Raquel Vitorelo e a produção de TILT: “O hábito de reconhecer padrões quadrinísticos me fez ver um potencial narrativo em fotos do meu cérebro”

Já escrevi por aqui como TILT, da quadrinista Raquel Vitorelo, foi uma das minhas leituras preferidas pós-FIQ 2018. O quadrinho é uma espécie de diário ilustrado, narrado em primeira pessoa e expondo reflexões sobre dramas pessoais da artista com ansiedade, religião e enxaqueca. Fiquei impressionado não apenas com a honestidade do relato da autora, mas também com as várias técnicas utilizadas por ela na construção da publicação.

TILT será lançado oficialmente amanhã (30/6) em São Paulo, em evento marcado para começar às 16h na Ugra Press. Você confere aqui outras informações sobre o evento. Enquanto isso, recomendo a leitura do relato a seguir, uma série de aspas de Raquel Vitorelo sobre os bastidores da produção de seu trabalho, suas técnicas e as soluções encontradas por ela para expressar algumas das ideias e sentimentos que tinha em mente. Material bem legal, saca só:

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“Eu acreditava que devia me comprometer com uma determinada estética ao decorrer de TILT. No fim, isso acabou segurando a produção e me faz questionar se essa limitação era criativamente desafiadora, ou se só me impedia de tentar coisas que me instigavam de verdade. Chutei o pau da barraca e nasceu o TILT do jeito que ele é hoje, não muito linear, (quase) cada página diferente uma da outra, porque me pareceu mais adequado à história que eu queria contar.”

“Tenho uma pequena coleção de exames de imagem, e o hábito de reconhecer padrões quadrinísticos me fez ver um potencial narrativo nessas fotos do meu cérebro. Eu já tinha concebido o que eu queria na minha cabeça, e fui desenvolvendo a narrativa através de bonecos, tanto para ter uma noção tridimensional do quadrinho enquanto objeto, como para pensar na ordem e virada das páginas.”

“Eu tinha escrito alguns versos pra esse projeto ao longo do tempo, geralmente no ônibus. Juntei tudo em uma página e imprimi (na foto, dá pra ver o textinho em cima do meu computador), e fui transformando esse material em discursos mais visuais. Foi nessa etapa que cortei muitas páginas que não entraram na versão final da HQ.”

“Outras páginas tiveram uma origem mais visual do que verbal, e eu ia esboçando as ideias conforme elas surgiam – nessa imagem está o verso da minha dissertação de mestrado rs, onde eu também fiz uns testes do carimbo que usei na capa do TILT. Vale tudo!”

“Acima, a página já desenhada, que na foto anterior era somente um esboço. Aqui dá pra ver bem as diferentes texturas dos papéis (kraft e Canson) e das técnicas (giz líquido, caneta Posca, nanquim, lápis).

Quis brincar com a questão da intertextualidade através do post-it, com a ilustração de uma Kumari – uma referência somente visual, com o objetivo de ter um significado não tão óbvio e que exige mais do leitor, mas que eu acredito que traduza mesmo aos leigos esse contexto do religioso/mundano.”

“Essa aqui em cima foi uma das primeiras páginas que eu fiz. Já faz uns anos que uso essa técnica louca de fazer parte da composição em um papel opaco, e outra parte em papel transparente (geralmente vegetal). Depois, junto tudo no Photoshop, já prevendo interferências digitais. Muitas vezes, parte da graça é que as duas folhas não se encaixem perfeitamente, como duas matrizes levemente deslocadas.”

“Por fim, um pouco do processo da criação e desenvolvimento de uma página. Essa é a página 19 – ainda que eu goste muito de como ela ficou, acho que é uma das páginas mais sem-graça em termos de experimentação rs, mas talvez por isso mesmo seja mais didática.

Na imagem, à esquerda, há o esboço inicial da página, que fazia parte do boneco do TILT (acho que eram três bonecos: um em tamanho A5, preso por prendedores de papel, cujas páginas já serviam de esboço para a arte final; e outros dois em tamanho A6, para ter um controle melhor da fluidez da narrativa, cortar excessos etc.). Durante todo o quadrinho, dei preferência a um grid de 6 quadros. No esboço é possível ver a minha marcação para descer o desenho do terceiro quadro e dar mais respiro para o texto na finalização. O último quadro ficou em branco porque fiz a arte final em cima do quadro anterior, que é bastante semelhante.

À direita, tem a lineart em lápis sobre papel vegetal, digitalizada. A partir disso trabalhei na arte final, corrigindo alguns erros e limpando um pouco a imagem – mas não muito, porque queria que a página tivesse esse aspecto “sujo”, imperfeito, humano.

Fiz a coloração no Photoshop usando tablet e um brush que configurei para variar a cor conforme a pressão da caneta, o que dá um aspecto mais natural.”

“E pronto! Você já pode agora fazer um gibi sobre o seu cérebro.”


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