Fiz o meio de campo para uma entrevista envolvendo dois dos meus quadrinistas preferidos: o canadense Michael DeForge, autor de Formigueiro, publicado no final do ano passado no Brasil pela editora Mino, e o brasileiro Diego Gerlach – tradutor de Formigueiro, editor da Vibe Tronxa Comix, responsável pela série Know-Haole e autor do zine Pirarucu (encartado no primeiro número da revista Baiacu). O texto a seguir, assim como as perguntas respondidas por DeForge, são de autoria de Gerlach:
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por Diego Gerlach
Em pouco mais de 10 anos de atividade, o quadrinista canadense Michael DeForge já conta com uma extensa lista de publicações e prêmios em seu currículo. Ele é um dos principais nomes de uma nova geração de quadrinistas autorais norte-americanos que passaram a ser conhecidos amplamente após o advento da internet e das redes sociais. Ainda não tão conhecido no Brasil, no final de 2017 a Editora Mino publicou Formigueiro, talvez seu trabalho mais conhecido e aclamado (originalmente serializado online). (Disclaimer: Coube a mim fazer a tradução.)
É uma história repleta de revelações tão hilárias quanto desconcertantes. DeForge utiliza as interações de uma colônia de formigas vagamente antromorfizadas como trampolim para elaborar sobre questões existenciais profundas, sempre ameaçadas pela implacável sombra do determinismo biológico. A arte é minimalista e expressiva, com um estilo orgulhosamente bidimensional, preenchido por um tornado de cores cítricas. O emprego de um tipo de desenho que parece mais adequado a um livro infantil numa trama pontuada por relações disfuncionais, guerra interespécies e atos de mesquinhez de toda sorte, é grande parte do atrativo.
(DeForge já havia sido publicado no Brasil anteriormente: algumas ilustrações originais contidas na antologia independente Gibi Gibi # 2, editada e publicada em 2013 por Mateus Acioli, Heitor Yida e Luiz Berger.)
Com a ajuda de Ramon Vitral na intermediação, fiz algumas perguntas a DeForge, que nos mandou respostas tão concisas e discretas quanto seu estilo de desenho.
Lembro de ter visto seu trabalho por volta de 2008, ainda através do Flickr, quando você costumava assinar como KING TRASH. Se não estou enganado, os trabalhos eram em sua maioria posters, flyers e experimentos em ilustração, com texto aparecendo apenas em alguns casos. Não eram bem quadrinhos, mas lembro de ficar impressionado com o design agressivo, às vezes beirando a ilegibilidade – aquilo me inspirou um bocado, pois estava experimentando com o mesmo tipo de coisa na época. Em seguida, comecei a tentar fazer quadrinhos, e logo um monte de blogs falavam desse sujeito, Michael DeForge, que fazia quadrinhos fantásticos, e quando finalmente descobri que ‘vocês’ eram a mesma pessoa, fiquei bastante surpreso. Nessa época (em que assinava com pseudônimo), você já produzia ou tentava produzir quadrinhos?
Estava sempre fazendo quadrinhos, histórias curtas, experimentos, esse tipo de coisa. Mas foi só em Lose # 1 que realmente comecei a esboçar a direção que queria seguir. Desenhar para quadrinhos é muito diferente de fazer desenhos ‘normais’, e levou um bocado de tempo e várias tentativas frustradas para me dar conta disso.
Creio que foi num texto escrito por Nick Gazin em que li pela primeira vez que você desenha suas digitalmente, de modo que no fim não tem um original ‘físico’ da página concluída. Gostaria de saber se esse ainda é seu processo, e o que o fez sentir que esse era o caminho a seguir?
Sim, a maioria dos meus quadrinhos são desenhados digitalmente hoje em dia. É simplesmente mais rápido para mim, e isso é tudo que importa. Sempre pendi para um estilo bastante limpo, de linhas estéreis, de modo que a transição não foi muito difícil.
Na introdução para A Body Beneath (compilação com histórias curtas do autor pinçadas da série Lose, publicada em 2014 pela editora canadense Koyama Press), você expressou certo senso de desconforto quanto à qualidade de alguns de seus quadrinhos mais antigos. Agora que algum tempo se passou desde a publicação inicial de Formigueiro, como se sente em relação a esse trabalho?
Creio que é natural sentir ao menos algum senso de ambivalência a respeito do trabalho, conforme ele envelhece. Sinto que sou uma pessoa totalmente diferente daquela que criou Formigueiro e, de certa forma, é verdade. Não sinto vergonha de Formigueiro. Fico feliz de tê-lo desenhado, tendo em vista que aprendi tanto enquanto fazia isso. Definitivamente, há alguns quadrinhos que desenhei na vida que faria sumir se pudesse, e Formigueiro não é uma deles (ainda).
Você costuma reler seu material para aprender com erros passados, ou é algo que só acontece de fato quando você tem que preparar uma nova compilação do seu trabalho?
Tento não reler com muita frequência, mas às vezes é útil. Eu me repito um bocado. É inevitável, a maioria dos autores acaba retornando a certos temas, ou certos eventos, e acho que na verdade é bom reexaminá-los de diferentes perspectivas. Às vezes tenho medo de estar reescrevendo alguma de minhas histórias antigas palavra por palavra, então preciso dar uma folheada pra me certificar de que isso não está acontecendo.
Você é um autor bastante produtivo e ainda tem um emprego ‘oficial’ a gerenciar (DeForge trabalha na equipe de criação do desenho Hora de Aventura, exibido pela Cartoon Network). Ainda encontra tempo para ler tanto quadrinhos quanto gostaria?
Não me mantenho tão atualizado quando costumava, mas ainda me divirto lendo quadrinhos novos. Acabei de ler Pretending is Lying, da Dominique Goblet, que foi traduzido para o inglês ano passado, e amei.
Qual foi a melhor coisa que alguém já disse a você sobre um dos seus quadrinhos?
Estou desenhando uma tira diária, e gosto de ouvir o que as pessoas que acompanham dizem todos os dias. Costumava ler tiras assim quando era criança, e fico feliz de saber que um punhado de pessoas tem esse tipo de relação com meu trabalho.