a partir das manifestações de 2013?

Tudo influencia, não acredito nesse tipo de produção, distanciado e frio. Quando penso numa história, vivo intimamente com ela na minha cabeça pelo tempo que durar a produção dela. Até o último minuto, elementos externos a ela entram, mas isso não significa que sejam assuntos do jornal. Conversas com amigos, filhos de amigos, situações na rua, reflexões pessoais, conversas absurdas que tenho com os personagens. O que aconteceu no Brasil foi incrível, e penso muito no assunto, mas não sei traçar uma ligação direta com a trama. Mas penso muito nesses diferentes universos em que o adolescente brasileiro vive, o excluído e o afortunado, o garoto moderno e tecnológico e o instintivo. O que vive sozinho, o que vive apenas em grupo, é um mundo muito vasto de possibilidades. O que tento é entender esse novo momento em que estamos vivendo e quais são as forças que incidem no adolescente hoje em dia, pra onde a coisa toda anda, e o que está em jogo. Mas não tenho aspirações políticas com a história, acho chato ler um livro que fica tentando te passar uma mensagem profunda. Penso mais nos personagens, na trama, e no drama de cada indivíduo ali, frente ao mundo maluco que vivemos, consumista, individual, agressivo e rápido.

Quais as expectativas em relação a essa terceira edição? Quais foram as recompensas mais escolhidas nas edições anteriores?
Acho que o foco é o livro. Faremos coisas divertidas relacionadas ao universo do Beijo Adolescente. Roupa, moda. Faremos um tênis dessa vez, com a parceria da JUZZ, grande estilista que se empolgou muito com a ideia de criar algo pensando no Beijo. O EP é algo que está nos empolgando bastante, com amigos compondo e tocando músicas inspiradas na série. Ficamos meio divididos em encarar o projeto com um “público alvo” com interesses específicos e o simples desejo de fazer coisas muito divertidas e empolgantes relacionadas aos livros. Sei que a maioria dos leitores da série não é adolescente, são pessoas entre os 25 e 30, mas acho muito legal pensar que estamos falando com o adolescente dentro delas. Sei que o meu adolescente anda muito estimulado em criar ideias pra essa coisa toda.

Esse terceiro álbum é o último? Até onde pode ir a trama de O Beijo Adolescente?
Não é o último. Não gosto de pensar no fim, nem de falar sobre isso. Na quarta temporada um ciclo se fechará, mas sei que não será o último. Gosto da ideia de ir descobrindo aos poucos. E a série só terá uma vida longa se essa proximidade com o público interessado continuar. Espero muito que todos continuem apoiando e apostando nela comigo, virou algo muito grande na minha agenda.


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