O quadrinista Rodrigo Okuyama é o autor da 18ª edição da coleção Ugrito, publicada pelo selo Ugra Press. Batizada de Brasil.exe, a HQ será lançada no sábado (6 de abril), na loja da Ugra, em São Paulo, a partir das 16h – você confere outras informações sobre o lançamento na página do evento no Facebook.
A sinopse oficial de Brasil.exe fala em como Okuyama explora na HQ “as intersecções entre os quadrinhos e as redes sociais e retrata uma sociedade permanentemente conectada mas incapaz de se comunicar”. Sem entregar muito sobre a trama, vou um pouco além e digo se tratar de uma crônica familiar com ares tragicômicos representativa da Era Bolsonaro.
Conhecido na cena brasileira de quadrinhos por suas experimentações com mídias e linguagens, Okuyama ousa narrativamente dentro do formato fixo de apenas 20 páginas dos Ugritos. O meu estranhamento inicial à primeira leitura da HQ foi muito bem recompensando à medida que compreendi a proposta da obra. Um tremendo gibi.
Bati um papo por email com Okuyama no qual ele listou algumas das inspirações por trás de Brasil.exe, falou das técnicas utilizadas por ele e comentou algumas de suas impressões sobre quadrinhos e a realidade política brasileira. Papo massa, saca só:
É um desafio falar sobre esse seu Ugrito sem afetar de alguma forma a experiência do leitor. Você acha possível fazer isso? Se sim, como essa história surgiu na sua cabeça? Sempre esteve claro pra você a forma como essa HQ seria contada?
Ramon, obrigado por considerar isso, acho massa se o leitor fizer a leitura sem ser mediado por mim.
A história não estava na minha cabeça. A ideia inicial que tive foi da estrutura do quadrinho, de como as páginas se relacionariam. Na verdade essa ideia foi pensada depois de ter abandonado uma outra história em quadrinhos (seria uma história circular e já havia esboçado seu personagem).
Você sempre trabalha com formatos e estilos pouco usuais, costumando variar suas técnicas de uma obra pra outra. Sendo o formato do Ugrito pré-estabelecido (20 páginas e 10,5 X 15 cm), como você chegou no estilo e no traço que queria trabalhar em Brasil.exe?
Bem, esse traço é algo que vinha tentado trabalhar em um quadrinho que não terminei, com desenhos com vetores, usando o Adobe InDesign. Contudo, essa não era a minha primeira escolha. Sugeri ao Douglas [Utescher, editor dos Ugritos] de usar um outro traço e um desenho a lápis. Em outro momento, quando já estava usando vetores, pensei em colocar texturas com o Adobe Photoshop.
No final ficou uma ilustração vetorial sem textura, pois essa alteração com tons de cinza seria bem demorada (e já atrasei bastante a entrega desse Ugrito).
Aliás, uma das graças dos Ugritos está na forma como cada autor faz uso desse formato fechado e pequeno, com um número limitado de páginas. Foi desafiador pra você trabalhar dentro dessas restrições?
Foi bem difícil… Geralmente tenho dois processos diferentes, um para criação de zines ilustrados e outro para quadrinhos. Minha intenção na criação da maioria de meus zines ilustrados é tentar explorar formatos e materiais diversos e como eles se relacionam com a narrativa. No zine Boom eu queria trabalhar com o furo como um elemento da história e o formato de sanfona funcionou bem, pois quando fechado fazia com que o buraco coincidisse; no zine mais recente, Frutixo, as páginas possuem diferentes tamanhos e permitem visualizar parte da página seguinte, me permitindo um jogo de dividir o nome de frutas para formar outras palavras.
Nos quadrinhos tenho uma forma de criação meio idiota: penso em alguns quadros/cenas interessantes e desenho página por página, sem pensar no final. O Massa Véio foi feito assim e estava fazendo outro quadrinho do mesmo jeito. Penso que ficam vários furos e a narrativa perde muito criando um quadrinho desta forma…
Voltando ao formato do Ugrito, ele não me instigou em explorar algo diferente (respondendo agora, penso que poderia até ter sido possível fazer algo diferente…). O tamanho pequeno pode forçar a trabalhar com menos quadros ou imagens por páginas, mas isso não é uma regra, pois um desenho mais limpo e simples quebra essa ideia. Bem, estou me contradizendo sobre ser desafiador, mas talvez tenha sido difícil pra mim porque não me sinto confortável na criação e produção dos meus trabalhos, é sempre um processo penoso de escolhas e abandonos.
Eu queria saber sobre os seus métodos na produção dessa HQ. Você começou a trabalhar já com a história fechada? Você fechou o roteiro e só então começou a desenhar? Qual material você utilizou na produção desse quadrinho?
No Brasil.exe eu trabalhei primeiro com a estrutura das páginas e funcionamento da narrativa. Em seguida juntei os assuntos que queria trabalhar na história: redes sociais, violência, família, alienação, etc; e fui esboçando algumas páginas e personagens, para começar a pensar na história. Estava meio perdido nessa etapa… Uma das primeiras propostas era falar sobre o país desde 2013 até agora, tentar falar sobre política e a ascensão dessa extrema direita. As conversas com o Douglas me ajudaram muito, pois me fizeram dar um rumo pra história.
Ouço bastante podcast, e aqueles que abordam política (os de viés de esquerda, Marx me livre dos de direita), como o Lado B do Rio, Anticast, Chutando a Escada e Viracasacas, me pilharam bastante nessa obra.
O que são quadrinhos pra você? Quais são as suas leituras preferidas? Alguma obra em particular te influenciou durante a produção de Brasil.exe?
Putz, nunca parei para pensar sobre o que é quadrinhos a ponto de dar uma responta decente…
Quanto às leituras preferidas, vamos lá. Obras ou artistas de fora: The Mysterious Underground Men, de Osama Tesuka (Picturebox); Steve Canyon, de Milton Caniff (IDW Publishing); Mort Cinder, de Alberto Breccia e Héctor German Oesterheld (Figura Editora); The Collector, de Sergio Toppi (Archaia); Birchfild Close, de Jon McNaugt (Nobrow); Andre the Giant, de Box Brown (First Second); Goliath, de Tom Gauld (Drawn and Quarterly); This One Summer, de Jillian Tamaki e Mariko Tamaki (First Second); Instrusos, de Adrian Tomine (Nemo); Alien, de Aisha Franz (Musaraña); e Bruma, de Amanda Baesa (Chili com Carne). As obras nacionais Futuro, de Denny Chang (independente); Úlcera Vórtex, de Victor Bello (Escória Comix); Cadeado, de Juscelino Neco (Ugra Press); Know Haole, de Diego Gerlach (independente); a coletânea Porta do Inferno (Escória Comix); Asteróides – Estrelas em Fúria, de Lobo Ramirez (Ugra Press); Encruzilhada, de Marcelo D’Salete (Barba Negra); Terreno e Firehose!, de Paulo Crumbim (independente); Panda, de Rart Rixers (independente); e a coletânea Cavalo de Teta (independente).
Uma obra que influenciou esteticamente foi Souvenirs de L’Empire de l’Atome, de Thierry Smolderen e Alexandre Clérisse. Tem duas obras que me instigaram a trabalhar com essa narrativa do Brasil.exe: Futuro e o Know Haole # 8.
Brasil.exe narra uma história trágica e é explícito o diálogo da HQ com a nossa realidade. Como você analisa essa nossa realidade? Como você vê o nosso futuro?
Meus trabalhos não possuem um caráter crítico e nem têm a intenção de fazer uma análise do momento que vivemos, mas estou bem angustiado desde a última eleição e isso me levou a essa obra. Acho que esses próximos anos serão bem difíceis, com um presidente eleito a partir de mentiras e sem nenhuma proposta. Isso não me deixa muito esperançoso para os próximos anos… Um chefe de estado disseminando discurso de ódio ecoa na classe política e na população e libera a barbárie.