O quadrinista Shiko focou Carniça e a Blindagem Mística – Parte 2: A Tutela do Oculto nas origens de Carniça, líder do bando que protagoniza a série, e nas motivações de seu grupo. Assim como o primeiro álbum, o autor intercala o presente da história com o passado de suas personagens. Ele dá início a essa segunda edição com um tiroteio entre suas quatro personagens principais e outro grupo de cangaceiros em meio a flashbacks que mostram a transformação da jovem Mazinha em Carniça.
A Tutela do Oculto amplifica a intensidade de Carniça e a Blindagem Mística – Parte 1: É Bonito o Meu Punhal, lançado no fim de 2020. Suas críticas sociais são mais enfáticas, o protagonismo das mulheres mais explícito, a violência mais gráfica e o lirismo mais poético. Shiko também deixa mais claras as ambições de Carniça em sua jornada de vingança.
Ainda como Mazinha, refém do bando de Cancão, a personagem principal acaba vítima de punições por uma traição cometida contra o líder do grupo de cangaceiros. Sua transformação em Carniça é apresentada em uma sequência brilhante envolvendo uma carranca e a exposição de algumas das várias mulheres por quem ela deverá se vingar.
“Enquanto tiver essa qualidade de macho pelo meu caminho… Eu jurei sair transformando essa estrada em pasto de urubu”, diz Carniça após ter sua história contada à filha que reencontrou no primeiro número do quadrinho.
O mérito maior de Shiko nessas duas primeiras edições de Carniça e a Blindagem Mística está na clareza com a qual apresenta os sentimentos das personagens. Com dois terços de sua trama apresentados, ele incutiu nas 96 páginas publicadas até aqui todo o ódio de suas quatro heroínas.
A sequência final de A Tutela do Oculto, iniciada com uma visita de Carniça a uma capela abandonada, cercada por ex-votos, e seguida por seu confronto com Cancão e seu bando é memorável. Aplaca um pouco a sede por vingança instada pelo autor, mas não a fúria da protagonista em sua desforra contra os abusos de seu passado. Fica para o terceiro número.
Carniça e a Blindagem Mística reforça Shiko como um dos meus autores preferidos. Seus trabalhos tratam de questões relevantes, falam sobre o presente mesmo quando ambientados no passado ou em realidades alternativas, e são extremamente refinados no uso da linguagem dos quadrinhos. Sua arte virtuosa contrasta com a objetividade e a eficácia de sua narrativa. Mas além disso tudo (e, possivelmente, mais importante) suas HQs são legais para caramba. Estou novamente na seca pela próxima edição.
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