O novo álbum do quadrinista Thiago Souto está sendo lançado entre hoje (6/12) e domingo (9/12) na Comic Con Experience 2018. O artista estará autografando Por muito tempo tentei me convencer de que te amava (Balão Editorial) na mesa F36 do evento. Eu sou o editor da obra e tenho publicado no Vitralizado a série Thiago Souto e a Av. Paulista, na qual o autor fala sobre as inspirações e referências da HQ e as reflexões tidas por ele enquanto produzia o quadrinho. Na atualização de hoje, reproduzo o depoimento no qual Souto me contou sobre a arte da obra e o estilo que ele desenvolveu para esse projeto.
Como bônus do post de hoje, incluo uma breve entrevista com Guilherme Kroll, sócio-editor da Balão Editorial, responsável pela publicação da HQ. Ele fala sobre sua decisão de lançar o quadrinho e apresenta aqueles que considera os principais méritos do novo trabalho de Thiago Souto. Saca só:
Thiago Souto e a Av. Paulista – Parte #5: “Um processo mais intuitivo”
“Segui mais os meus instintos”
“Eu cheguei a fazer uns esboços prévios bem descompromissados, eram uns desenhos da Avenida Paulista que fiz antes de escrever o roteiro. Eles não tinham nenhum propósito relacionado especificamente à história, poderiam ser apenas ilustrações no final das contas. Quando comecei a pensar na história foi natural usar o mesmo estilo que eu já vinha adotando nesses desenhos. Talvez tenha sido um processo meio intuitivo, quase inconsciente. Pra ser bem sincero, não lembro mesmo se comecei a fazer esses desenhos da Paulista antes ou depois de começar a escrever o roteiro. Suspeito que tenha sido um pouquinho antes”.
“Acho que eu já tinha na cabeça a ideia de uma história com esse visual. Quando finalizei o roteiro, retomei aqueles desenhos, eram sobre a cidade e a Paulista, então foi natural eles entrarem na história. Mas não eram exatamente desenhos de preparação, eram ilustrações soltas e descompromissadas. Se eu colocar um desses desenhos iniciais do lado de uma página do livro impresso, existe uma diferença porque a arte foi se transformando à medida em que fui desenhando”.
“No Labirinto eu fui desenhando muito nos meus sketchbooks até chegar num estilo de desenho que eu achava que casasse direitinho com a história. No Por muito tempo não teve esse processo de ficar procurando o desenho, ele meio que surgiu e eu aceitei, desenhei da forma como ele veio. Não fiquei pirando muito se eventualmente aparecesse uma proposta mais adequada. Foi um processo mais intuitivo nesse sentido, eu segui mais os meus instintos. O que floresceu com mais força permaneceu na história”.
“Bombardeado por informações”
“O desenvolvimento da história e desse estilo foi engatando aos poucos. Quando fizemos a decupagem do roteiro eu ainda tinha a ideia de usar requadros, sarjetas e tudo mais. Cogitava talvez até fazer algumas experimentações, mas pretendia usar esses elementos e nas primeiras versões das páginas iniciais eles estavam lá. Nesse primeiro momento eu ainda estava pensando de uma forma mais… Tradicional? Nesse começo eu usava o requadro, mas pouco definido, quase não existiam bordas e as sarjetas não tinham uma delimitação clara. Fui desenhando as outras páginas e o processo passou a ficar mais semelhante a uma colagem”.
“Nas nossas primeiras conversas concluímos que tudo isso pelo que passa o personagem meio que surge de uma vez só, não é que primeiro você vai sentir o cheiro do churrasquinho, depois ouvir a música, em seguida escutar as conversas e aí ver a multidão. Não, tudo meio que te arrebata de uma vez só. Quando comecei a desenhar essas cenas, comecei a pensar como uma colagem, ‘sinto o cheiro, vejo a muvuca e tudo faz parte do mesmo desenho'”.
“Quando passei a pensar dessa forma a história começou a fluir melhor. A experiência de andar na Paulista tem um pouco disso: você entra e as coisas vão acontecendo sem você ter controle do que aparece ali na sua frente. Apesar de algumas atrações se repetirem todo domingo, cada experiência é diferente e você é surpreendido cada vez que volta. De repente, trabalhando desse forma quase inconscientemente, eu trouxe um pouco dessa sensação de estar tudo acontecendo ao mesmo tempo, você não tem controle da situação e é bombardeado por informações”.
“Essa espécie de colagem foi funcionando bem à medida que eu desenhava. Quando eu percebi isso, voltei para as primeiras páginas, que tinham esse tratamento um pouco mais ‘tradicional’, e mudei um pouco o que havia feito. Os desenhos entram uns nos outros, da mesma forma que um evento acaba interferindo no outro o tempo inteiro quando você passa ali na Paulista. O som da banda interfere na apresentação do mágico, tá tudo em conflito o tempo inteiro”.
“Outro tipo de experiência”
“Uma das poucas coisas pré-definidas antes que eu começasse a desenhar foi composição do texto com as imagens, o texto fundindo com o cenário em alguns momentos. Em alguns trechos o texto praticamente faz parte do desenho. A forma como o texto seria retratado estava evidente pra gente desde o começo, então talvez essa ideia de que as coisas estão interferindo umas nas outras já tivesse maturando na minha cabeça quando eu escrevi o roteiro e na sua quando você leu o texto”.
“Duas referências em comum que tivemos para retratar esse percurso feito pelo personagem e a forma como ele e o texto se mesclam ao cenário foram o Little Nemo in Slumberland e os trabalhos do Ralph Steadman – que explora bastante essa composição entre imagens e palavras. Ele trabalha a tipografia meio como um desenho, não usa fontes aleatórias”.
“Uma referência que talvez não fique muito clara para quem lê, foi o Jiro Taniguchi, do O Homem que Passeia e do Gourmet. Esses dois livros mostram um cara andando e muito da história é da relação do personagem com o espaço. Claro que as duas obras têm histórias de fundo rolando, mas o principal é o jeito como essa pessoa enxerga o que está ao redor dela. No caso do meu personagem, é uma experiência totalmente diferente. O tema de relação com espaço é o mesmo, mas é um outro tipo de experiência”.
“Então eu voltei pro magenta…
“A escolha das cores foi uma questão técnica. Rodar um livro colorido é muito caro, rodar um livro em duas cores é muito mais barato. O processo de impressão tem quatro cores e usar as cores puras acaba barateando a impressão. Na hora de escolher qual seria, eu já tinha usado o preto e tinha mais três opções, o magenta, o ciano ou o amarelo. A mais emotiva e passional era o magenta”.
“O amarelo puro pode ficar muito claro e nós imprimiríamos o livro no papel Pólen, que já é amarelado. O azul é uma cor legal, mas pra essa história não seria tão apropriada. Então eu voltei pro magenta, uma boa saída porque, no final das contas, além de tudo, a cor tem uma função narrativa muito evidente nesse quadrinho. A forma como ela se manifesta na história tem um significado”.
BÔNUS:
[[Por muito tempo tentei me convencer de que te amava foi publicado pela Balão Editorial. Na breve conversa a seguir, Guilherme Kroll, um dos sócios da editora, comenta as impressões iniciais dele sobre a obra e a decisão de participar do projeto]]
Quais as suas impressões iniciais ao saber sobre o conteúdo de Por muito tempo tentei me convencer de que te amava?
Guilherme Kroll: Eu sempre quis publicar o Thiago Souto, ele me mandou uma amostra das páginas e eu já estava convencido. Fizemos uma reunião na qual ele apresentou o texto do projeto e os seus desdobramentos e achei que o livro tinha tudo a ver com nosso catálogo.
Por que a Balão Editorial topou participar do projeto? Qual você considera o principal mérito da HQ?
Como eu falei, o livro tem tudo a ver com a gente. Uma história completa, que foge de clichês e formatos narrativos convencionais, mas sem deixar de ser acessível. Eu acho que é um gibi com muita qualidade, com muitas camadas de leitura e com uma arte exuberante. Pensando bem, a única resposta para este livro é ‘sim’. Não tinha como a gente não publicar isso.
CONTINUA…
ANTERIORMENTE:
>> Thiago Souto e a Av. Paulista – Parte #4: “Um quadrinho com um título imenso”;
>> Thiago Souto e a Av. Paulista – Parte #3: “Experimento voltado para a desconstrução”;
>> Thiago Souto e a Av. Paulista – Parte #2: “É muita gente diferente compartilhando o mesmo espaço”;
>> Thiago Souto e a Av. Paulista – Parte #1: “Parecia coisa de ficção científica”.