Já contei por aqui antes: eu e o Lielson Zeni criamos o Prêmio Grampo em 2016 inspirados no prêmio de melhores do ano do Gibizada, saudoso blog de quadrinhos do jornalista Télio Navega no site do jornal O Globo. Convidamos anualmente um grupo de pessoas envolvidas de diferentes formas no mercado brasileiro de quadrinhos a produzirem rankings com aqueles que elas consideram os 10 melhores títulos publicados no país no ano anterior. O primeiro colocado de cada ranking recebe 10 pontos, o segundo nove, o terceiro oito e assim por diante, até o 10º, com um ponto.
Eu, Lielson e Maria Clara Carneiro (coorganizadora do Prêmio Grampo desde 2017) escolhemos os jurados a partir de um filtro pessoal e abstrato fundamentado no acompanhamento dos trabalhos de editores, quadrinistas, lojistas e jornalistas. Fazemos o convite e explicamos:
“A regra é simples: vale qualquer quadrinho lançado no Brasil entre 1 de janeiro e 31 de dezembro. Editores/autores/revisores/colaboradores não podem votar em obras publicadas/produzidas por eles ou com as quais tenham algum envolvimento profissional. Pode ser um número específico de uma série, pode ser webcomic, pode ser republicação sim, só não vale reimpressão. Entendemos por republicação ELEGÍVEL ao Grampo títulos que já tenham sido lançados no Brasil anteriormente, mas que apareçam em novo formato editorial (outra tradução, outro tamanho, minissérie compilada em volumes etc). Caso seu voto vá para uma série, é preciso especificar qual edição ou volume. Não é possível votar em partes ou encartes de publicações, apenas na obra que contém esse encarte ou parte. As listas devem ser entregues em formato de ranking, do 1º (melhor) ao 10º”.
Sempre fomos bem claros desde o primeiro Grampo, a cada convite feito aos jurados e em cada post feito no Vitralizado e no Balbúrdia sobre a premiação: qualquer quadrinho lançado no Brasil entre 1º de janeiro e 31 de dezembro. Não se trata de uma premiação exclusivamente das HQs brasileiras, ou de HQs internacionais publicadas no Brasil, ou de HQs independentes, ou de webcomics, ou de edições com capa dura ou de edições grampeadas. Vale tudo.
Porque o mercado brasileiro de quadrinhos não é composto apenas por HQs nacionais, nem apenas por HQs internacionais. Eu não me proponho a cobrir apenas quadrinhos brasileiros ou exclusivamente publicações estrangeiras. O meu blog, as matérias que escrevo e as entrevistas que faço têm como proposta registrar o que considero de mais relevante e prestar um serviço público aos meus leitores, mostrando quais publicações considero marcantes a partir do meu filtro. Com o Grampo, convidamos outras pessoas a fazer a mesma coisa e ampliamos essa gama de recomendações.
Como jornalista, meu primeiro compromisso é ser sincero. Se sou honesto com as minhas crenças e gostos, cumpro meu segundo compromisso, com os leitores. Minha missão é apresentar o que vejo de mais relevante sendo publicado – e é impossível dar conta de tudo. Contribuo com a cena brasileira de quadrinho ocasionalmente, tratando de obras nacionais e expondo questões de artistas locais? Sim, mas isso é consequência, não é a minha prioridade. Assim como não é o foco do Grampo, nunca foi – e mesmo assim, das 15 obras que ocuparam as três primeiras posições do Grampo em suas cinco edições, nove são nacionais.
E gosto muito de uma colocação do Lielson na cerimônia do Grampo 2019. Ele lembrou como um título estrangeiro é tão capaz de transformar um sistema quanto uma obra nacional. Nossos autores leem essas obras, assim como os leitores e os críticos. Por isso nossa cena é feita de livros estrangeiros e nacionais. Se um prêmio se propõe a reconhecer essa estrutura ou não, parte de seus organizadores.
O Prêmio Dente, em Brasília aceita inscrições apenas de títulos nacionais. O HQMix aceita obras nacionais e internacionais e divide por categorias. Cada um tem seus méritos e seus problemas. E prêmios são injustos por natureza. O que importa é ter explícita sua proposta e ser coerente com sua missão. O Grampo coloca lado a lado o independente e o best-seller, o nacional e o estrangeiro, sem distinção e a partir da validação de um corpo de jurados diversificado e representativo da área. E isso sempre esteve claro desde sua primeira edição.