Escrevi para a Folha de S.Paulo sobre o retorno da revista Expressa (Azougue/Ugra Press), em edição focada na vida e na obra do cartunista Angeli. Conversei com um dos editor da obra, Sergio Cohn, sobre o trabalho de resgate feito por ele e seu colega Douglas Utescher em busca de pérolas e raridades da carreira do criador da Chiclete com Banana. Você lê o meu texto sobre a Expressa (com novidades sobre um outro projeto relacionado a Angeli) clicando aqui. Compartilho a seguir a íntegra da minha entrevista com Sergio Cohn, saca só:
“Um dos maiores nomes dos quadrinhos brasileiros”
Por que uma edição da Expressa focada no Angeli? Por que uma edição da Expressa focada no Angeli agora?
O Angeli é um dos maiores nomes dos quadrinhos brasileiros com uma obra que passa por diversas tendências e linguagens, como a charge política, o humor gráfico, a tirinha comportamental e as histórias curtas. Embora seja um nome muito conhecido, a sua obra ainda precisa ser descoberta em toda a sua riqueza. Até mesmo porque embora ele passe por diferentes fases em sua trajetória, ainda há muita atenção para o período onde ele revolucionou os quadrinhos comportamentais brasileiros, nos anos 1980. Há muito ainda por descobrir e apresentar especialmente para um público mais jovem e internacional.
O que mais chama a sua atenção no trabalho do Angeli?
A inquietação. O Angeli começou como um chargista político, revolucionou os quadrinhos brasileiros ao realizar a Chiclete com Banana, que praticamente criou os quadrinhos comportamentais contemporâneos no Brasil, conseguiu imenso reconhecimento e ao invés de se acomodar não teve medo de “matar” seus personagens e dar um salto para uma obra ainda mais livre e inovadora. Era fácil para ele ficar repetindo fórmulas, mas foi capaz de se colocar em risco sempre, transgredindo a própria obra.
Imagino que o trabalho de edição de uma Expressa envolva muita pesquisa. O que você descobriu de mais revelador, qual foi a maior surpresa que você teve, em relação à obra do Angeli, durante a produção dessa 19ª edição?
O trabalho de pesquisa é delicioso, traz muitas descobertas e surpresas. Mas traz também a dificuldade de fazer escolhas dentro de uma obra tão rica e diversa. Não foi exatamente uma surpresa, mas foi uma maravilha ver o quanto Angeli pensa de forma lúcida e corajosa os quadrinhos e a cultura brasileira nas suas entrevistas e depoimentos. Trazer essa reflexão, para além dos causos, acreditamos que é uma importante contribuição da Expressa não apenas para a obra do Angeli, mas também para se conhecer a história dos quadrinhos brasileiros.
“O Angeli criou as HQs comportamentais contemporâneas no Brasil nos anos 1980”
E qual achado da obra do Angeli, presente nessa edição da Expressa, trouxe maior orgulho para você? Tem alguma tira, hq ou charge que deixou você particularmente feliz de ter incluído nessa 19ª edição?
Estamos muito felizes por conseguirmos incluir na Expressa uma parte da obra do Angeli que talvez não seja conhecida mesmo por seus leitores mais assíduos. Podemos destacar aqui a única HQ que ele publicou na seminal revista Balão, em 1973, e a estréia do quadrão Chiclete com Banana na Folha de S.Paulo, em março de 1981 – portanto quatro anos antes do lançamento da revista homônima – apresentando um personagem chamado Tudo Blue.
Não podemos esquecer, também, que o Angeli é um quadrinista que transita por diversos meios. Assim, materiais como a deslumbrante ilustração Luz do Sol, criada para a exposição A Imagem do Som de Caetano Veloso, e a HQ autobiográfica Satisfaction, originalmente publicada na revista Piauí, provavelmente serão agradáveis descobertas para o público do Angeli mais ligado ao meio dos quadrinhos.
Qual você considera o maior legado, a maior contribuição, do Angeli para os quadrinhos brasileiros contemporâneos?
O legado mais conhecido é certamente o fato do Angeli ter criado os quadrinhos comportamentais contemporâneos no Brasil nos anos 1980, fazendo um retrato muito arguto e ácido da sociedade brasileira da época. Mas o Angeli vai além disso, deixando obras de imensa importância e qualidade também na charge política e no humor gráfico.
Acho que gerações mais novas tendem a conhecer mais o Angeli de seus trabalhos com tiras e charges. Qual análise você faz dos trabalhos mais longos dele? Quais trabalhos desse tipo estão presentes na Expressa?
Fizemos questão de incluir algumas histórias mais longas na revista, exatamente por entender que é preciso apresentar ao público mais novo esse material, que é realmente menos conhecido e de alta qualidade. Angeli é um roteirista primoroso, as suas histórias são muito bem elaboradas e bem acabadas. E ele é um desenhista com grande técnica, o que muitas vezes não aparece de maneira tão clara, especialmente nas tirinhas dos anos 1980.
“Laerte e Angeli são para os quadrinhos underground como os Mutantes são para o rock psicodélico”
Você pode contar um pouco, por favor, sobre o início da parceria entre a Ugra e a Azougue?
A Expressa realizou 18 edições mensais por assinatura, entre 2019 e 2021. Cada edição em homenagem a artistas, como Laerte, Jaguar, Mariza Dias Costa, Verissimo, Mutarelli, Zimbres e Fortuna. Foi um trabalho bastante heróico, fazia muito tempo que não havia uma revista de quadrinhos brasileiros com tantas edições. Conseguimos vencer o Prêmio HQMix 2021 de Melhor Produção Editorial, o que foi uma felicidade. Mas, ao mesmo tempo, sentíamos falta de uma parceria com um editor de quadrinhos, mais especializado. A chegada do Douglas foi fundamental. Ele trouxe um salto qualitativo tanto editorial quanto gráfico, a revista está muito mais bonita e bem cuidada. E compartilhar as escolhas, discutir o material que vai entrar e como, é muito prazeroso.
O que significa para a Azougue a parceria com a Ugra?
No caso da Expressa, a Ugra traz uma qualificação e também o fato de ser uma editora já reconhecida no meio dos quadrinhos. Como editor da Azougue, uma editora com catálogo muito variado de cultura e pensamento, que passa por poesia, cinema, cultura indígena e muito mais, sentia falta de uma parceria como essa, que traz um foco maior nos quadrinhos. Acredito que a Expressa só ganha com isso.
Como andam os planos de vocês para o futuro da Expressa? Em que pé vocês estão das próximas edições? Elas já tem previsão de lançamento? E há possibilidade dessa parceria entre Ugra e Azougue ir além da Expressa?
O nosso plano é realizar cerca de quatro edições novas por ano, além de novas edições das anteriores. Mas sem uma periodicidade exata, porque é realmente muito pesado e exaustivo e queremos poder curtir a produção de cada edição e realizar da melhor forma possível. Estamos já pensando sim nas próximas edições e tem todo o trabalho de internacionalização da Expressa. Estamos traduzindo agora Laerte e Angeli para inglês, francês e espanhol e vamos publicar em diversos países, a partir de editoras parceiras. Temos falado que consideramos que Laerte e Angeli são para os quadrinhos underground como os Mutantes são para o rock psicodélico: um susto de se perceber como num país fora do grande centro tem uma obra tão boa ou melhor do que a produzida nos Estados Unidos e na Europa. E sim, pode ser que pinte outras novidades por aí na parceria. Temos pensado algumas ideias.