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Entrevistas / HQ

Papo com Amanda Miranda, autora de Aparição: “O que mais impactou o roteiro foi o sentimento angustiante de, praticamente todos os dias, ouvir algum caso de feminicídio”

Conversei com a quadrinista Amanda Miranda sobre Aparição, 24ª edição da Coleção Ugritos. Esse meu papo com a autora virou o foco da 20ª Sarjeta, minha coluna mensal sobre histórias em quadrinhos no site do Instituto Itaú Cultural. Você lê o meu texto clicando aqui. Lá eu trato das origens da HQ e apresento algumas falas da autora sobre o desenvolvimento da obra – além de comentar as duas edições prévias dos Ugritos.

Compartilho agora a íntegra da minha entrevista com a quadrinista. Ela falou um pouco sobre as técnicas usadas por ela, expôs algumas de suas preferências no gênero de terror, comentou o formato dos Ugritos e refletiu sobre as peculiaridades de fazer horror em HQ. Então faça assim: leia o meu texto, leia Aparição e leia a minha entrevista com Amanda Miranda. Papo bem massa, saca só:

“Me interesso demais por tensão e lacunas”

Quadro de Aparição, Ugrito da quadrinista Amanda Miranda (Divulgação)

Tenho perguntando para todo mundo que entrevisto desde o início do ano passado: como estão as coisas aí? Como você está lidando com a pandemia? Ela afetou de alguma forma a sua produção e a sua rotina diária?

Essa eu nem queria responder, sinceramente hahaha Não estão boas, continuo muito preocupada com a saúde da minha família, ano passado perdi uma pessoa próxima, enfim. Um desgaste emocional enorme. Mas poderia estar pior, né? Sempre pode.

Imagino que o formatinho fixo da coleção Ugritos acabe tendo algum impacto no desenvolvimento das histórias. Você já tinha em mente a história de Aparição quando foi convidada para participar da coleção ou ela foi desenvolvida a partir desse convite?

Eu já estava pensando em fazer uma história que fosse mais próxima da minha vida há algum tempo, tocando no interior de São Paulo, a influência pesada do cristianismo nos anos de formação, etc. Mas Aparição foi escrita pensando no Ugrito, mesmo. Tentando criar uma história que funcionasse nesse formato pequeno e curtinho. De maneira aleatória me lembrei dessa notícia sobre a aparição da imagem de uma santa na janela de uma casa, lembro de ver isso na TV quando era criança, a partir dessa lembrança comecei a escrever o roteiro.

E como foi para você trabalhar nesse formatinho dos Ugritos? Qual foi o impacto desse formato para o desenvolvimento do seu quadrinho?

Foi um desafio! muito tempo que eu não pensava num grid de página que desse certo para o formato A6. Mesmo assim, achei bem divertido.

“O horror funciona melhor em mídias que dispõe de maior controle na experiência do público”

Página de Aparição, Ugrito da quadrinista Amanda Miranda (Divulgação)

O que mais te atrai em uma história de horror? O que você considera essencial para uma boa história de horror?

Como é um dos meus gêneros favoritos, eu assisto e leio praticamente qualquer coisa. Mas no meu filtro de referências, me interesso demais por tensão e lacunas. Dar espaço para o leitor participar da narrativa e se relacionar com a história de maneira mais subjetiva. Entre meus subgêneros favoritos entram o horror psicológico, o body horror e as produções experimentais e de baixo orçamento dos anos 70.

E o que você considera mais desafiador em contar uma história de horror em quadrinhos?

O horror funciona melhor em mídias que dispõe de maior controle na experiência do público, quando entrávamos em uma sala de cinema estavamos entregues à própria sorte.  Em HQ é um pouco mais difícil fazer a grande revelação ou tentar assustar de súbito o leitor. Mas é possível causar impacto usando de outras ferramentas narrativas, envolvimento, virada de página, etc. Dentro da técnica de viradas o [Junji] Ito é um mestre, mas tendo a me interessar mais pelo formato do Suehiro Maruo, que assusta através do absurdo, incômodo, desagradável.

Teve alguma obra (filme, música, livro, hq ou o que for) com algum impacto em particular em você durante o desenvolvimento desse quadrinho? Como a nossa atual realidade sócio-econômica-pandêmica influenciou esse seu trabalho? Pergunto tendo em mente as suas várias investidas recentes em trabalhos com ilustrações editoriais para publicações jornalísticas. Imagino que você esteja bastante alerta a tudo que tá rolando no mundo…

Posso citar em HQs: Encruzilhada, do Marcelo D’Salete, e Pretending is Lying, da Dominique Goblet. Na época estava acompanhado uma seleção de documentários da Criterion Collection chamado Tell Me: Women Filmmakers, Women’s Stories e durante toda criação do quadrinho pensei na música Fio de Cabelo, do Chitãozinho e Xororó.

Mas o que mais impactou o roteiro foi o sentimento angustiante de, praticamente todos os dias, ouvir no jornal regional algum caso de feminicídio. Um em específico marcou por ter acontecido no meu bairro, onde um cozinheiro assassinou a ex-esposa na frente dos filhos e depois se suicidou.

Muito tem se falado nos últimos anos sobre novas investidas no gênero de terror no cinema – penso nos filmes do Jordan Peele e da produtora A-24, por exemplo. Vi um pouco dessas propostas, mais pé no chão e psicológicas, no seu Ugrito. Faz sentido? Você se vê influenciada por essas produções?

Sinto que desde Anticristo do Lars Von Trier aconteceu um aumento significativo nas produções que focam nesse horror meio cético e cínico, às vezes só atmosférico (como alguns da A-24), ou de cunho explicitamente político (no caso do Peele). Acompanho e gosto de alguns. A produção brasileira também está bem interessante, gosto muito dos filmes da Gabriela Amaral Almeida e da Juliana Rojas. Mas a maioria das minhas referências e inspirações vêm de filmes antigos, a primeira fase do [David] Cronenberg, a histeria do [Andrzej] Zulawski, a violência desregrada dos anos 70 e até produções mais sutis que nem chegam a entrar 100% no gênero como A Mulher Sem Cabeça da [Lucrecia] Martel.

“Gosto de escrever pensando nas cenas, costurar essas imagens que estão na minha cabeça com texto”

Página de Aparição, Ugrito da quadrinista Amanda Miranda (Divulgação)

Você pode me falar, por favor, um pouco sobre as técnicas e materiais que usou na produção desse Ugrito?

Escrevo no papel, desenho tudo no digital. Pra essa história quis testar uma arte final mais expressiva e próxima do rascunho, mantendo imperfeições.

Não sei se essa pergunta vai soar meio abstrata… Eu queria saber qual é a sua abordagem em relação a uma página? Nesse Ugrito, por exemplo, você trabalha com quadros e também com duplas compostas por um painel único reunindo várias cenas. Como você pensa e chega nessas soluções gráficas? Você chegou a finalizar um roteiro antes de elaborar as artes desse quadrinho?

A inspiração varia, mas sempre vêm o texto antes. Não chega a ser um roteiro todo formatado, mas gosto de escrever pensando nas cenas, costurar essas imagens que estão na minha cabeça com texto, pra daí desenhar. Sempre faço as páginas como se fossem duplas, mesmo quando não são. Gosto de ter a visão completa do que o leitor verá quando a página virar. 

Última! Você pode recomendar algo que esteja lendo, assistindo ou ouvindo no momento?

Essa semana assisti Jardim de Guerra, do Neville D’Almeida, e gostei muito. Reforço a recomendação de Pretending is Lying, da Dominique Goblet, queria ver esse publicado no Brasil. Voltei a ouvir com frequência o DUMMY, do Portishead.

A capa de Aparição, Ugrito da quadrinista Amanda Miranda (Divulgação)


Entrevistas / HQ

Papo com Lovelove6, autora de Lombra, 19ª edição da coleção Ugrito: “Esse formatinho me encorajou a experimentar uma história em quadrinhos sem texto pela primeira vez”

A quadrinista Lovelove6 é a autora da 19ª edição da coleção Ugrito, publicada pelo selo Ugra Press. Batizada de Lombra, a HQ será lançada no sábado (3 de agosto), na loja da Ugra, em São Paulo, a partir das 16h – você confere outras informações sobre o lançamento na página do evento no Facebook

A HQ de 16 páginas é o primeiro trabalho de Lovelove6 integralmente sem texto e a sinopse oficial de Lombra fala em como a autora leva seus leitores a um ambiente onírico para apresentar “uma história sobre vulnerabilidade, coragem e esperança”.

Bati um papo por email com a quadrinista na qual ela falou sobre o ponto de partida de Lombra, apresentou as técnicas utilizadas por ela durante a produção do quadrinho e expôs seu interesse crescente por narrativas longas. Papo massa, saca só:

“Tenho me interessado muito mais por novelas gráficas e ficcionais, tramas de estruturas tradicionais e com uma estética e pensamento mais próximos do cinema”

Um dos personagens de Lombra, HQ de Lovelove6 publicada na 19ª edição da coleção Ugrito

Uma das graças dos Ugritos está na forma como cada autor faz uso desse formato pequeno e curto, com um número limitado de páginas. Foi desafiador pra você trabalhar dentro dessas restrições?

Tanto o tamanho pequeno quanto o número limitado de páginas são regras que eu tenho aplicado nos meus quadrinhos mais recentes, então por um lado eu estava confiante em relação ao formato do Ugrito. Esse formatinho me encorajou a experimentar uma história em quadrinhos sem texto pela primeira vez.

O conflito do Ugrito para mim foi definir o estilo de narrativa, porque inicialmente eu queria fazer uma história que me parecia ser melhor contada num estilo autobiográfico e de fluxo de pensamento, como as histórias que desenhei para o site A Nébula em 2015 e 2016. 

Atualmente porém eu tenho me interessado muito mais por novelas gráficas e ficcionais, tramas de estruturas tradicionais e com uma estética e pensamento mais próximos do cinema. 

Eu me sinto traindo um pouco os quadrinhos limitando as possibilidades dessa linguagem incrível aos limites das visualidades e narrativas cinematográficas, mas ao mesmo tempo eu tenho sentido que gosto mais de inventar histórias do que de desenhar.

Um dia eu queria mesmo é que me pagassem pra consultoria de roteiros, tipo script doctor, então a minha ideia é fazer muitas mais narrativas como a da Lombra pra construir essa moral. =p

Uma página de Lombra, HQ de Lovelove6 publicada na 19ª edição da coleção Ugrito

Qual foi o ponto de partida dessa história? Teve alguma reflexão ou inspiração em particular que te motivou a criar a trama de Lombra?

Um dia eu ganhei um bud de maconha que era muito cheiroso e em vez de fumar eu o guardei pra continuar sentindo o cheirinho toda noite. Foi assim que surgiu a ideia da história Lombra.

Você pode me falar, por favor, um pouco sobre suas técnicas? Você chegou a fechar um roteiro antes de começar a desenvolver Lombra? Você usa papel ou trabalha no computador? Como foi o desenvolvimento dessa HQ?

Como é uma história curta e sem diálogos, que eu já vinha elaborando na cabeça há muito tempo, comecei direto com os esboços em miniatura das páginas.  

Depois desenho maior e com a ajuda de uma mesa de luz passo todos os desenhos a limpo em folhas de gramatura boa, que recebem a arte final com uma pen brush e nanquim. 

Detalho e corrijo com guache branca e pincel, depois faço o tratamento e adiciono os tons de cinza digitalmente no computador. A imagem a seguir compara o esboço em miniatura com a página desenhada.

O esboço em miniatura em comparação com uma página desenhada de Lombra, HQ de Lovelove6 publicada na 19ª edição da coleção Ugrito

Lombra me fez pensar sobre confronto e esperança. Esses temas são caros para você?

Sou bem familiarizada com a ideia de confronto, mas não costumo pensar sobre ‘ter esperança’, talvez porque eu associe esperança a ter sorte. 

O que pesou para terminar a Lombra de forma esperançosa foi considerar a recepção e satisfação de leitores, mas nas minhas primeiras ideias da história, ela tinha um final niilista sem-vergonha. O que você acha, eu tomei a decisão certa?

Não faço ideia. Confesso ficar curioso em relação ao final niilista sem-vergonha, acho que ele pode entrar numa versão com extras do Ugrito… Você costuma levar em conta as possíveis recepções dos seus leitores quando está produzindo seus trabalhos?

Sim, com certeza. Costumo publicar muitos dos meus quadrinhos à medida que os desenho e leitores vão acompanhando, dando suas opiniões, compartilhando teorias e seus próprios conhecimentos sobre os temas. Por meio dessas respostas eu consigo ajustar e enriquecer a forma como estou construindo e comunicando a minha história. 

Sendo autora independente também preciso ser minha própria editora, tenho que fazer histórias que sejam boas e que também as pessoas queiram comprar. Espero que eu acerte mais do que falhe.

“A impunidade é a prova de que as instituições governamentais do Brasil são uma farsa”

Uma página de Lombra, HQ de Lovelove6 publicada na 19ª edição da coleção Ugrito

Aliás, falando em esperança, desde o dia 1º de janeiro de 2019 o Brasil é governado por um presidente de extrema-direita, militarista, pró-tortura, fascista, misógino, machista, xenófobo, homofóbico e racista que reflete muito do que é a nossa sociedade hoje. Você é otimista em relação ao nosso futuro?

Tenho um medo mórbido do futuro e ontem mesmo eu estava pesquisando sobre como conseguir um emprego no Peru ou na China (spoilers: sendo quadrinista não tem como). 

Tem esse governo ideologicamente escroto, tem o genocídio indígena, a treta da Vaza Jato e das milícias associadas à família Bolsonaro, que levam ao assassinato da Marielle Franco e ao genocídio da juventude negra.

A impunidade é a prova de que as instituições governamentais do Brasil são uma farsa.

Você pode recomendar algo que esteja lendo, assistindo ou ouvindo no momento?

Tenho ouvido muito ao podcast gringo Writing Excuses, sobre como desenvolver bons roteiros e histórias.

A capa de Lombra, HQ de Lovelove6 publicada na 19ª edição da série Ugrito
Entrevistas / HQ

Papo com Rodrigo Okuyama, o autor de Brasil.exe, a 18ª edição da coleção Ugrito: “Não me sinto confortável na criação dos meus trabalhos, é sempre um processo penoso de escolhas e abandonos”

O quadrinista Rodrigo Okuyama é o autor da 18ª edição da coleção Ugrito, publicada pelo selo Ugra Press. Batizada de Brasil.exe, a HQ será lançada no sábado (6 de abril), na loja da Ugra, em São Paulo, a partir das 16h – você confere outras informações sobre o lançamento na página do evento no Facebook.

A sinopse oficial de Brasil.exe fala em como Okuyama explora na HQ “as intersecções entre os quadrinhos e as redes sociais e retrata uma sociedade permanentemente conectada mas incapaz de se comunicar”. Sem entregar muito sobre a trama, vou um pouco além e digo se tratar de uma crônica familiar com ares tragicômicos representativa da Era Bolsonaro.

Conhecido na cena brasileira de quadrinhos por suas experimentações com mídias e linguagens, Okuyama ousa narrativamente dentro do formato fixo de apenas 20 páginas dos Ugritos. O meu estranhamento inicial à primeira leitura da HQ foi muito bem recompensando à medida que compreendi a proposta da obra. Um tremendo gibi.

Bati um papo por email com Okuyama no qual ele listou algumas das inspirações por trás de Brasil.exe, falou das técnicas utilizadas por ele e comentou algumas de suas impressões sobre quadrinhos e a realidade política brasileira. Papo massa, saca só:

Dois dos protagonistas de Brasil.exe, trabalho de Rodrigo Okuyama para 18ª edição da coleção Ugrito

É um desafio falar sobre esse seu Ugrito sem afetar de alguma forma a experiência do leitor. Você acha possível fazer isso? Se sim, como essa história surgiu na sua cabeça? Sempre esteve claro pra você a forma como essa HQ seria contada?

Ramon, obrigado por considerar isso, acho massa se o leitor fizer a leitura sem ser mediado por mim.

A história não estava na minha cabeça. A ideia inicial que tive foi da estrutura do quadrinho, de como as páginas se relacionariam. Na verdade essa ideia foi pensada depois de ter abandonado uma outra história em quadrinhos (seria uma história circular e já havia esboçado seu personagem).

Você sempre trabalha com formatos e estilos pouco usuais, costumando variar suas técnicas de uma obra pra outra. Sendo o formato do Ugrito pré-estabelecido (20 páginas e 10,5 X 15 cm), como você chegou no estilo e no traço que queria trabalhar em Brasil.exe?

Bem, esse traço é algo que vinha tentado trabalhar em um quadrinho que não terminei, com desenhos com vetores, usando o Adobe InDesign. Contudo, essa não era a minha primeira escolha. Sugeri ao Douglas [Utescher, editor dos Ugritos] de usar um outro traço e um desenho a lápis. Em outro momento, quando já estava usando vetores, pensei em colocar texturas com o Adobe Photoshop.

No final ficou uma ilustração vetorial sem textura, pois essa alteração com tons de cinza seria bem demorada (e já atrasei bastante a entrega desse Ugrito).

Uma página de Brasil.exe, trabalho de Rodrigo Okuyama para 18ª edição da coleção Ugrito

Aliás, uma das graças dos Ugritos está na forma como cada autor faz uso desse formato fechado e pequeno, com um número limitado de páginas. Foi desafiador pra você trabalhar dentro dessas restrições?

Foi bem difícil… Geralmente tenho dois processos diferentes, um para criação de zines ilustrados e outro para quadrinhos. Minha intenção na criação da maioria de meus zines ilustrados é tentar explorar formatos e materiais diversos e como eles se relacionam com a narrativa. No zine Boom eu queria trabalhar com o furo como um elemento da história e o formato de sanfona funcionou bem, pois quando fechado fazia com que o buraco coincidisse; no zine mais recente, Frutixo, as páginas possuem diferentes tamanhos e permitem visualizar parte da página seguinte, me permitindo um jogo de dividir o nome de frutas para formar outras palavras.

Nos quadrinhos tenho uma forma de criação meio idiota: penso em alguns quadros/cenas interessantes e desenho página por página, sem pensar no final. O Massa Véio foi feito assim e estava fazendo outro quadrinho do mesmo jeito. Penso que ficam vários furos e a narrativa perde muito criando um quadrinho desta forma…

Voltando ao formato do Ugrito, ele não me instigou em explorar algo diferente (respondendo agora, penso que poderia até ter sido possível fazer algo diferente…). O tamanho pequeno pode forçar a trabalhar com menos quadros ou imagens por páginas, mas isso não é uma regra, pois um desenho mais limpo e simples quebra essa ideia. Bem, estou me contradizendo sobre ser desafiador, mas talvez tenha sido difícil pra mim porque não me sinto confortável na criação e produção dos meus trabalhos, é sempre um processo penoso de escolhas e abandonos.

Uma página de Brasil.exe, trabalho de Rodrigo Okuyama para 18ª edição da coleção Ugrito

Eu queria saber sobre os seus métodos na produção dessa HQ. Você começou a trabalhar já com a história fechada? Você fechou o roteiro e só então começou a desenhar? Qual material você utilizou na produção desse quadrinho?

No Brasil.exe eu trabalhei primeiro com a estrutura das páginas e funcionamento da narrativa. Em seguida juntei os assuntos que queria trabalhar na história: redes sociais, violência, família, alienação, etc; e fui esboçando algumas páginas e personagens, para começar a pensar na história. Estava meio perdido nessa etapa… Uma das primeiras propostas era falar sobre o país desde 2013 até agora, tentar falar sobre política e a ascensão dessa extrema direita. As conversas com o Douglas me ajudaram muito, pois me fizeram dar um rumo pra história.

Ouço bastante podcast, e aqueles que abordam política (os de viés de esquerda, Marx me livre dos de direita), como o Lado B do Rio, Anticast, Chutando a Escada e Viracasacas, me pilharam bastante nessa obra.

O rascunho de duas páginas de Brasil.exe, trabalho de Rodrigo Okuyama para 18ª edição da coleção Ugrito

O que são quadrinhos pra você? Quais são as suas leituras preferidas? Alguma obra em particular te influenciou durante a produção de Brasil.exe?

Putz, nunca parei para pensar sobre o que é quadrinhos a ponto de dar uma responta decente…

Quanto às leituras preferidas, vamos lá. Obras ou artistas de fora: The Mysterious Underground Men, de Osama Tesuka (Picturebox); Steve Canyon, de Milton Caniff (IDW Publishing); Mort Cinder, de Alberto Breccia e Héctor German Oesterheld (Figura Editora); The Collector, de Sergio Toppi (Archaia); Birchfild Close, de Jon McNaugt (Nobrow); Andre the Giant, de Box Brown (First Second); Goliath, de Tom Gauld (Drawn and Quarterly); This One Summer, de Jillian Tamaki e Mariko Tamaki (First Second); Instrusos, de Adrian Tomine (Nemo); Alien, de Aisha Franz (Musaraña); e Bruma, de Amanda Baesa (Chili com Carne). As obras nacionais Futuro, de Denny Chang (independente); Úlcera Vórtex, de Victor Bello (Escória Comix); Cadeado, de Juscelino Neco (Ugra Press); Know Haole, de Diego Gerlach (independente); a coletânea Porta do Inferno (Escória Comix); Asteróides – Estrelas em Fúria, de Lobo Ramirez (Ugra Press); Encruzilhada, de Marcelo D’Salete (Barba Negra); Terreno e Firehose!, de Paulo Crumbim (independente); Panda, de Rart Rixers (independente); e a coletânea Cavalo de Teta (independente).

Uma obra que influenciou esteticamente foi Souvenirs de L’Empire de l’Atome, de Thierry Smolderen e Alexandre Clérisse. Tem duas obras que me instigaram a trabalhar com essa narrativa do Brasil.exe: Futuro e o Know Haole # 8.

O rascunho de duas páginas de Brasil.exe, trabalho de Rodrigo Okuyama para 18ª edição da coleção Ugrito

Brasil.exe narra uma história trágica e é explícito o diálogo da HQ com a nossa realidade. Como você analisa essa nossa realidade? Como você vê o nosso futuro?

Meus trabalhos não possuem um caráter crítico e nem têm a intenção de fazer uma análise do momento que vivemos, mas estou bem angustiado desde a última eleição e isso me levou a essa obra. Acho que esses próximos anos serão bem difíceis, com um presidente eleito a partir de mentiras e sem nenhuma proposta. Isso não me deixa muito esperançoso para os próximos anos… Um chefe de estado disseminando discurso de ódio ecoa na classe política e na população e libera a barbárie.

A capa de Brasil.exe, trabalho de Rodrigo Okuyama para 18ª edição da coleção Ugrito
Entrevistas / HQ

Papo com Aline Zouvi, a autora da 17ª edição da coleção Ugritos: “Se há alguma sensação que quero passar, talvez seja essa de que o estranho e o familiar andam juntos”

Um dos principais lançamentos da Bienal de Quadrinhos de Curitiba 2018 será o 17º número da coleção Ugritos. A publicação é assinada pela quadrinista Aline Zouvi e tem o título Óleo Sobre Tela. A HQ de 16 páginas é toda ambientada dentro de um museu, tem como pano de fundo uma exposição das obras do pintor surrealista belga René Magritte (1898-1967) e acho melhor parar por aqui e não adiantar muito mais em relação à sinopse.

Com o lançamento do excelente Síncope no final de 2017, Zouvi se tornou um dos principais nomes da nova safra de quadrinistas brasileiros. Óleo Sobre Tela reforça a autora como uma artista a não se perder de vista, por conta de seu traço singular e sua narrativa ímpar. Conversei com a quadrinista sobre as origens e inspirações de seu mais novo lançamento, publicado pela editora Ugra Press. Dá uma conferida:

É a explícita a proposta surrealista de Óleo Sobre Tela e o diálogo do quadrinho com os trabalhos do René Magritte. O que veio antes: a história que você queria contar ou essa abordagem tratando dos trabalhos do Magritte?

O que veio antes foi a história. Há bastante tempo eu queria fazer um quadrinho sobre observar pessoas em museus – eu gosto bastante da temática, genericamente falando, dos bastidores. Perceber o estranho presente nas pequenas coisas que a gente faz todo dia, reconhecer esse silêncio confortável daquilo que acontece por detrás dos panos para que outras coisas legais possam acontecer. Gosto muito de pensar nesses tipos de histórias – sobre cochias de teatro, funcionários de museus, pessoas geralmente escondidas. O trabalho do Magritte me veio depois, de forma natural, pois sou apaixonada (obviamente, haha!) pelo seu modo de olhar as coisas.

Acho que mais do que uma história, o seu Ugrito se propõe mais a brincar com sensações e sentimentos. Algo bem parecido com os trabalhos do Magritte. Você tinha algum/alguma sentimento/sensação específico/especifica que queria passar para o leitor enquanto produzia esse quadrinho?

Acho perigoso fazer uma hq (ou qualquer outra obra) com um objetivo específico em mente, principalmente sabendo que não irei controlar a interpretação do outro sobre o que fiz. Se há alguma sensação que quero passar com este Ugrito, talvez seja essa de que o estranho e o familiar andam juntos. Essa leveza que vem dos quadros do Magritte eu considero interessante de trabalhar, como um exercício de reconfigurar minha visão de mundo e, quem sabe, transmitir isso pra mais alguém também. Mesmo enquanto não tão velhos, a gente já tem uma visão muito engessada da vida. Não tem muito espaço pra brincar, pra ser flexível, sabe?

O seu quadrinho me fez pensar muito na minha relação com museus, como esses espaços que lembram uma espécie de realidade paralela em que o tempo flui num ritmo diferente. Como é a sua relação com museus?

Minha relação com museus é familiar à posição daqueles que desenham: não visitamos museus 100% por trabalho, nem 100% por lazer. Há sempre um limbo a ser percorrido, e devo dizer que este limbo é muito agradável, apesar de às vezes poder ser sufocante. Me interessa muito esta ideia do museu como realidade paralela, pois o tempo realmente flui de outra forma quando nos deixamos absorver por uma exposição. De todo modo, ocupar e apoiar um museu não deixa de ser, também, um ato político. Escrevo isto um dia depois da tragédia do Museu Nacional (no Rio de Janeiro), e a perda histórica, material (e, por que não, sentimental) que sinto e que vejo meus amigos sentirem mostra bem essa nossa relação ambígua com museus: talvez não os visitamos tanto como devíamos, mas sua presença em nossas vidas, enquanto sociedade, é imprescindível.

Uma das graças dos Ugritos está na forma como cada autor faz uso desse formato fechado e pequeno, com um número limitado de páginas. Foi desafiador pra você trabalhar dentro dessas restrições?

Foi muito desafiador pensar em uma história de 16 páginas que tivesse um bom desenvolvimento e, principalmente, um desfecho interessante para o leitor. É como se não houvesse espaço pra respirar. Para mim, foi um desafio muito importante! Eu achava que pensar em narrativas longas era complicado mas, com esta experiência do Ugrito, vejo que o demônio mora, mesmo, nas 16 páginas. Haha!

No que você está trabalhando agora? Você tem mais alguma publicação à vista pra 2018?

Estou trabalhando na publicação que irei lançar na CCXP de 2018. Pretendo fazer uma coletânea de tiras de formato quadrado, pensadas especialmente para publicação via instagram. Estas tiras foram algumas das primeiras publicações que comecei a fazer, quando ainda estava experimentando linguagens e traços. Minha intenção é ordená-las (assim como produzir tiras novas) de modo que construam uma narrativa, quando postas em conjunto.

HQ

Arrecém: confira a capa e as primeiras páginas da HQ de Diego Gerlach para a 12ª edição da coleção Ugrito

O quadrinista Diego Gerlach assina a HQ da 12ª edição da coleção Ugrito da Ugra Press. O gibi foi batizado de Arrecém e será lançado na Ugra Fest 2017, com a presença já confirmada do autor (que também estará autografando o álbum Nóia – Uma História de Vingança). A capa do quadrinho é essa aqui em cima e mais abaixo você confere as duas primeiras páginas da edição.

Já li o quadrinho e adianto que é mais uma pérola da ótima fase pela qual Gerlach vem passando. Assim como nas edições mais recentes da série Know-Haole, Arrecém mescla uma ambientação urbana com uma trama conspiratória de ares sobrenaturais. Gosto muito como o ritmo da história fica ainda mais frenético pela ausência de sarjetas entre os quadros. Sério, deixa passar esse não.

miolo_ugrito_gerlach_1

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HQ

Culpa: a capa da HQ de Cristina Eiko para a 11ª edição da coleção Ugritos

Demais a capa dessa próxima edição da coleção Ugritos, hein? É o primeiro número em seguida ao excelente Cadeado do Juscelino Neco. Culpa é assinada pela quadrinista Cristina Eiko e será lançada no próximo sábado (29/4), na loja da Ugra aqui em São Paulo. As instruções pro evento tão aqui. Quero muito ler o gibi, principalmente por só conhecer os trabalhos da autora em parceria com o Paulo Crumbim. Segundo o pessoal da Ugra, é o primeiro quadrinho solo da artista desde a época em que publicava em zines. No aguardo!