“A melhor HQ de todos os tempos, hoje, para mim” – André Graciotti: Sleepwalk and Other Stories

Até agora foram apenas seis posts para “a melhor hq de todos os tempos, hoje, para mim“, mas a verdade é que acho que demorou pra algum trabalho do Adrian Tomine dar as caras por aqui. O autor do texto de hoje é o músico e designer André Graciotti. Companheiro de algumas matérias minhas no Estadão, o André me disse que a melancolia de seu som no cellardoor é repleto de influências do trabalho do Tomine. Só sei que li o que o André me mandou e voltei a ficar indignado com o fato do Tomine ainda não ter dado as caras em alguma edição nacional. Ó o que o público brasileiro tá perdendo:

“A ilustração mais simbólica de Adrian Tomine, dentre suas muitas famosas capas para a New Yorker, se chama Missing Connections, em que um garoto e uma garota se entreolham pela janela de seus trens, que seguem em direções opostas, ambos segurando o mesmo livro. O que fica ao observar a cena não é apenas um momento potencialmente romântico, mas o fato de que, apesar de tão promissor, ele acontece em menos de um segundo. É um frame da própria efemeridade do tempo em um relance; Um retrato preciso de todas as oportunidades perdidas a todo momento em todo lugar.

Foi tocado por essa ilustra tão memorável que me aventurei na obra de Adrian Tomine. E meu favorito sempre foi o Sleepwalk and Other Stories, uma antologia com 16 curtas histórias de sua antiga série Optic Nerve. Como não poderia deixar de ser, a exemplo de suas capas para a New Yorker ou de suas outras graphic novels, a melancolia é onipresente em cada história, a grande maioria centrada em personagens adolescentes ou jovens adultos tímidos e desajustados (os misfits) em dramas existenciais, de relacionamentos, ou típicos da idade. Porém, diferentemente de seus contemporâneos, como Daniel Clowes, que retrata os desajustados como figuras loosers em ácidas sátiras sociais, os personagens de Tomine são introspectivos e observadores, que sofrem em seu próprio mundo de isolamento e solidão, em ‘vazios’ retratados em seu traço PB de maneira tão efetiva. Não por acaso que ele frequentemente encerra suas histórias com um frame totalmente coberto por preto, como um fechar de olhos que renuncia à razão para dar lugar à meditação.

As 16 histórias de Sleepwalk vão desde um encontro totalmente awkward de um ex-casal de namorados – onde um ‘I miss you’ escapa de um deles e não resulta o esperado; uma idosa que todos os dias repete o mesmo gesto dentro de seu carro, apenas para relembrar um antigo amante; até um estudante que perde um vôo e, hesitante em voltar para casa e para as pessoas de quem já havia se despedido, resolve perambular pela cidade e esperar pelo vôo do dia seguinte em um quarto de hotel, o que acaba fazendo-o sentir como se já estivesse longe dali. Todas histórias predominantemente sobre a carência de pertencer – seja ao outro ou ao mundo ao redor. É leitura pesada sim, amarga e por vezes até dolorosa, mas igualmente arrebatadora.

A obra de Tomine é fascinante não apenas por ser visivelmente bastante autoral (quase todos os personagens são, como ele, imigrantes japoneses vivendo em Nova York), mas porque ele faz parte dos raros artistas que entendem a melancolia como um processo necessário à alma, não por um suposto pessimismo, mas pela inquietante recusa de aceitar as coisas como elas simplesmente são.

Seus personagens, aparentemente tão complexos e desligados socialmente, provavelmente só precisariam de um encontro fortuito do destino para se sentirem em paz, exatamente como o relance momentâneo de Missed Connections. E essa é a força de Tomine: ao nos apresentar um mundo de personagens tão solitários, ele também mostra que, no fim, ninguém está realmente sozinho.”

TomineCapa


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