Na segunda parte da entrevista com Rafael Coutinho sobre os sete anos da produção de Mensur, conversamos sobre a criação do protagonista da HQ, a prática do mensur como reflexo dos combates de MMA e a construção do roteiro da obra. Em determinado trecho da conversa, o autor fala sobre as duas vezes que testemunhou pessoas sendo espancadas e como o registro desses ocorridos determinou diretamente tanto no desenrolar de Cachalote quanto de Mensur. A primeira parte da entrevista está disponível aqui. Segue um novo trecho da conversa:
[OBS: A entrevista a seguir não revela informações específicas sobre o desenrolar da trama de Mensur, mas pode apresentar interpretações que alguns considerariam spoiler. Fica o alerta caso prefira guardar para ler a conversa após a leitura da obra]
“A orelha moída do Jiu-jitsu seria mais ou menos equivalente à cicatriz na cara do século XIX. Existe uma admiração dos seus pares e da sociedade pelas marcas de um ritual de agressividade inerente àquilo”
Sobre o Mensur. Você disse ter concluído em determinado momento que não queria falar no livro exclusivamente sobre o mensur, apesar de ser uma prática que te fascinava de alguma forma. Aliás, é uma prática, certo? Os mensuren não consideram um esporte, correto?
Não. É um duelo, um ritual, um rito de passagem. Eu fui pra Bélgica uma vez e tentei assistir, lá eles praticam bastante. Também tentei na universidade de Frankfurt, que é conhecida no meio. Mas você não pode chegar lá e pedir pra ver. ‘Ah, quero dar uma passadinha e ver’, não. Quem faz não pode publicar foto ou compartilhar vídeo, é um negócio realmente muito fechado. Hoje em dia as pessoas não tem os cortes que tinham antigamente, a luta para bem antes de alguém perder um nariz, antes era comum perder um nariz ou uma orelha.
O que você definiu primeiro, esse cara que é o protagonista da história ou o contexto sobre o qual queria tratar?
Era o contexto. Quando eu entendi que não ia se passar na Alemanha e também não ia trazer personagens alemães pro Brasil ou nada do tipo, comecei a procurar esse sujeito. Quem seria esse sujeito? Aí aos poucos fui encontrando os contornos da trama. De início eu defini que alguém lutando mensur morreria e eu queria que a história se passasse dez anos depois desse ocorrido. A estrutura principal era construída em torno dessa ideia de que mensur é uma coisa pitoresca no Brasil. Não queria construir um lugar em que fosse comum ter mensur. Queria que fosse realista, que tanto eu quanto o leitor sentíssemos essa estranheza de algo que não tem praticantes, mas no entanto um grupo fez e um deles entrou numas e ficou obcecado com o negócio. A partir daí fiquei um bom tempo tentando descobrir que outras práticas dialogavam com o mensur do ponto de vista simbólico mesmo, como a nossa obsessão com MMA. Em todos os textos sobre mensur fica claro que o propósito da dela é muito vazio, principalmente hoje em dia. Era uma prática muito ligada a uma cultura de guerra, de homens que precisavam provar socialmente que tinham força, suas masculinidades, pra sobreviver dentro de um contexto de guerra na Europa do século XVIII e XIX. O mensur foi praticado ao longo de vários períodos e dentre eles teve o próprio nazismo. Existiram discussões se aquilo era ou não parte da estrutura e se ele iria ser ou não fagocitado pelo nazismo. Ficou claro que não, que não era uma prática típica do nazismo apesar de muitos nazistas terem praticado. Se você der Google em ‘mensur’, vai ver várias fotos de nazistas e de praticantes com a suástica.
As origens do mensur tem a ver com esses meninos que iam pra universidade em uma época em que duelar na rua era normal. Aí esses duelos matavam os jovens. Os caras chegavam na universidade e perguntavam: ‘e o fulaninho?’, ‘morreu no caminho’. Então as universidades começaram a trazer pra dentro de suas estruturas o duelo pra que ninguém morresse. Conforme os anos foram passando isso foi ganhando contornos muito mais estruturados, exigentes. Não pode mexer, por exemplo. Mexer é uma ofensa à própria fraternidade, você é punido com vários golpes na cara. Quando está levando esses golpes também não pode mexer e soltar um pio. Após isso tudo existe o ritual de sutura, feitos por médicos residentes da universidade que também fazem parte do mensur e costuram o sujeito ali na hora e o sujeito não pode mexer. Então é todo um ritual mesmo de demonstração de força, resiliência e resistência.
Nada mais do que isso, né? O personagem mesmo explica no início quais são as regras, não envolve um matar o outro, mas quem resiste por mais tempo. A relação com o MMA é muito explícita principalmente pelo fato das várias regrinhas criadas para ser socialmente aceitável o fato de estarmos vendo dois sujeitos se matando dentro de uma jaula.
A orelha moída do Jiu-jitsu seria mais ou menos equivalente à cicatriz na cara do século XIX. Existe uma admiração dos seus pares e da sociedade por ser daquela forma, pelas marcas de um ritual de agressividade inerente àquilo.
E parece algo deslocado temporalmente, tanto o mensur quanto o MMA, de você estar vendo práticas de violência quase primitiva legitimadas por regras.
Não só isso. O começo disso tudo foi muito fruto de uma situação que eu vivi, que o meu irmão viveu quando era vivo. Ele e os amigos saíram de uma festa e um deles arrumou uma briga com um rapaz lá, o cara se irritou com um dos amigos do meu irmão, eles tentaram apaziguar o cara, que tava meio bêbado e com o sangue quente, eles também ficaram muito envolvidos, uma coisa levou à outra e depois de muito tentarem tranquilizar o cara… Ele saia, dava meia volta e ameaçava, dizia que os amigos dele iam quebrar todo mundo ali, aí os amigos do meu irmão se irritaram e pegaram ele na porrada.
Meu irmão me contou isso no dia seguinte com a mão engessada. Meu irmão era um sujeito muito racional, inteligente e articulado, muito culto, lia muito e tal, mas ele tinha esse lado ‘dos moleques’, ele fazia Jiu-jitsu e era muito ligado a esporte… Eu lembro dele dizer na época, contou que foram pegos numa espiral de agressividade que foi aumentando, aumentando e aumentando e eles machucaram muito o menino, não paravam. Continuaram indo atrás dele, ele tentou fugir pelo estacionamento e quebraram a cara mais, a namorada conseguiu por A mais B colocar ele dentro do carro, eles quebraram o vidro do carro, tiraram ele de lá e quebraram ainda mais. Ele foi pro hospital e ficou bem mal.
Meu irmão me contou isso com uma excitação muito grande. Ainda sob os efeitos da excitação da coisa em si. Eu fiquei muito horrorizado, mas confesso que também fiquei excitado em saber até onde eles tinham ido e como a coisa tinha concluído. Fiquei tentando dizer pra ele o tempo inteiro que aquilo não tinha sido nada legal, na verdade era horrível. Anos depois, meu irmão se casou e foi pros Estados Unidos, a gente continuou durante muitos anos falando sobre esse incidente. Já estávamos distantes do acontecimento, nós dois sozinhos, foram algumas das ligações que a gente trocou falando sobre esse lado selvagem mesmo do homem, do ser masculino no mundo. Ele viu que tinha algo muito perigoso dentro de si. Um sujeito capaz de fazer coisas horrível e tinha que conviver com esse monstrinho que ele foi com alguém. Ele machucou muito alguém. Foi absolutamente impiedoso e cruel, agressivo mesmo.
Enfim, eu vi também um sujeito ser linchado na rua uma vez. Em mais de uma festa em que estive um grupo destruiu alguém na minha frente. No Cachalote apareceu essa cena e quando estava fazendo o Mensur eu vi que desenhei a mesma cena, com um grupo sentando o cacete em cima de um cara, esse cara consegue devolver alguns socos e fugir. Isso me marcou muito. Caralho, isso é masculino. Tá, mulheres também descem o cacete em outras mulheres, esse contexto também pode existir… É um mundo selvagem, que se expressa mais na história masculina. Então Mensur é toda uma reflexão sobre isso. Quando eu li sobre mensur me vieram imediatamente todas essas experiências aí. ‘Cacete, eu preciso falar sobre isso!’.
Mais uma vez, tudo parece dizer respeito à criação de regras para o cultivo e a prática de ódio e selvageria.
É. O Cultivo do Ódio do Peter Gay é basicamente uma reunião de relatos variados sobre como a agressividade humana se expressa socialmente no século XIX na Europa. Não só nas classes baixas, mas como na burguesia. Os jogos sociais criam essas bolhas onde a agressividade acontece. Aí o livro coloca também instantes em que o racismo se expressou abertamente sob momentos de agressividade e ódio social coletivo. É como a gente descobre esses aliases, essas desculpas mesmo, pra esse ódio se expressar. O Mensur é basicamente sobre isso.
Você já assistiu aquele filme com o Michael Cann dos anos 70, Rollerball, que é basicamente sobre esse esporte de um futuro não muito distante em que as pessoas basicamente se matam durante uma partida? É basicamente uma desculpa pra um sujeito assistir uma pessoa destruir outra. É dos anos 70 e é imenso o diálogo com o MMA também.
Sim. E existe também a coisa do ritual, que também é muito curiosa e um outro aspecto. Eu não sou a favor do mensur e nem dessa postura agressiva, mas é injusto resumir toda essa experiência ao simples fato de que “ah, são homens ou um grupo de pessoas buscando desculpas pra se agredir”.
No livro eles justificam a prática do mensur ressaltando bastante esse aspecto relacionada à suposta honra dos praticantes.
É um conceito também muito difícil, de fato, de acharmos todos os contornos hoje em dia. Na sociedade moderna não existe mais essa celebração da honra, é um conceito antigo que foi substituído por alguma outra coisa que eu não sei exatamente o que é. ‘Hombridade’, também é um conceito muito antigo. Mas ainda temos de alguma forma. Existe aquele famoso “seje homem, rapaz!” (falando mais alto).
São conceitos que estão cada vez mais deslocados no dia de hoje, não acha? O livro pra mim é muito sobre deslocamento. Pessoas fazendo coisas em contextos que não são esperados, práticas pouco convencionais e todos esses caras pregando uma hombridade máxima descontextualizada com o mundo em que estamos vivendo.
A própria condição do Gringo como um sujeito disposto a sempre fazer prevalecer a moralidade e a corretidão em uma época como a nossa, em que essas coisas são absolutamente desconectadas e sem sentido. “Ser homem” está conectado a sermos sujeitos viries e fodedores, não diz respeito ao caráter. Então eu fiz uma grande reflexão interna sobre esse sujeito desconectado que busca um tipo específico de moralidade. Como esse cara ia viver dentro dos múltiplos jeitinhos que encontramos? Das exceções à regra dentro dessa esfera dos costumes e da constituição do caráter? Como é que esse cara continuaria vivo? O que ele estaria sentindo?
Em nenhum momento ele parece estar à vontade e isso reflete no nome dele, né?
É…é verdade, eu não tinha pensado nisso (risos). Ele não consegue encontrar esse espaço dele. Em vários momentos no livro eu descobri que ele queria fazer parte de algo mais flexível, de uma moralidade mais flexível. Isso foi importante descobrir durante a produção: em quais momentos ele tentaria ser mais de boa com tudo e como ele não conseguiria. Isso eu fiquei lapidando durante muito tempo. Onde seria? No desconto que ele ia pedir em algum lugar, no atendimento da NET em que fosse pedir alguma coisa ou então no contato com alguém? Ou na própria palavra de alguém que disse que cumpriria algo que não iria conseguir. É um sujeito com dificuldade de entender as entrelinhas do que é acordado socialmente. Onde esses momentos iam ficar expressos e claros? Por que ele se muda tanto? O que acontece? Além disso eu queria muito que pseudo-práticas de mensur acontecessem no livro, onde um ritual de golpe na cara poderia existir.
Sim, há muitas cenas de duelos, principalmente de palavras e gestos. Como a cena do jantar com os amigos ou da vizinha que espera que ele estivesse por lá cuidando da mãe.
Sim. Ele também é incapaz de cumprir com a rigidez que ele se impõe e prega pro mundo.
Tem aquela cena no bar em que é um dos poucos instantes em que ele se solta um pouco. Tá meio bêbado e falando sozinho e chama uma moça pra dançar. Em um breve momento em que ele se solta acaba não sabendo como interagir com outras pessoas.
Durante muito tempo eu fiquei com dificuldade de aceitar essa cena. Será que ele faria isso? Será que ele se permitiria fazer isso dentro da doidera que ele é? Nesse momento do livro era importante deixar claro que era ele falando sozinho. Ele ensaiava na cabeça ser um cara mais de boa, quase como um ator em uma peça de teatro. Ele tenta ser mais de boa, mas não consegue. Foi difícil, porque eu não sou assim. Foi complicado enxergar pelos olhos do Gringo, foi complicado. Consigo enxergar os momentos em que essas situações sociais de exceção acontecem, mas pra mim é difícil enxergar como alguém não cede. Minha mãe é um pouco assim, minha mulher é um pouco assim. Eu sou meio o oposto.
Pra mim, essa recusa de entrega está muito representada em tudo que não é dito. Eu gosto da cena do jantar na casa do Gordo pela várias trocas de olhares e feições muito específicas. Tá explícito que tem algo rolando ali que não entendemos direito. É quase teatral pelos movimentos e trejeitos de cada um.
Sim. Na verdade alguns filmes me nortearam enquanto eu fazia. Gosto muito dos filmes do John Cassavetes. Muitos deles me ajudaram a entender onde eu tava querendo chegar. Essa cena do jantar é muito cassaveteana pra mim. As conversas. Outro que me ferrou a cabeça na época que estava fazendo foi O Profeta do Jacques Audiard. Mexeu muito comigo isso do sujeito tendo de começar do zero na cadeia e falando sozinho. Tem algo ali entre o Gringo e menino do filme. Quais outras dimensões da nossa realidade mexiam com esses mesmos temas?
Também tinha a questão da sexualidade do Gringo, desculpa larguei o raciocínio da pergunta (risos). Aos poucos fui descobrindo que essa sexualidade dele também era fruto dessa dificuldade dura de se deixar abrir e que vinha de lá, quando ele começou a fazer os duelos. No jantar chega a ex-namorada…eu tô entregando muito do livro, as pessoas vão ler e vão ver a história toda (risos).
Queria retratar todas as dimensões dessa pessoa que eu era capaz de compreender, que poderiam ser afetadas por essa rigidez, e também em que medida o mensur era uma coisa absolutamente necessária pra ele, não só do ponto de vista moral. Ele procura por essa rigidez moral e no mensur ele encontrou um grupo que fez um juramento em torno de um ritual rigoroso e cheio de regras. Mas quais outros aspectos da vida dele também seriam influenciados por isso? A dificuldade dele se relacionar, a sexualidade dele não fica clara e a própria masculinidade dele. Eu acabei também questionando a respeito da minha masculinidade, o que constitui ela e até onde ela vai? Os meus desejos e como eu me comporto em grupos de homens, se eu me posiciono ou não, a favor ou contra, de X ou Y comportamento que acho merda ou legal. O que da masculinidade me atrai?
Tinha algo no Mensur que eu queria que existisse o tempo todo, algo acima do tesão sexual e acima da moralidade, algo que atrai o Gringo sem que ele consiga fugir. Não é que ele tá à vontade e o ritual é importante e simplifica todo o resto da vida e dá orientação, mas há uma atração física mesmo, talvez até sexual, mas física. Pelos relatos que eu li, o Jerome K. Jerôme foi um cara importantíssimo nas minhas leituras e ele conta relatos dessa época. Ele acha um ritual vazio de significado e burro, praticado por jovens burros, numa época em que as coisas estavam um pouco mais modernas. Ele diz que no primeiro duelo você estava enojado, no segundo você já não estava tanto e no terceiro sentia uma sede de sangue mesmo. Ele diz: “Você começa a ver tudo vermelho”. Ele fala do cheiro de sangue, carne e cerveja, álcool, todos os homens olhando praquilo e os golpes sendo desferidos. No começo você fica fisicamente avesso àquilo, seu corpo fica enrijecido, mas você quer sair dali. No segundo o seu olho já não desvia mais do golpe, você quer ver até o fim. É uma coisa selvagem mesmo, imagino que essa seja a palavra.
Muita gente expressa a mesma coisa em relação ao MMA.
Eu estudei MMA durante uma época, não fiz e não lutei, mas vi muita luta pro Mensur e comecei a ficar muito envolvido. Durante um período de um ano eu sabia o nome de todos os lutadores, acompanhava mesmo. Era o auge do Anderson Silva, também um lutador muito curioso. Mas também me sentia avesso àquilo tudo. Nunca acreditei nessa coisa de que é um esporte, é uma luta. Nunca acreditei que não é selvageria, pelo contrário. De fato, são pessoas treinadas, mas todas as pessoas que conheci e que começaram a lutar ou praticar algo relacionado a luta desenvolvem um radar interno. Nem que você não queira, acaba ficando eternamente de olho a situações de agressão ao redor de você, conjecturando a possibilidade de eventualmente entrar ali e resolver o assunto. Todas as pessoas, mesmo as mais racionais. Agora você tem artifícios, tem ferramentas, você conseguiria de fato entrar numa briga e quebrar o braço de alguém e resolver o problema. Uma pessoa está batendo na outra? Agora você tem a técnica, sabe que não precisa ir muito longe, pode simplesmente apagar o cara em três movimentos tranquilos. Até essa suposta tranquilidade de quem faz esse tipo de luta já me deixava bem ressabiado, assustado. Ouvi um amigo meu falando: “Se eu quisesse te apagava agora, Rafa”. Essa possibilidade é aterrorizante (risos). Putz, tem pessoas aí andando que consegue facilmente te matar com pequenos movimentos, porque treinam diariamente para isso. É autodefesa? Não importa. O sujeito tem artifícios capazes de resolver. É como ter uma arma em casa, não precisa usar, você pode ser o sujeito mais pacífico do mundo, mas você tem a possibilidade de pegar a ferramenta e acabar com a vida de alguém. Enfim, me perdi. Mensur foi sobre todas essas reflexões, até onde a agressividade humana pode ir nos tempos modernos, atuais.
Mas não apenas sobre isso, também trata de vícios, né? Do Gringo acordar diariamente e ver na sombra de um lustre uma espada e querer pegar aquele objeto.
Algo absolutamente fisiológico. No caso dele começa a brincar com o que é real e o que não é. Você vê as coisas distorcidas. “Será que o que eu estou vendo é de fato real?” É uma pessoa que passa muito tempo sozinha, procurando alguma coisa que absolutamente não está lá, fugindo de um fantasma, com esse radar interno pra agressão, ligado para as cicatrizes das pessoas, no ônibus e nas ruas.
Na construção do roteiro e do personagem eu também fiquei muito tempo tentando fugir dos clichês. É muito fácil cair em lugares comuns nesse tipo de reflexão. Sei lá, chutando aqui de bate-pronto, “homens que fazem Jiu-jitsu são todos homossexuais enrustidos que ficam se roçando um no outro”, isso é um cliché totalmente deturpado e fácil, bobo. Claro que não é isso. Talvez exista uma pulsão sexual em tudo que a gente faz. Comer é um momento sexual, dormir é um momento sexual, mas é muito mais do que isso. Eu queria achar no enredo esses momentos não-fáceis, em que não fico só entregando um sujeito machista num ritual machista, celebrando uma agressividade absolutamente machista e descabida, expondo as mazelas do mundo masculino… Eu não tinha nenhum interesse nisso. Ao mesmo tempo que eu também não queria que o livro fosse uma exaltação sobre a agressividade, a celebração da agressividade. Ele tinha que existir nesse lugar mais delicado. O protagonista tinha que ser, pra mim, uma representação dessas múltiplas facetas da agressividade dentro da vida de alguém.
Eu quero muito que o leitor siga com o livro até o fim sem saber se o Gringo matou ou não aquela pessoa que morreu no começo. Mas eu estou totalmente entregando o livro agora para os seus leitores (risos). Eu lembro de uma entrevista com o Galera. Como ele é incrível e maravilhoso, consegue dar uma entrevista inteira sobre um livro sem contar nada da história. Eu tô aqui dizendo tudo, que o cara faz isso e aquilo (risos).